No fim da fila: algum dia vacinaremos as crianças e jovens? Quais as perspectivas?

Entenda por que ainda não existe vacina contra covid-19 para menores de 18 anos e o que falta para isso

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 10 de janeiro de 2021 às 07:12

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Acervo pessoal

Quem poderia arriscar um palpite de quando chegará a vez de crianças e jovens serem vacinados contra a covid-19? Na fila nacional, sequer são citados. Ainda não é de conhecimento geral que não existe vacina no mundo para esse público e pouco se toca na questão destas vidas precocemente perdidas. Na quinta (7), quando os resultados da CoronaVac no Brasil foram anunciados pelo Instituto Butantan, jovens ‘descobriram’ que menores de 18 anos, a princípio, não poderão recebê-la e o assunto tomou conta da rede social.

Como esta faixa etária pediátrica sofre menos complicações ao contrair a doença, os especialistas têm presumido que esse público será a última categoria a ser imunizada porque um antígeno para elas ainda está em fase inicial de estudos.

De acordo com o polêmico plano preliminar do Ministério da Saúde divulgado no dia 1º de janeiro, a vacinação inicial terá quatro fases, nas quais serão priorizados os trabalhadores da saúde, a população idosa a partir de 60 anos, indígenas, portadores de comorbidades crônicas com maior chance de evoluir para casos graves e, por último, professores, forças de segurança e funcionários do sistema prisional.

Os números de mortes de crianças e jovens são mesmo bem menores do que os óbitos entre adultos e idosos, mas a mortalidade não é zero. Também são vidas sendo levadas pelo vírus. Na Bahia, até esta sexta-feira (8), dos mais de 500 mil infectados no estado, 56,8 mil foram crianças e jovens com idades entre 0 e 19 anos. Destes, 70 meninos e meninas morreram, sendo que 34 relataram ter alguma comorbidade, sendo as doenças do sistema nervoso e cardiovascular as mais letais. Os outros 36 óbitos não tinham enfermidades ou, se tinham, não foram informadas.

A faixa etária pediátrica corresponde, atualmente, a 11,3% do total de casos e 0,7% dos óbitos no estado. O intervalo de idade com maior número de mortes foi de 10 a 19 anos, com 32 mortos, seguida dos bebês com menos de um ano, com 20 óbitos. A Secretaria de Saúde da Bahia informou que não tem dados do total de crianças e jovens portadores de comorbidades no estado, dado que poderia orientar uma estratégia para essa categoria.

Por que não tem vacina para eles? 

De maneira geral, os estudos clínicos para novas vacinas começam suas testagens em indivíduos adultos, jovens e saudáveis. Como já se sabia que idosos estavam morrendo mais e era preciso achar uma solução para isso, as crianças não eram uma preocupação, então a faixa etária estudada para os imunizantes foi acima dos 16 anos. Até agora, a maioria das fabricantes de vacinas contra indicam doses para quem tem menos de 18 anos porque ainda não há dados suficientes que possam garantir a eficácia e segurança na garotada.

Foi só em outubro do ano passado que a Pfizer-BioNTech passou a testar seu imunizante em jovens voluntários de 12 anos a 15 anos. As fabricantes da Moderna e da Coronavac iniciaram dois meses depois. Então, as informações sobre a eficiência de proteção dos imunizantes em crianças e jovens só deverão ser conhecidas no primeiro semestre deste ano, segundo estima a epidemiologista Ethel Maciel, professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e assessora técnica do Plano Nacional de Imunização.

O Butantan afirmou que analisa  incluir dados dessa faixa específica numa próvavel etapa posterior dos estudos da vacina Coronavac em desenvolvimento no Brasil.

Referência em pesquisas em pediatria e infectologia, Cristiana Nascimento de Carvalho, professora da Ufba, explica que é nos testes de fase 3, etapa em que se amplia a aplicação de centenas para milhares de voluntários — e que habitualmente são feitos em adultos —  que se sabe mais sobre a eficácia das vacinas. 

“Só se testa grupos de crianças depois que já mostrou que nos adultos há uma segurança documentada. Efeitos pouco adversos não são notados nos estudos de fase 2, aparecem mais nos de 3 e 4. Crianças e grávidas ficam no último grupo a ser testado porque precisam dessa garantia, baseada no restante da população. Então só depois é que parte para esse grupo mais potencialmente vulnerável”, detalha ela. 

