Não tem santo que aguente! Moradores do Carmo denunciam barulho infernal 

Poluição sonora avança pela madrugada nos fins de semana

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  • Da Redação

Publicado em 4 de fevereiro de 2022 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo Pessoal
Ambulantes favorecem continuação do movimento nas ruas por Acervo Pessoal/Leitor CORREIO

Basta o sol se esconder que a paz dos moradores do Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador, vai embora. Nas casas, não dá para dormir e nem assistir à televisão por causa do som alto que vem de fora. A vista da janela exibe um carnaval: ruas lotadas de pessoas bebendo e dançando. Fica impraticável sair de casa de carro. Segundo os moradores, a confusão vai da Cruz do Pascoal até o Largo do Santo Antônio.

Quando o sol aparece novamente, permanece o cheiro de urina, o lixo espalhado pelas ruas e os cacos de vidro de garrafas quebradas. O bairro, que era bucólico, agora chama a atenção pelas denúncias de poluição sonora. O aumento do primeiro para o segundo semestre de 2021 foi de 130,5%. 

Foram 59 denúncias de janeiro a junho do ano passado. De julho a dezembro, ocorreram mais 136. O mês mais barulhento foi outubro, com 32 reclamações. Os dados são da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur).

Em 2022, a situação não mudou. Com restrições e fiscalização no Rio Vermelho no dia de Iemanjá, as comemorações mudaram de lugar. Na noite desta quarta-feira (2), aglomerações foram registradas no Santo Antônio Além do Carmo. Nas imagens que circulam nas redes sociais, é possível ver centenas de pessoas reunidas dançando sem máscara ao som de uma fanfarra. As maiores aglomerações ocorreram na escadaria da igreja do Santíssimo Sacramento do Passo e no largo da Cruz do Pascoal.

A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur) disse que foi até o local e solicitou o cancelamento do evento, mas a ordem foi descumprida. O órgão então retornou ao bairro junto com a Polícia Militar. A fanfarra e uma barraca de bebidas foram notificadas e as pessoas começaram a se dispersar. 

Diana Soares hoje tem 63 anos e é moradora do bairro desde os 7 anos. Ela diz que quer se mudar porque perdeu o encanto pelo lugar que tanto amava. “Já chamei um corretor para avaliar a casa para eu me mudar. É uma coisa triste porque eu cheguei aqui com 7 anos, eu não queria sair, mas estou sendo forçada. Eu amava isso daqui, parecia um interior, todo mundo se conhecia. Até o ano passado eu colocava cadeira na porta para ficar conversando. Hoje a gente não consegue mais fazer isso”, lamenta. 

Ela conta que, ao sair pela manhã para comprar pão, é preciso desviar do lixo e tomar cuidado para não pisar em cacos de vidro de garrafas quebradas que ficam espalhados. “A gente não vê as autoridades tomando nenhuma providência. Espero que eles não deixem para resolver só quando tiver um tiroteio, uma morte no meio de uma confusão dessas”, apela a moradora.

Diana lembra que a pandemia ainda não acabou, mas que, por lá, os protocolos sanitários não são respeitados. “Ainda estamos em época de pandemia, mas é como se isso não existe aqui para essas pessoas. É sempre aglomeração, todo mundo sem máscara”, ressalta. “E o povo é mal educado. Além de sujar a rua e fazer barulho, quando você vai reclamar ainda vem com grosseria e agressividade. A gente fica até com receio porque hoje em dia tudo é motivo para briga, para um tiro, ainda mais quando se trata de pessoas alcoolizadas”, completa. 

Segundo os moradores, o movimento maior começou em 2021 porque o Carmo “ficou na moda”, recebendo o bastão do Rio Vermelho. “É um verdadeiro carnaval todo dia. Piora de quinta a domingo. As pessoas ficam na rua até 4h ou 5h. Só que isso aqui não é o Rio Vermelho e nem a Barra, que tem aquele espaço só com bares, na beira da orla. Aqui é diferente, não dá para fazer aqui a mesma coisa que fazem lá”, reclama a moradora Rosa Barros, de 61 anos. 

