Número de habilitados para adoção na Bahia é 7 vezes maior que o de crianças disponíveis

Enquanto que 956 pretendentes estão na fila da adoção, 130 crianças estão disponíveis para adoção na Bahia, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça

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  • Maysa Polcri

Publicado em 14 de março de 2022 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Ana Lucia Albuquerque

Ser pai sempre foi um desejo de Pedro Paulo de Lavor, de 35 anos. Para concretizar o sonho, optou pela adoção em fevereiro do ano passado e só em outubro conseguiu ficar habilitado para adotar. Desde então, tem lidado com a ansiedade de estar na fila de espera participando de grupos de apoio e ajudando colegas que passam pelo mesmo processo. Como Pedro, existem outros 956 pretendentes na Bahia, um número sete vezes maior que o de crianças disponíveis para serem adotadas, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

Natural de Juazeiro e morador da capital há seis anos, Pedro Paulo conta que quando deu entrada no processo de adoção monoparental, sofreu constrangimentos: “Como eu sou gay, pediram até atestado de HIV, porque associaram isso à possibilidade de eu não dar conta fisicamente de adotar”. Agora em um relacionamento em que o parceiro também deseja ter um filho, ele pretende formar uma família homoafetiva no futuro. A única restrição feita por Pedro é que a criança tenha até 6 anos de idade.

Na Bahia, existem hoje 130 crianças à espera de um lar, sendo que 78% delas possuem mais de 9 anos de idade. Segundo os dados do CNJ, 58% são meninos e 72% são pardos. O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) afirma que a maior razão para a discrepância entre o número de pessoas que desejam adotar e crianças que estão habilitadas para adoção, é justamente o perfil escolhido pelos pais que costuma ser de crianças recém nascidas e do sexo feminino. Este padrão foge das características da maior parte dos meninas e meninos abrigados no estado.

Ter que escolher o perfil pode não ser uma tarefa fácil para os futuros pais e mães adotivos. No caso de Patrícia Prisco, este foi o primeiro entrave do processo de adoção e ela conta que precisou de duas semanas para preencher o formulário. “É uma questão emocional complicada. Eu achava que ao colocar no papel o perfil que eu queria, estava excluindo as outras crianças”, diz. Patrícia, que também foi adotada pelos pais, optou por uma menina recém nascida, independente da etnia. 

Depois de dois anos do processo, ela e o marido receberam a pequena Maria. “Ela chegou com dez dias de vida e nem precisou passar por um abrigo. Eu agradeço muito a Deus por ter sido dessa forma com a gente”, lembra. Pensando em como contar para a filha que ela foi adotada, Patrícia decidiu escrever uma carta, que acabou virando o livro Dumdum e O Segredo do Coração. Nele, a autora conta sua história e pretende ajudar pais que enfrentam o mesmo processo.  As mãos da pequena Maria segurando o livro que a mãe escreveu. Patrícia e o marido esperaram dois anos até conseguirem adotar (Foto: Arquivo Pessoal) A psicóloga especialista no tema Aline Santana, compara a adoção à uma engrenagem, que precisa estar funcionando de ambos os lados. Ou seja, tanto a família precisa estar consciente da escolha que está fazendo, como a criança precisa ser recebida em um lar que a faça sentir bem. “A criança merece alguém que a aceite como ela é, assim como a família deve estar preparada para conseguir aceitar e lidar”, afirma. 

Mas nem sempre a escolha de um perfil específico é o motivo para que a adoção ocorra lentamente. Pais e especialistas reclamam da falta de infraestrutura nas varas da infância, o que torna o processo mais demorado. O professor Márcio Barbosa e a esposa esperaram cinco anos para conseguirem adotar o filho, mesmo tendo escolhido um perfil considerado mais amplo. O casal deu entrada na documentação no final de 2014, optando por adotar uma criança de até 6 anos e preferencialmente negra. “A gente esperava que fosse receber nosso filho em alguns meses, mas só viemos a receber em 2020. Existem alguns fatores para essa demora. As varas da infância no país são, em geral, muito desorganizadas. É uma infraestrutura precária e poucos profissionais. Em Salvador, na nossa época, só tinham duas profissionais envolvidas com todo esse processo”, conta Márcio. Apresentação de documentos, entrevistas e um curso formativo são alguns dos requisitos obrigatórios para que os pretendentes fiquem aptos para a adoção. Além disso, o Tribunal de Justiça do estado lembra que pontos mais subjetivos também são levados em consideração. Entre eles, o estágio de convivência, idoneidade dos adotantes, reais vantagens para o adotando e motivos legítimos para a adoção.