Como esse público é de indivíduos em desenvolvimento, é possível que o imunizante se comporte de forma diferente. Por isso, os protocolos da ciência determinam que pesquisas sejam feitas, mesmo que os indícios apontem que a vacina pode ser segura. 

Por outro lado, com a vacinação em massa da população, a expectativa é de que a ação dê uma boa ajuda no bloqueio da transmissão do vírus. E aí, com um bom percentual da população imune, “a prioridade de vacinação das crianças cai muito porque a cadeia de transmissão está sendo quebrada”, completa Cristiana. 

Não tão cedo

A pesquisadora explica que, mesmo nos países que já iniciaram a vacinação, as crianças, incluindo as que têm comorbidades, não têm sido vistas como grupo de risco por causa da grande demanda de proteção dos adultos e idosos. A pediatra acredita que a meninada não será deixada para lá, deverão ser imunizados, mas não tão cedo. “Existe um longo caminho e 2021 será um ano de estudos continuados. A vacinação vai depender do que se achar nos estudos de fase 4 [vacinação em massa] e da evolução da pandemia”, continua.

A próxima grande dúvida a ser esclarecida é como o coronavírus vai se comportar daqui até lá, se irá sofrer mutações, se provocará doenças mais leves ou mais agressivas. Nada se sabe ainda e duas novas cepas já foram identificadas no Reino Unido e na África do Sul. Isso significa que a importância da covid-19 para as crianças pode ser definida não só pela vacinação massiva, mas também pelo que essas mutações podem resultar. 

Doenças como zika e sarampo, por exemplo, promovem uma imunidade a partir da infecção natural. Uma vez que você pega, não há como tê-la outra vez. O desafio da vacina contra a covid-19 é promover uma imunidade que a infecção natural parece não promover.     Existem várias vacinas em desenvolvimento e que usam diferentes tipos de tecnologia. No caso de alguma se revelar ineficaz, ao invés de se tentar criar mais uma, o que Cristiana acredita que acontecerá é que cientistas tentarão identificar qual, entre esse cardápio, tem melhor resposta para as crianças e jovens.

Corações aflitos 

As incertezas levam preocupação ao coração de pais. Mãe da pequena Cecília, de 9 anos, Daniela Brandão, 32, teme que a doença possa atingir a pequena, que tem diagnóstico de paralisia cerebral. O receio é de que ela venha a ter um quadro grave, então Daniela não gosta de pensar que a filha pode ser desconsiderada na imunização nacional. Ela achava que, devido às suas condições de saúde, Cecília já tinha a prioridade e se surpreendeu ao saber que sequer há vacina no mundo para faixa etária da sua menina. 

“Ela tem múltiplas deficiências e, em função disso, se privou de muita coisa. Até a forma de ela conhecer as pessoas é tocando, está sofrendo muito com tudo. Como mãe, eu gostaria de uma vacina logo para que eu sinta que a minha filha está segura e ela pudesse ter de volta as suas atividades", diz.

Em junho, uma menininha de apenas nove anos, portadora de problemas cardíacos, morreu em um hospital público de Itabuna vítima do coronavírus. Ela foi identificada como Layla de Jesus Rios e a prefeitura do município lamentou publicamente o fato. Dois bebês de dois e quatro meses que tinham doenças congênitas evoluíram a óbito num hospital de Jequié e o outro numa unidade privada de Salvador. 

Infectologista pediátrica e especialista em vacinas, a médica Anne Galastri conta que, em seu consultório, são frequentes os relatos preocupados de mães, pais e responsáveis por crianças e jovens com doenças crônicas, mas acredita que esse medo da infecção é igual entre adultos e idosos que sofrem dos mesmos problemas. Para ela, com a divulgação dos dados da Coronavac, a grande discussão nos próximos dias será sobre quem, entre os portadores de comorbidades, poderá tomar a vacina. 

“Vai ser uma questão discutida caso a caso. O paciente crônico vai ter que procurar seu médico, avaliar o histórico e ver qual das vacinas vai usar, já que no Brasil deveremos ter ao menos duas. Isso vai precisar ser orientado. As sociedades médicas também devem liberar as orientações específicas para cada tipo de paciente”, explica.