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Ela conta que até bloco de carnaval tem por lá, quase todo final de semana. “O povo vem beber aqui, gosta e aí resolve comemorar o aniversário aqui também com 50 ou 60 pessoas. Manda fazer camisa de abadá, copo personalizado e sai aqui pelas ruas com música”, conta. “Daqui dá para ver gente fazendo sexo nos becos, fazendo xixi nas ruas e usando drogas. Além do som alto, as pessoas ainda ficam cantando e gritando palavras de baixo calão. Uma vez, 23h, tinha mais de 10 pessoas aqui na porta da minha casa gritando coisas horríveis”, acrescenta Rosa.

“Eu não me sinto mais moradora daqui, me sinto como invasora. A sensação é de que o bairro é desse povo que enche as ruas, eles se acham donos das ruas e sentem que podem fazer de tudo, mas moram em outros bairros, vêm aqui fazer a confusão e deixam a bagunça aqui”, diz. 

Outra moradora, que não quis se identificar, conta que o bairro sempre teve bares e isso não gerava incômodo, até a pandemia. “Moro aqui há 7 anos, mas, dessa vez, a desordem está demais. A gente não sabe se o bar tem capacidade para colocar tanta gente e não tem espaço para passar. As pessoas têm que andar no meio da rua porque alguns ocupam as calçadas e as frentes das casas”, narra.  

Nos finais de semana, ela abandona a casa, para não ter que lidar com os transtornos. “Quase não fico em casa, porque tenho para onde ir e caio fora. Mas é sempre assim”, completa. “Acabou a paz. É muito lixo, vômito nas ruas, engarrafamento e a bagunça se instaura nos fins de semana. O que falta é ordenar, porque não queremos que tirem os bares, mas somos um bairro residencial, com mais de 100 idosos”, acrescenta a moradora.  

Som alto no meio da rua

Para Rosa Barros, o problema não está nos bares. Ela diz que a maioria são antigos, dos próprios moradores e que ela mesma sempre gostou de tomar uma cerveja por ali com os amigos e vizinhos. “Eu não quero que os bares fechem, nem que isso aqui vire um bairro completamente parado porque eu gosto da animação, mas desse jeito não dá. Eu tinha o costume de descer para tomar a minha cerveja com meus vizinhos, mas agora não faço nem gosto de ir, não dá”, pontua. Bares lotados impedem circulação nas calçadas do bairro (Foto: Acervo Pessoal/Leitor CORREIO) Ela diz que a maior preocupação começa quando os bares fecham. “Os bares respeitam o horário, mas, depois que eles fecham, o pessoal chega com os carros, abre a mala com aqueles aparelhos de som de paredão e coloca a música alta no meio da rua”, conta. É aí que a maior aglomeração se forma. Além dos carros, a música vem também de caixas de som das próprias pessoas que vão beber e dos vendedores ambulantes. 

Marco Taliani, de 63 anos, é dono da Pousada Esmeralda, que fica na Ladeira do Baluarte, e diz que sofre por conta do barulho. “O som alto incomoda, vai até de madrugada e não obedece a Lei do Silêncio. Isso complica o nosso lado porque os clientes reclamam. Aí a gente vai fazendo o que é possível, realoca eles para os quartos que ficam do outro lado, mas é muito chato. Nosso medo é receber avaliação negativa na plataforma online. Se isso acontecer, a gente coloca na conta de quem?”, reclama. 

O fotógrafo Mário Edson, morador do bairro, diz que já encontrou urina e fezes na porta de sua casa e quer se mudar. “Todo mundo resolveu vender alguma coisa na pandemia. Ficam com barracas na frente de suas casas vendendo empada, bolo, e até frigobar e cadeira colocam, no meio do passeio. Se cadeirante quiser andar aqui, não circula, porque não tem como”, relata.  

Para Rosa Barros, o bairro não está preparado para receber essa quantidade toda de pessoas. “As ruas são estreitas, com casas de um lado e de outro, pessoas idosas. Poucas pessoas já viram uma multidão e deixam a passagem aqui impossível. Uma senhora passou mal uma vez e foi um sacrifício para o socorro chegar. Se você quiser pedir um carro por aplicativo, não consegue, fica impossível de circular. É preciso repensar isso aqui, estruturar”, coloca.  