A criança também precisa passar por um processo até que possa ficar disponível para adoção dos futuros pais. Isso porque, a justiça dá preferência para que a adoção seja feita por parentes, então enquanto exista a possibilidade algum familiar adotar, mesmo que isso não se concretize, a criança não pode ser adotada por outras pessoas. Ainda segundo o TJ-BA, o processo de adoção no estado costuma levar seis meses em média. 

No caso do filho de Márcio Barbosa, o pequeno entrou no abrigo com 2 anos e só foi adotado aos 5 anos de idade. Muitas vezes essa demora acaba tornando mais difícil que essas crianças sejam adotadas, já que a maioria dos pais desejam crianças mais novas e bebês. “Como a maior parte opta pelos menores de 3 anos, as crianças envelhecem e saem do perfil mais desejado”, explica Aline Santana. 

A juíza titular da Vara da Infância e da Juventude de Jequié, Ivana Pinto Luz, explica que quando o jovem completa 17 anos e não há perspectiva de que ele seja adotado, é iniciado um processo de desligamento e medidas são postas em prática para que ele adquira autonomia fora da instituição. Na Bahia existem hoje 41 jovens com mais de 15 anos esperando uma família.

Ivana Pinto Luz lembra ainda que existe um processo de apadrinhamento, que pode ser feito de duas maneiras: “Ele é um excelente mecanismo de promoção destes adolescentes. Temos o apadrinhamento financeiro, no qual os padrinhos podem ajudar o jovem com alguma contribuição financeira ou oferecendo pagamentos de cursos, material escolar, dentre outros. O padrinho afetivo, por sua vez, é a pessoa que servirá de referência para o adolescente”. As pessoas que têm interesse em apadrinhar crianças mais velhas e especialmente adolescentes podem se cadastrar nas Varas da Infância e Juventude.

A espera ativa pode ajudar pais que estão na fila de espera

O período em que os futuros pais se encontram na fila de espera para adoção costuma ser marcado por momentos de ansiedade e angústia. Segundo os advogados Victor Macedo e Brunna Fortuna, a legislação prevê que o tempo máximo para a conclusão da adoção, depois que os pretendentes estão habilitados, é de 120 dias. Eles explicam que esse prazo pode ser prorrogado uma única vez por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária. 

Ainda segundo eles, o período costuma ser estendido, principalmente pela idealização da família adotante de um perfil específico de criança. “As etapas do procedimento precisam ser seguidas com cautela, pela própria natureza da adoção e seus resultados. O melhor interesse da criança ou adolescente submetido àquele processo deve ser sempre prestigiado”, afirma o advogado Victor Macedo. 

A psicóloga Aline Santana atende famílias que estão no processo de adoção e indica que os futuros pais aproveitem a oportunidade para refletirem sobre a decisão e aprenderem mais sobre o processo. “O que tentamos fazer é tornar essa espera ativa, para que os pais se preparem para receber os filhos”, afirma. A psicóloga possui um perfil no Instagram, o @mundodaadocao, em que faz posts explicativos sobre o tema. 

No caso de Pedro Paulo, estar em contato com grupos de adoção tem ajudado a diminuir a ansiedade. O processo do curso formativo para pais adotivos inclusive fez com que ele diminuísse a idade da criança que vai adotar para 6 anos. “Participar do grupo de adoção é importante para tirar dúvidas sobre o nosso próprio perfil. Eu queria adotar uma criança com até 11 anos de idade, mas com o curso, o grupo e as avaliações eu fui entendendo que não”, afirma o professor. 

Já Patrícia Prisco teve trabalho para lidar com as inseguranças durante os anos que passou na fila de espera. Segundo ela, já ter 41 anos enquanto o processo se prolongava a fez questionar seu futuro papel como mãe. “Tive medo de ter muita idade para ter uma filha, além do receio daquilo não se concretizar. Foi muito complicado de lidar”, relembra a mãe da Maria.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.