Na avaliação de Galastri, não é que a faixa etária pediátrica tenha sido ignorada da política de saúde pública. O que houve foi mesmo uma necessidade de ter uma vacinação para reduzir hospitalizações e óbitos no mundo, concentrados em idades mais avançadas. Quanto mais rápido a vacina for aprovada para uso em larga escala, mais perto estará do dia em que este público terá dados e condições de ser vacinado. As pediatras recomendam que, enquanto isso, é de extrema importância manter as medidas já conhecidas de prevenção.

A orientação é a mesma para todas as pessoas. Deve-se manter o distanciamento social, a higienização das mãos e o uso correto da máscara. Crianças acima de 2 anos já podem vestir máscaras. As que têm 5 anos ou mais colaboram melhor pelo fato de todo mundo estar usando, o que as fazem se sentir integradas. Mas mesmo após a imunização em massa, estas alternativas de proteção ainda serão necessárias por um bom tempo, talvez mais um ano. 

Para as médicas, as crianças não serão deixadas para trás, uma vez que a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que toda a população mundial seja vacinada.

“Vacinando logo os grupos de risco, cai a mortalidade e o vírus deixa de ser um grande problema. Ainda assim, a gente precisa aguardar para ver como será a pandemia. E, neste caso, não é nem uma questão de resposta política. É de avaliar o que vai ser necessário.  É preciso saber se depois de vacinar vai ser preciso revacinar, por exemplo, porque sabe-se que as vacinas protegem contra a infecção, mas não sabemos se a proteção é duradoura”, explica Galastri.

Volta às aulas 

Por conta dessas perspectivas, a infectologista defende que é um equívoco condicionar o retorno às aulas à vacinação da faixa pediátrica. Os colégios públicos estão sem aulas desde março de 2020. Na sua avaliação, é preciso estruturar as escolas para ter ensino de modo seguro, com outras estratégias, como a educação híbrida. Em Salvador, a prefeitura tem trabalhado com a possibilidade de retorno escolar presencial no dia 8 de fevereiro, mas o ato depende do estágio da pandemia.

A situação será avaliada a partir dos dados do próximo dia 20 de janeiro, uma quinta-feira. Se a ocupação de leitos de UTI se mantiver em 70%, a administração municipal pretende recuperar o tempo perdido dos estudantes fazendo rodízio presencial e adotando parte das aulas no sistema online, segundo afirmou o prefeito Bruno Reis. Na capital inglesa, Londres, as aulas retornaram em setembro passado, mas o ensino foi novamente suspenso com a decretação de novo lockdown na segunda-feira (8).

Por aqui, Reis disse que depende ainda de uma negociação com o governador Rui Costa para uma volta conjunta com as escolas estaduais. O prefeito considera inadmissível que os alunos percam dois anos de escola. "Já vamos ter dificuldade para recuperar 2020 e não dá para perder 2021. Nossa ideia é fazer algo sincronizado, até porque as crianças quando saem da nossa rede vão para a estadual", discursou.

A medida de retorno presencial é impopular ao menos para a classe trabalhadora da Bahia. Uma semana atrás, o CORREIO conversou com o sindicato que representa os funcionários da educação no estado e este se posicionou contra a volta. De acordo com a entidade, uma pesquisa foi feita com 13 mil educadores de 331 municípios e mais de 97% declararam que só voltarão ao batente se forem vacinados. O setor privado, liderado por um grupo de 60 escolas baianas, tem pressionado e defendido que é possível fazer um retorno seguro.

“O caso das crianças não é como achávamos no início da pandemia, de que seriam as disseminadoras da infecção. As crianças sintomáticas transmitem, mas transmitem como todo mundo. Então, precisa ter cuidado igual. As escolas, muitas vezes, são ambientes mais controlados do que o playground, do que a praça e outros locais públicos sem regras”, argumenta Galastri.

Salvador já tem plano de vacinação pronto e deve seguir as orientações de prioridade pré-definidas pelo Ministério da Saúde, que coloca professores na frente da fila. Bruno Reis declarou que vai adquirir as doses do imunizante fabricado pelo Butantan, mas o antígeno ainda aguarda liberação de uso pela Anvisa.