Mário, Rosa e Diana pedem o maior controle e fiscalização por parte da prefeitura. “Não dá para impedir as pessoas de virem e nem é isso que a gente quer. Só queremos uma melhor organização”, destaca Rosa. Cláudio Marques, diretor do Cine Metha Glauber Rocha, também é morador do bairro e concorda com o posicionamento. Para ele, a movimentação tem pontos positivos.

“Quando eu cheguei aqui, há 10 anos, o bairro era mais vazio. Agora, tem mais moradores, está mais ocupado, tem novos empreendimentos. A movimentação é algo positivo, é bom ver as pessoas ocupando as ruas, reduzindo a especulação ao ocupar as casas e gerando renda para cá. Até porque isso traz mais segurança nas ruas. Mas é tudo uma questão de equilíbrio, não dá para ficar desse jeito, tem que organizar”, coloca.

Legislação não estabelece horário limite 

A subcoordenadora de fiscalização sonora da Sedur, Márcia Cardim, explica que a maioria dos estabelecimentos está licenciada para realizar qualquer tipo de atividade sonora, com limite de decibéis. Entre 22h e 6h, o máximo é 60db. De 7h às 22h, é de 70 db. “Para bares e restaurantes, o público deve ser de até 200 pessoas e não podem ficar com som ligado até 1h, 1h30, mas não existe um horário específico determinado pela lei. Se houver venda de ingresso, como nos grandes eventos, o horário é até 3h da manhã”, orienta.  

As multas por desobediência da lei de atividade sonora variam de R$ 1 mil a R$ 178 mil. Os bens são apreendidos e só podem ser retirados após o pagamento da mesma. As denúncias podem ser feitas através do 156. Segundo Márcia Cardim, há constante fiscalização na área. Uma pousada, que não teve o nome revelado, já foi autuada por realizar evento sem alvará.   

Festa até na igreja

Nem ambientes religiosos estão a salvo: a Igreja de Santo Antônio Além do Carmo é o terceiro lugar da região com maior número de denúncias, segundo a subcoordenadora de fiscalização sonora da Sedur, Márcia Cardim. Em primeiro e segundo lugar estão os estabelecimentos comerciais e residenciais, respectivamente. Moradores dizem que festas acontecem recorrentemente na igreja, madrugada adentro.  

“Todos os finais de semana o padre cede o espaço para um grupo fazer festa, dizendo que é para arrecadar dinheiro para o teto da igreja, só que o lugar não tem tratamento acústico e não tem hora para acabar, eles ficam até 1h, 2h da manhã”, denuncia o fotógrafo Mário Edson, dono de um atelier no bairro. 

O padre Ronaldo Marques Magalhães, pároco da Paróquia Santo Antônio Além do Carmo, alega que todas as festas têm autorização da prefeitura e duram, no máximo, até 00h. “Tem meia dúzia de moradores do Santo Antônio que não querem que o bairro tenha absolutamente nada. Todas as festas que tiveram, teve o som na altura estabelecida e nem é toda semana. Temos todas as licenças e autorizações pagas. Agora o problema não é meu se o pessoal fica na rua depois. Isso não tenho o que fazer”, argumenta Magalhães. . 

Lixo e sinalização  

Os moradores ainda reclamam de falta de sinalização de trânsito no bairro, após o início das obras de restauração da calçada e ruas. O projeto de sinalização, montado pela Transalvador, deve ser executado pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder). A empresa, por meio de nota, disse que recebeu o projeto da Transalvador e que as placas foram confeccionadas. A previsão de instalação, no dia 13 de janeiro, era de 30 dias. Segundo a Conder, as placas já foram recolocadas.  No dia seguinte, lixo acumulado nas portas das casas (Foto: Acervo Pessoal/Leitor CORREIO) Em relação ao lixo, a Empresa de Limpeza Urbana de Salvador (Limpurb) informou que “a região do Santo Antônio é contemplada com serviços de varrição e coleta, realizados de segunda a domingo, a partir das 06h30min da manhã, com repasse às 11h”.  

“No entanto, vale ressaltar que alguns moradores ainda insistem em descartar os resíduos após o horário da coleta, contribuindo para o acúmulo de resíduos no local. Sempre que necessário uma caçamba e um caminhão são utilizados para remover os entulhos descartados nas vias de maneira inadequada”, conclui a Limpurb.