Novo 'terroir' baiano: produção de vinhos está em expansão na Chapada

Enquanto isso, o Vale do São Francisco, maior polo produtor de uva do estado, continua a atrair investimentos

  • Foto do(a) author(a) Georgina Maynart
  • Georgina Maynart

Publicado em 24 de dezembro de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

No Vale do São Francisco, no Norte da Bahia, o ritmo de trabalho está ainda mais intenso nesta época do ano. Os produtores se preparam para mais uma vindima, época mais movimentada de colheita da uva. Segundo a Valexport, Associação dos Produtores e Exportadores de Hortigranjeiros e Derivados do Vale do São Francisco, a procura pelos vinhos e espumantes aumenta em torno de 15% durante as festas de fim de ano.

A região é a maior produtora de uvas de mesa da Bahia e já tem cultivos consolidados. Mas o estado está ganhando uma nova fronteira vinícola: a Chapada Diamantina. 

No município de Morro do Chapéu, na Chapada Diamantina, a 390 quilômetros da capital baiana, os produtores rurais estão começando a colher a sétima safra de uvas viníferas. São variedades de origem francesa, como a Syrah, Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Sauvignon blanc, Malbec e Merlot.

Os vinhedos começaram a ser implantados em 2010 de forma experimental, e já se espalham por nove hectares. Nos últimos anos, já foram produzidas mais de seis mil garrafas de vinho, cerca de 1.300 garrafas por ano.

O município conta com sete produtores. Agora que as plantações estão deixando de ser experimentais, a expectativa é aumentar o volume de produção.

“A nossa previsão é continuar crescendo ano a ano. Em 2019 chegaremos a vinte mil garrafas, já colhendo em novas áreas de plantio que foram instaladas nos últimos dezoito meses. Em 2020 esperamos chegar a cinquenta mil garrafas”, afirma o produtor rural Lejoilson Valois, presidente da Associação dos Criadores e Produtores da região de Morro do Chapéu.

A garrafa custa em média R$ 35, mas quem ainda não comprou vai ter que esperar a próxima safra. Todo os vinhos disponibilizados para este ano foram vendidos. “Todo o estoque acabou. A procura aumenta sempre nos feriados longos. Neste período de festas a demanda fica muito maior. Agora já não temos mais condições de atender este ano”, pontua Lejoilson.

Vinho finos a caminho Vinhos brancos e espumantes fazem parte do portfólio dos produtores da região, mas os vinhos produzidos em maior quantidade são os tintos Syrah e Malbec, mais procurados pelos consumidores.

A nova fronteira vinícola na Chapada deve ganhar mais um atrativo: a produção de vinhos finos no município de Mucugê, numa fazenda aos pés da Serra do Sincorá. A inovadora rota está sendo preparada com capricho na Fazenda Progresso, já tradicional e grande produtora de cafés especiais e batata.

Os vinhos já começaram a ser produzidos, mas por enquanto não estão disponíveis para comercialização. “Como são vinhos finos, com potencial de guarda e envelhecimento, ainda estão estagiando em Barricas. Os primeiros lotes devem ficar prontos em 2019 e 2020”, explica o produtor rural Fabiano Borré.

Os parreirais já se espalham por 32 hectares, e em três anos devem chegar a cinquenta hectares plantados. Estão sendo cultivadas uvas brancas, nas variedades Sauvignon Blanc, Chardonnay e Riesling, e uvas tintas, nas variedades Cabernet Sauvignon, Syrah, Merlot, Cabernet Franc, Pinot Noir e Petit Verdot.

“Na Chapada temos um 'terroir' (território) ideal para a produção de uvas viníferas de qualidade. Altitude acima de 1.150 metros, estações bem definidas, amplitude térmica média de 10 graus durante o ano e chegando a 20 graus no período de maturação. Além disso, temos um solo profundo e bem drenado, o que favorece bastante o crescimento radicular das vinhas e contribui decisivamente para a qualidade das uvas”, avalia Fabiano.

Os produtores rurais devem investir R$ 50 milhões no projeto até 2021, e não descartam novos investimentos em uvas de mesa. “Temos apenas uvas viníferas de momento. Mas existe um potencial muito bom para as uvas de mesa também, principalmente aquelas destinadas à produção de sucos”, conclui Borré. Parreiral em Mucugê, nova fronteira vinícola da Bahia (Crédito: Fabiano Borré)

Ciência explica Não faz muito tempo o cultivo produtivo de uvas era considerado viável apenas em regiões muito frias do hemisfério sul, como Chile, África do Sul e Austrália, ou em países de clima temperado do hemisfério norte, como França, Itália, Espanha e Portugal, tradicionais produtores.

Mas as uvas vêm se adaptando com sucesso nestas duas regiões da Bahia que possuem condições climáticas bem diferentes: O Vale do Submédio São Francisco e a Chapada Diamantina. No Vale do São Francisco, a produção de uvas e vinhos foi instalada nos municípios de Juazeiro, Casa Nova, Sobradinho e Curaçá, em pleno sertão. Nesta área da Bahia, os vinhos são produzidos a 350 metros de altitude, em temperaturas mais quentes, em clima tropical semiárido.

