'Não existe mulher que nunca tenha sofrido pressão estética', diz Jéssica Senra

Para Jéssica, embora várias vezes as pessoas finjam uma preocupação por saúde, a questão é mais ampla

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  • Gabriel Moura

Publicado em 18 de outubro de 2019 às 06:02

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Apresentadora do Bahia Meio Dia, mais de 300 mil seguidores no Instagram e, recentemente, até âncora do Jornal Nacional. Talvez no auge de sua carreira, Jéssica Senra atingiu a fama, mas que acabou vindo acompanhada de diversas pressões, principalmente estéticas, por parte de “patrulheiros” que cobram que ela tenha um chamado "corpo perfeito".

Uma das últimas manifestações deste tipo aconteceu na última quarta-feira (16), quando uma seguidora mandou para a apresentadora uma foto em que a barriga dela aparece marcada, questionando se Jéssica estaria grávida. A jornalista compartilhou a mensagem e escreveu um texto comentando toda a pressão estética que as mulheres enfrentam, algo que ela conhece muito bem.

“Sempre sofri essa patrulha alheia sobre meu corpo, assim como todas mulheres que são públicas. As pessoas acham que têm o direito de falar o que quiser sobre os nossos corpos, mas isso é algo pessoal. Você tem o direito de ter a sua opinião, mas não de manifestá-la. Não tenho que seguir o seu padrão, mas sim aquele que eu posso", diz Jéssica.

"Já usei remédios para emagrecer, anfetaminas que mexem com o sistema nervoso central, o que foi devastador para mim. Acabei engordando tudo de novo e enfrentei um quadro depressivo por conta desta tentativa de me encaixar nesses padrões de emagrecimento”, revelou a jornalista. Desabafo de Jéssica (Foto: Reprodução/Instagram Stories) Para Jéssica, embora várias vezes as pessoas finjam uma preocupação por saúde, a questão é mais ampla. “Muitas vezes nos dizem que precisamos emagrecer por uma questão de saúde, mas no fundo o que querem é que a gente emagreça a qualquer custo, mesmo que o preço disso seja nossa saúde física e mental. Muitas mulheres vão se identificar com isso. Hoje eu digo que não faria isso de novo (tomar remédios), mas sei que em muitos momentos é a única alternativa que a gente enxerga, de atingir e violentar nosso corpo para atingir certos padrões”, conta.

Trabalhando com televisão desde 2010, quando estreou como apresentadora titular na Band Bahia, Jéssica lamenta a patrulha feita por pessoas que não entendem a separação entre a vida pessoal e profissional. “Já pensei em desistir. Às vezes me pergunto se quero continuar com tudo isso”, diz.

A jornalista admite que o escrutínio constante afeta sua autoestima diariamente.“Quase todo dia quando me vejo na televisão, sinto-me mal por causa do meu corpo. Muitas vezes alguém posta um vídeo de algum momento do jornal nas redes sociais, até mesmo elogiando em alguns momentos, mas se eu não gostar daquele ângulo nas filmagens ou se apareceu de uma forma que não tá legal, acabo me sentindo mal. Não só com os vídeos, quando alguém tira foto comigo e me manda, acabo não gostando do resultado ou do ângulo da fotografia”, diz.Autoaceitação Há três anos, Jéssica iniciou um processo para começar a gostar de seu próprio corpo. Nesse período adotou rituais matinais que a ajudam no crescimento espiritual, emocional e pessoal. Todos os dias ela faz atividades físicas, medita, lê e realiza exercícios de autoamor e gratidão, conectando-se consigo mesma e conseguindo enxergar a beleza dela, até em pontos que ela considerava - ou ainda considera - “defeituosos”. Além destas atividades, a jornalista faz alguns tipos de terapias, como a psicoterapia, para buscar o autodesenvolvimento. 

Conseguindo bons resultados neste processo, a apresentadora diz que espera inspirar e atingir outras mulheres ao compartilhar suas experiências, como fez em sua rede social. Apesar de estar dentro dos padrões da sociedade, como a própria reconhece, Jéssica quis mostrar que todas as mulheres acabam sofrendo por conta dessas cobranças, independente de cor, idade ou classe social.

“Perguntas como aquela (se ela estava grávida) nos fazem ficar insatisfeitas com nossos corpos e questionar se somos inadequadas. Isso traz uma série de consequências para a nossa saúde física e mental. As pessoas precisam precisam refletir sobre as perguntas que fazem ao corpo das outras”, defende.

