Na festa da democracia, eleitores celebram comendo água e aglomerando

Paredões e festas foram registrados na capital e interior

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  • Gabriel Moura

Publicado em 15 de novembro de 2020 às 23:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Gabriel Moura / CORREIO

As crianças nascidas em uma democracia aprendem, ainda durante o primário, o que são direitos e deveres. Crescidos e com título de eleitor na mão, alguns votantes de Salvador acharam por bem realizar uma pequena mudança no aforismo e, após exercerem o direito do voto, partiram direto pro beberes.

E olha que nem foi difícil para o eleitor tomar tal caminho. A multidão já tava lá por motivos cívicos, faltava apenas um isopor com “piriguete 2 por 5” escrito na frente e um som tocando pagodão para profanizar o momento. O ambulante Lucas Silva, 22, provou seu espírito empreendedor e logo os dois.

“Não dizem que a eleição é a festa da democracia? Então. Estamos aqui para celebrar”, resumiu ele, que estava ocupado fornecendo cerveja para a aglomeração que se formou ao lado de seu isopor, instalado nas proximidades das escolas estaduais Manoel Vitorino e Luiz Viana, dois dos maiores colégios eleitorais da capital baiana.

Mas qual seria o motivo do fuzuê? Militantes celebrando o bom desempenho de seu candidato? “Não. Apenas me encontrei com alguns amigos e parentes aqui na hora da votação e aí não teve jeito. Todo mundo começou a beber”, justificou a engenheira ambiental Daiane Brito, que ainda estava na terceira cerveja quando conversou com a reportagem.

O reencontro de pessoas, aliás, foi um dos maiores gatilhos para a bebedeira exagerada. “Eu estou respeitando a quarentena, não estou saindo de casa e vim aqui apenas para votar. Mas acabei encontrando, por acaso, alguns amigos que não via há meses. Aí não teve como, paramos para beber e colocar o papo em dia”, contextualiza Marcelo Souza, 27, que votou no Colégio Estadual David Mendes Pereira, em São Marcos. Isopor dividiu espaço com santinhos de candidatos na Ucsal (Foto: Gabriel Moura / CORREIO) Corona? Nunca nem vi

Já na Universidade Católica do Salvador, unidade da Federação, um grupo de devassos rebolava em cima dos santinhos que inundavam o chão. Dentre eles estava o engenheiro civil Anderson Tavares, 31, que não tinha vergonha de admitir que colocou as eleições em segundo plano.“A única candidata que confio é a minha lôra (disse apontando para a cerveja) que não me abandona em nenhum momento da vida”, declarou-se.Apesar disso, Anderson votou antes da algazarra. “Durante, na verdade. ‘Tô’ bebendo desde de manhã cedo”, corrige. Mas ao sair de seu colégio eleitoral, ele colocou no bolso a identidade, título de eleitor e também a máscara, visto que eles e seus amigos e estavam com o rosto pelado durante o reggae.

Questionado se não tinha medo de ficar desprotegido em meio à aglomeração, o engenheiro respondeu citando um hit do cantor Tierry: “não tenho medo do coronavírus, já peguei coisa pior e ainda chamei de meu amor.”

Mas a Polícia Militar (PM-BA) - e autoridades de saúde também - não concorda com o ponto de vista de Anderson. Em comunicado, a corporação disse que agiu durante todo o domingo de votação para evitar aglomerações em Salvador e no interior. Mesmo com as rondas, diversas aglomerações foram registradas em todo o estado. Na capital, um paredão reuniu centenas de pessoas em frente à Escola Estadual Teodoro Sampaio, em Santa Cruz. “Mas ali nem precisa de eleição ou data comemorativa. Tem essas festas aqui no bairro toda semana”, revelou uma moradora que não quis se identificar.

Já no interior alguns internautas postaram vídeos mostrando comemorações e festas em cidades como Dom Macedo Costa e Riachão do Jacuípe.

Igual a Carnaval

Em meio a eleitores e candidatos que tentavam angariar alguns votos de última hora estavam os ambulantes. Com a proibição de eventos com mais de 200 pessoas vigente em Salvador desde março, as eleições foram o primeiro evento desde o Carnaval que renderam algum lucro aos vendedores.

“Esse tem sido um ano muito difícil, mas hoje valeu a pena ter vindo trabalhar. Esgotei toda a cerveja ainda às 14h30 tamanho o movimento. Como ninguém tá respeitando a quarentena, todo mundo sem máscara e bebendo, isso aqui tá igual uma festa. Tô vendendo tanta cerveja quanto no carnaval”, comemorou a ambulante Taiane Santos de Almeida, 17, que posicionou seu isopor em frente à Ucsal.

Já o gerente de um bar em Brotas, que não quis se identificar, também celebrou o movimento acima do normal. “Acredito que nenhuma classe sofreu tanto com essa pandemia como nós. O movimento de hoje está muito bom e a gente espera que isso seja um sinal de que as coisas vão melhorar daqui pra frente, pois só um dia de bar cheio não cobre todos os prejuízos que tivemos”, pondera.

*Com orientação do chefe de reportagem Jorge Gauthier