Número de casos de micose transmitida por animais dobra em Salvador

Capital registrou 46 casos da doença confirmados em humanos em 2019 contra 20 ocorrências em 2018

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  • Bruno Wendel

Publicado em 8 de janeiro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Tiago Caldas/ CORREIO

Uma micose provocada por fungos, que afeta humanos e animais, se não cuidada, pode levar à morte. A esporotricose, que se apresenta através de feridas na pele, vem avançando em Salvador, onde foram registrados 46 casos da doença confirmados em humanos em 2019 contra 20 ocorrências em 2018. Já em gatos - animais que transmitem a doença com mais frequência - foram 306 casos em 2019 contra 148 em 2018. Os dados são da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Além dos gatos, a doença, que tem cura, atinge também cães.

Em Camaçari, na região metropolitana, de 2015 até 23 de janeiro de 2019, quando o CORREIO mostrou o aumento de ocorrências, 247 casos da doença tinham sido registrados em humanos, sendo 171 somente em 2018. Agora, com o fim de 2019, o acumulado chega a 305 casos da doença em humanos - 58 a mais. A assessoria da prefeitura não informou o número de casos ano a ano (veja relatos abaixo).

Na capital, segundo os dados da SMS, em 2019, o distrito da Liberdade teve o maior número de casos confirmados: 74. Na segunda colocação, ficou o distrito de Itapuã, com 55 casos, seguido de Cabula/ Beiru (44), Centro Histórico (34) e Subúrbio Ferroviário (33).

Em relação aos casos notificados (suspeitos), o campeão é o distrito do Subúrbio Ferroviário, com 206 casos (Paripe, Plataforma e Praia Grande). Em seguida, vem o distrito de Itapuã, com 143 ocorrências (Nova Brasília de Itapuã, Stella Maris e Piatã). A terceira posição é do distrito de Cabula/ Beiru, com 137 casos (Sussuarana e Novo Horizonte). 

O veterinário Aroldo Carneiro, subcoordenador de Apoio Diagnóstico de Zoonoze do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Salvador, disse que o aumento da doença está relacionado ao maior número de gatos na capital.“É uma doença rápida de dispersão e já era esperado o aumento. Isso porque a população de gatos aumentou e é difícil manter o animal dentro de casa. Ele fica perambulando e mantém contato com outros gatos”, explica Aroldo.Foi assim, perambulando, que Branquinha - gata da técnica de segurança do trabalho Raimunda Leite, 40 - pegou a doença há nove meses, em Camaçari. O estado do bichinho, que tinha o hábito de sair de casa pela manhã e só retornar à noite, é terminal.

O especialista faz logo um alerta: o gato é tão vítima da doença quanto o humano. “Antigamente, a esporotricose era conhecida como a doença do jardineiro, por causa da facilidade de contrair a doença devido ao manuseio da terra. Os gatos costumam passar a maioria do tempo circulando em vários ambientes, mantendo contato com outros animais”, detalhou Aroldo, justificando o porquê de a doença em gatos ser mais comum.

A transmissão para humanos acontece através de arranhões e mordidas de bichos e, por isso, é comum atingir mãos de adultos e rostos de crianças. “Se não tratada, pode levar a óbito, principalmente com pessoas com a imunidade baixa, a exemplo de portadores do vírus HIV ou pessoas que fazem uso de corticoide. Os gatos têm uma característica de uma fraca resposta imunológica, por isso, são sensíveis a contraírem os fungos”, explicou Mônica Mattos dos Santos, professora da Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e coordenadora do Laboratório de Pesquisas Micológicas (Lapemic).

Ainda segundo Aroldo Carneiro, do CCZ de Salvador, a prefeitura vem adotando ações para controlar a doença e uma delas é a castração dos gatos. No ano passado, foram 8.703 castrações de cães e gatos – 6.500 só de felinos.

“Esses números só reforçam o crescimento da população de gatos em Salvador. O número de gatos castrados é três vezes maior que a população de cães. Por isso, se faz necessária a castração, pois 70% dos gatos contaminados são machos não castrados. Uma vez feito o procedimento, o felino não terá necessidade de sair para brigar por território ou por uma fêmea”, disse Aroldo. Em 12 anos, já foram castrados 81.276 animais.

'Fiz de tudo para salvá-la'

Quando encontrou um filhote de gato doente nas proximidades de casa, no bairro do Jambeiro, em Camaçari, com chagas ainda abertas no corpo, o aposentado Luís Lima Cavalcanti, 72 anos, não pensou duas vezes e cuidou do animal por conta própria em agosto do ano passado. Como as feridas não fecharam, levou o animal para um veterinário dias depois. Foi quando descobriu que o filhote estava com esporotricose. Mas aí já era tarde, ele também havia sido infectado pelo fungo.  O aposentado Luís Lima Cavalcanti mostra as marcas que ainda tem na mão (Foto: Tiago Caldas/ CORREIO) “Fiz de tudo para salvá-la, mas o veterinário disse que a doença estava muito avançada e foi preciso sacrificar. Ele mesmo fez isso na clínica”, contou o aposentado, exibindo a mão esquerda ainda vermelha das lesões.

Natália Vieira, 32, uma das fundadoras do Grupo de Apoio e Proteção ao Animal de Rua (Gapar), conta que o sobrinho dela, o estudante Pedro Henrique Alves, 17, contraiu a doença após ter sido arranhado por um gato. Quando buscou atendimento num posto de saúde, não recebeu o diagnóstico correto em novembro de 2019. “O médico disse que era uma simples micose. Quando vi, ameacei levar o caso à imprensa e foi quando a Secretaria de Saúde de Camaçari mandou meu sobrinho retornar ao posto e atestaram que era esporotricose. Aí, ele foi medicado como deveria.”

Natália lembra que o problema na cidade é antigo. “Em 2018, houve uma licitação para a castração de 12 mil gatos. Depois, reduziram para mil e até agora sequer foi feita uma castração”, declarou.

Moradora de Buri Satuba, também em Camaçari, a universitária Djane Márcia dos Santos, 30, tem ainda as marcas das chagas nas mãos. Além dela, o pai e a madrasta também tiveram a doença. A família tem o hábito de cuidar de gatos abandonados e depois entregá-los para adoção. Eles chegaram a ter 50 animais em casa, sendo que 20 deles tiveram esporotricose. Alguns acabaram morrendo.

De acordo com Mônica dos Santos, do Lapemic da Ufba, os primeiros casos da doença aconteceram no Rio e São Paulo, em 1960. De lá para cá, vem só aumentando no país. Não há explicação para essa disseminação do fungo, segundo ela. No Brasil, há uma espécie de fungo chamada Sporothrix brasiliensis que é muito mais patogênico do que o Sporothrix. “Ele tem uma virulência que os outros não têm. A gente suspeita de que houve uma mutação do fungo, deixando-o mais forte”, explicou.

Ao CORREIO, a Prefeitura de Camaçari informou que o município conta apenas com o tratamento para humanos. “O próprio Ministério da Saúde e o Estado não oferecem tratamento para o animal. Quanto à castração, de fato, ainda não aconteceu apesar de já ter contrato com uma clínica, que está adequando as condições necessárias para iniciar o trabalho. A previsão é de começar no primeiro trimestre de 2020”, informou a gestão municipal.