Já na Chapada Diamantina, a produção vem se consolidando nos municípios de Mucugê e Morro do Chapéu, áreas do chamado clima tropical de altitude. Nestes municípios, a altitude é igual ou superior a 1.000 metros acima do nível do mar, e a temperatura é amena, mais fria.

Ou seja, os produtores da região Norte produzem em baixas altitudes e temperaturas mais elevadas, enquanto na Chapada a produção acontece em condição inversa, ou seja, em elevadas altitudes e temperaturas mais baixas.

Para os especialistas, estas características geográficas, combinadas com as condições climáticas e de solo, além do manejo e de podas realizadas no momento adequado, são essenciais para o desenvolvimento da vitivinicultura nestas regiões.

“Para ser ter uma ideia, a altitude compensa a latitude. Nas regiões tradicionais, a videira segue as condições climáticas e as estações do ano, isto é obrigatório”, explica o pesquisador Giuliano Elias Pereira, da Embrapa Uva e Vinho, especialista em viticultura e enologia, que acompanha a implantação do cultivo de uva na Bahia há mais de 13 anos.

Vantagens

A vantagem da produção baiana não para por aí. Segundo o pesquisador, no Vale do São Francisco, localizado entre os paralelos 8 e 9 do Hemisfério Sul, onde não há inverno rigoroso, as datas das podas e colheita dependem da escolha do produtor e de demandas do mercado. 

Ao contrário das regiões tradicionais do Hemisfério Norte, onde a colheita deve ser feita obrigatoriamente entre agosto e outubro, ou das áreas de cultivo tradicional como o Rio Grande do Sul, onde a colheita não pode deixar de ser realizada entre dezembro e março.

No Norte da Bahia, uma planta de videira pode ser podada duas vezes e é capaz de produzir duas safras no ano, em períodos escalonados, fazendo com que seja possível colher uvas e elaborar vinhos praticamente o ano todo.

Já nos municípios da Chapada Diamantina, localizados nos paralelos 11 e 13 do Hemisfério Sul, onde há invernos mais frios, os produtores estão adotando o sistema da poda invertida, com duas podas e uma colheita por ano.

Normalmente a poda de formação é realizada em agosto, eventuais cachos são derrubados em novembro, e uma nova poda de produção acontece entre janeiro e fevereiro. Um sistema que permite colher em pleno inverno, entre os meses de junho e julho. A técnica permite fugir do período de chuvas, que coloca em risco a qualidade e a sanidade das uvas.

“O clima ameno da Chapada, com temperaturas no inverno que variam de 8 a 24 graus durante a colheita, são muito positivas. Esta condição de clima proporciona à videira condições muito particulares, em altitude, que fazem com que os vinhos obtidos tenham grande qualidade e tipicidades únicas”, acrescenta o cientista que está nos Estados Unidos realizando um pós-doutorado sobre viticultura e enologia.

E ele ainda completa: “Vejo um potencial muito grande nesta nova região do Brasil. Não tenho dúvidas de que, no futuro, teremos grandes vinhos, com preços elevados e maior valor agregado, pela qualidade, sendo vendidos nos mercados europeu e aqui nos EUA”.  Giuliano  Elias é pesquisador da Embrapa Uva e Vinho e acompanha a produção vinícola na Bahia (foto: Acervo pessoal)

Giuliano destaca, ainda, que os vinhos finos, elaborados com variedades europeias, são valorizados nos mercados nacional e internacional. Já os vinhos comuns ou de mesa, produzidos com uvas de origem americana, são mais direcionados para o mercado interno, para a produção de sucos de uva, ou ainda para o consumo in natura, no caso da uva Isabel. 

“Em relação aos vinhos finos estamos ainda engatinhando. O Brasil está tentando descobrir os verdadeiros 'terroirs', que são os vinhos produzidos sob efeitos do clima, do solo e da ação do homem. Não tenho dúvida que o 'terroir' da Chapada terá um futuro promissor pela frente. Com os investimentos em tecnologia que estão sendo feitos, teremos um dos melhores vinhos do Brasil, com repercussão nacional e internacional”, conclui o pesquisador

Miolo investe R$ 30 milhões em unidades no Norte do estado  O Vale do São Francisco é o maior produtor de uvas e vinhos da Bahia. Embora a posição esteja consolidada, ela continua sendo fortalecida com a atração de novos investimentos. 

Em Casa Nova, a Vinícola Terra Nova, instalada na Fazenda Ouro Verde, já produz 4 milhões de litros por ano. A unidade gera 180 postos de trabalho e representa 30% da receita do Grupo Miolo do Brasil, que tem sede no Vale dos Vinhedos no Rio Grande do Sul.