Após a postagem de Jéssica, diversas pessoas, tanto homens quanto mulheres, começaram a enviar mensagens para ela contando que passam pelos mesmos problemas. Como o de uma moça que acabou de parir e começou a ouvir que precisa emagrecer logo, ou o marido irá abandoná-la e ninguém irá querer ficar com ela. “São muito cruéis”, pontua a apresentadora.“Isso não é sobre mim, mas todas as mulheres que sofrem essa pressão estética e opiniões sobre as nossas próprias vidas. A gente precisa ser mensageiros do amor, não dizer opiniões crueis e negativas, mas usar a nossa palavra para empoderar, fazer o outro se sentir bem, elogios sinceros, palavras de amor e carinho, é disso que todos nós estamos precisando”, afirma.E as mensagens que Jéssica recebem não falavam apenas sobre aceitação com seu peso. Uma seguidora negra confessou que sempre teve vergonha de seus cabelos e só recentemente parou de alisá-los. Após esta mudança no visual, ela disse que começou a ouvir diversos comentários de que era melhor antes e de a mudança a deixou mais feia.“E daí? De quem é o cabelo? De quem é o corpo? Estamos numa sociedade onde todos nós estamos sendo oprimidos e pressionados esteticamente, mas ao mesmo tempo continuamos este discurso opressor. Todos estamos sofrendo mas todos também estamos fazendo os outros sofrer e temos que questionar o porquê disso”, lamenta.“É muito comum as mulheres reproduzirem esse discurso. Não só nós, mas há gays homofóbicos e negros racistas, por exemplo. Nós somos criados numa sociedade opressora e acabamos aceitando essas ideias como corretas. É importante que a gente repense nossas atitudes e comece a prestar atenção nesses temas, ouvir os ativistas, as pessoas que estão nessa luta. Ouvir, entender, aceitar essas críticas e tentar nos transformar”, diz Jéssica que defende a desconstrução como algo vital para a sociedade.

'Caber na televisão' Antes de se comandar o Jornal Nacional, no último mês, a apresentadora da TV Bahia já havia falado com o CORREIO sobre pressão estética, gordofobia e cobranças. Na época, ela chegou a mencionar uma dieta “para estar no padrão” e “caber na televisão”. O comentário, porém, não foi bem recebido por seus seguidores, que acusaram Jéssica de gordofobia. Inconscientemente, o que estou dizendo é que só me sentiria bonita estando mais magra. Então foi muito chocante pra mim”, contou a jornalista, sobre o momento em que se deu conta de que tinha sido preconceituosa.

“Tenho dois sentimentos, hoje, em relação àquela postagem: um, vergonha mesmo, constrangimento, me sinto envergonhada de ter colaborado de alguma forma para essas opressões às quais estamos todos submetidos. Mas também estou extremamente grata, porque foi a partir dali que consegui mudar uma chave dentro de mim e perceber que eu preciso trabalhar isso, essa autoaceitação também”, confessou Jéssica. (Foto: Reprodução/Globo) Na época, ela chegou a mensionar o trabalho como modelo e a cobrança que sempre teve com seu corpo. "Foi muito traumático. Você imagina o que era para uma adolescente 13 anos passar por isso? Deixa marcas profundas. Depois, com o jornalismo, também passei a sentir essa opressão, que é da sociedade."Basta eu ganhar peso pra ter gente insinuando que eu estou grávida, por exemplo, quando não é totalmente deselegante de dizer que eu estou gorda, que eu subi muito peso, aquela coisa de 'aparentemente estou preocupada com você', mas não é coisa nenhuma, é a coisa da imposição". Em outros lugares onde Jéssica trabalhou, ela já teve atenção chamada após ganhar peso, com pedidos para emagrecer. "Para uma mulher que sempre investiu na educação, no conhecimento, no desenvolvimento pessoal, na comunicação, no próprio talento, que conseguiu se destacar dentro do seu meio, perceber que não importa se você é uma das melhores profissionais na sua área, a sua aparência vai contar. A forma do seu corpo é imposta por outros. Então, isso mexe muito comigo, são questões muito profundas que percebi durante essas críticas que eu preciso trabalhar.

Veja o que ela respondeu quando foi questionada sobre o tema.