Como já foi publicado, aqui no CORREIO, pelo jornalista Flávio Oliveira, na coluna Negócios, o grupo Miolo anunciou que vai ampliar a unidade de produção de vinhos no Vale do São Francisco, além de implantar uma nova linha para fabricação de sucos no município de Barra. A meta é passar a produzir mais de 8 milhões de litros por ano e contratar cem novos trabalhadores. O investimento será de R$ 30 milhões.

O catálogo da marca inclui destilados, sucos de uvas, vinhos, do Merlot ao Syrah, além de espumantes Moscatel, Brut, Brut Rosé e Demi-sec.

Dados do Ibravin, Instituto Brasileiro do Vinho, revelam que as vendas do setor no Brasil cresceram 5,6% no ano passado, apesar do consumo médio por pessoa ainda ser baixo entre os brasileiros, cerca de 1,8 litros por ano. Em países europeus, como Portugal, a média de consumo por pessoa chega 54 litros por ano.

Uva de mesa

Segundo a Valexport, Associação dos Produtores e Exportadores de Hortigranjeiros e Derivados do Vale do São Francisco, Além das uvas viníferas, voltadas apenas para a produção de vinhos, a região é a maior produtora de uvas de mesa da Bahia.

As mais procuradas são as variedades sem sementes, como a Vitória, Black Sable e Chrinson. Cerca de 15% são exportadas, e o principal foco de mercado é a venda in natura. A produção é enviada para alguns estados do Sul, Sudeste e Centro Oeste, e para países como Holanda, Inglaterra, Alemanha e Argentina.

O cultivo de uvas e derivados nos municípios de Juazeiro, Casa Nova, Sobradinho e Curaçá, já conta com 200 produtores e 12 mil hectares plantados, o equivalente a 12 mil campos de futebol. Eles produzem cerca de 250 mil toneladas de uvas, e geram 48 mil empregos diretos.

De acordo com a Valexport, por causa da grande concentração de colheita, os preços das uvas estão em queda, apesar da chuva que atingiu a região nas últimas semanas e prejudicou as plantações. Os produtores ainda estão contabilizando os prejuízos.

Enoturismo agrega renda à produção do Vale do São Francisco Embarcação que faz roteiro entre a vinícolas do Norte da Bahia é uma das atrações turísticas do Vale do São Francisco (Foto: Divulgação) 

Além do trabalho no campo, a circulação de visitantes nas vinícolas da região aumenta, e muito, neste período de férias e festas. O acesso às fazendas custa cerca de R$ 15. O visitante pode conhecer os vinhedos, as unidades de produção e a adega, além de degustar várias taças de vinho branco, tinto ou espumantes. Nas lojinhas, instaladas nas fazendas, é possível encontrar opções de garrafas com preços médios de R$ 20.

O enoturismo tem se consolidado desde que as primeiras vinícolas se instalaram na região. A visita pode ser individual ou coletiva, e em geral os grupos variam de 10 a 120 turistas.

“Ao longo do ano montamos grupos de turistas apenas nos fins de semana, mas agora, neste período, temos roteiros quase todos os dias, inclusive no dia 31 de dezembro e primeiro do ano. A procura chega a aumentar em torno de 35%”, afirma Luiz Rogério Pereira, administrador do Vapor do Vinho, uma embarcação que faz a rota das vinícolas através do Lago de Sobradinho.

Em média, a empresa tem transportado cerca de 1.500 pessoas por mês, e chegou a investir R$ 5 milhões na modernização da embarcação, apostando no potencial do enoturismo no Vale do São Francisco.

“Tem gente que chega na fazenda e vai direto para a lojinha, comprar vinhos e espumantes. Esperamos ainda mais turistas entre janeiro e março”, completa o administrador do barco.

Dicas *Os especialistas recomendam que pratos que incluem massas com molhos, principalmente aqueles que levam queijos, devem ser acompanhados por vinhos brancos, como o Chardonnay, encorpado e com acidez precisa.

*Para pratos com carnes vermelhas, o recomendado é um vinho tinto, como um Pinot Noir ou Shiraz. Os pratos com carne mais rica em gordura combinam com vinhos tintos mais ácidos, como os montalcinos.

* Já se for servir pratos como cordeiros, os preferidos dos especialistas são os vinhos frutados e mais macios, como o merlot, que costuma agradar distintos paladares.

*Quem não dispensa bacalhau na ceia pode escolher um Sauvignon Blanc sem medo de errar. Ele é aromático e tem fina acidez que combina com o indispensável azeite, derramado sobre o prato principal.

*Para o peru, carne mais consumida nesta época, bom escolher vinhos mais jovens, como pinot ou malbec.

*Para a ceia de natal, composta geralmente por pratos de sabores bem diferentes, como ave, carne suína e complementos, a dica é fazer o acompanhamento com um espumante prosecco, que é mais leve e delicado.

*Já as sobremesas podem ser acompanhadas por um espumante moscatel ou até mesmo por um vinho do porto, que harmonizam com alimentos doces.