Recentemente, você comentou que “precisa estar no padrão para caber na televisão” e, por conta disso, recebeu críticas. O que quis dizer com essa frase? Fiquei muito feliz com esse fato, embora constrangida e um pouco envergonhada, porque logo que eu recebi a crítica, eu não entendi. Na minha cabeça, de alguma forma, a gordofobia tinha a ver com a não aceitação do outro, com a opressão ao outro, e quando falei sobre minha experiência, eu falava sobre mim, sobre as minhas cobranças pessoais, não achei que aquilo poderia ter ofendido alguém. Mas eu segui conversando com as meninas [entre elas, a consultora de imagem Kika Maia e a ativista contra a gordofobia Carla Leal] e acho que a gente precisa ter humildade para ouvir as críticas e ponderar se elas realmente fazem sentido, como naquele momento, porque às vezes a gente não tem a capacidade de compreendê-las. Conforme fui conversando com as meninas, eu percebi que faz total sentido."Aí veio meu constrangimento, porque nunca me imaginei gordofóbica".Luto diariamente pela necessidade da gente respeitar o outro do jeito que ele é, luto pela necessidade da gente enxergar a beleza na diversidade, e isso não é só da boca pra fora, sabe, é um exercício diário mesmo. E só aí me dei conta de que luto muito pelo outro, mas esqueço de mim e acabo me fazendo cobranças que às vezes eu nem faço ao outro."Ao mesmo tempo, quando publico um vídeo dizendo que “vou emagrecer para estar bonita na televisão”, claro, hoje está óbvio pra mim que isso é uma forma de oprimir o outro. Inconscientemente, o que estou dizendo é que, só me sentiria bonita estando mais magra. Então foi muito chocante pra mim perceber". Depois eu troquei mensagens com as meninas inbox, a gente trocou primeiro nos comentários, mas depois inbox nós conversamos muito. Em alguns momentos eu me emocionei demais, porque isso mexe profundamente comigo e eu não sabia o quanto. Então, tenho dois sentimentos, hoje, em relação àquela postagem: um, vergonha mesmo, um constrangimento, me sinto envergonhada de ter colaborado de alguma forma para essas opressões, as quais estamos todos submetidos, mas também estou extremamente grata, porque foi a partir dali que consegui mudar uma chave dentro de mim e perceber que eu preciso trabalhar isso, essa autoaceitação também. E que preciso ser extremamente vigilante, diante da posição que tenho de falar pra muita gente, de ser ouvida por essas pessoas, de cuidar do que eu falo pra não continuar alimentando esses padrões que são opressores para o outro e para mim também.

Você se cobra muito? Essa troca me ajudou a entender que a gordofobia não é só quando você aponta o dedo para o outro, mas quando você se cobra também. Essa cobrança, pra mim, existe. Eu trabalhava como modelo e, pra mim, uma das coisas mais traumáticas desse período eram os castings em que a gente desfilava de biquíni e éramos medidas com fitas métricas para saber se estávamos no padrão. E um quadril acima de 90 cm, naquela época, era razão pra você estar fora dos desfiles mais concorridos. Então foi muito traumático. Você imagina o que era para uma adolescente 13 anos passar por isso? Deixa marcas profundas. Depois, com o jornalismo, também passei a sentir essa opressão, que é da sociedade."Basta eu ganhar peso pra ter gente insinuando que eu estou grávida, por exemplo, quando não é totalmente deselegante de dizer que eu estou gorda, que eu subi muito peso, aquela coisa de “aparentemente estou preocupada com você”, mas não é coisa nenhuma, é a coisa da imposição". Em outros lugares onde trabalhei, já fui chamada a atenção, quando ganhei peso, dizendo claramente que precisava emagrecer. Para uma mulher que sempre investiu na educação, no conhecimento, no desenvolvimento pessoal, na comunicação, no próprio talento, que conseguiu se destacar dentro do seu meio, perceber que não importa se você é uma das melhores profissionais na sua área, a sua aparência vai contar. A forma do seu corpo é imposta por outros. Então, isso mexe muito comigo, são questões muito profundas que percebi durante essas críticas que eu preciso trabalhar."Todos nós temos a obrigação de nos desconstruirmos das imposições da sociedade. A gente tem que se desconstruir do machismo, do racismo, da homofobia, da gordofobia, isso passa por esses questionamentos".Esses valores são colocados dentro de nós de forma que a gente nem percebe. E veja que o discurso que eu fiz tinha muito da opressão que eu abomino e que eu quero liberar da minha vida. Então, aquilo ali foi muito importante pra essa desconstrução, pra eu perceber que preciso cuidar daquilo principalmente dentro de mim. Olhar para minhas cicatrizes, olhar pra dentro dessas questões mais antigas.

*Com orientação do editor Wladmir Pinheiro