Número de queimaduras com fogos de artifício cresceu 270% no último ano

Período junino é época com mais acidentes 

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  • Da Redação

Publicado em 24 de junho de 2022 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Caio Csermark

Fogos de artifício são tradição em festejos juninos de Salvador e interior. Mas também são os principais responsáveis pelo aumento das vítimas de queimaduras nessa época do ano. No ano passado, mesmo sem que os festejos tivessem ocorrido, 26 pessoas foram atendidas com queimaduras por acidentes com fogos entre 23 e 30 de junho no Hospital Geral do Estado (HGE).

O aumento é 270% maior do que no mesmo período de 2020, quando 7 pessoas tiveram queimaduras pelo mesmo motivo. Os dados foram fornecidos pelo médico Carlos Briglia, atual coordenador de cirurgia plástica do Mater Dei Salvador e que chefiou justamente a unidade de queimados do HGE por 26 anos.

A estatística de 2022 ainda não está fechada, mas de 1º de junho até a última quarta-feira (22), o HGE já registrou 27 acidentes causados por explosão de bombas e queimaduras com fogueiras. No Hospital Regional de Santo Antônio de Jesus (HRSAJ) foram 13, segundo a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab).

Em cenário de aglomeração, a entidade alerta para o acréscimo nos números de acidentes quando comparados os dois anos com festejos - 2018 e 2019 - e os dois com a pandemia - 2020 e 2021. No HGE foram registrados 90 casos de acidentes em 2018; 85 em 2019; 31 em 2020 e 45 em 2021. Já no Hospital Regional de Santo Antônio de Jesus (HRSAJ) foram 14 casos em 2018; 18 em 2019; 11 em 2020 e 10 em 2021. 

Para Carlos Briglia, a diminuição de casos será possível quando os fogos forem soltos de forma mais atenciosa. “Se vai festejar, procure fazer de forma mais consciente. Tem um local, forma adequada. Mas as pessoas normalmente depois de dois licores já esqueceram que têm que ter cuidado. Tendo a pior mistura, que é beber soltando fogos. Fatalmente [o acidente] vai acontecer”, disse ele, em entrevista para o quadro Saúde e Bem Estar do CORREIO.

Briglia ainda aponta para a atenção com as crianças, cujos cuidados perto de fogos de artifício devem ser redobrados. Sem consciência dos perigos, o público infantil tende a ter curiosidade por elementos luminosos como o fogo. Ao redor de fogueiras ou com bombas na mão, crianças e até animais que rodeiam o espaço precisam de constante monitoramento. 

Quando tinha 10 anos, a atendente de pizzaria Milena Silva, agora com 21, sofreu queimadura por negligência de familiares. “Meu tio tinha trazido fogos e deixou na minha mão e dos meus primos. A gente estava em cima de uma laje e meu tio me deu e falou ‘acende aí’. Não instruiu. [A chama] queimou parte da minha mão, ficou completamente roxa e com cicatriz nos meus dedos. Para piorar, era daqueles [fogos] caseiros”, conta, lembrando que não tinha “noção do perigo” à época. 

De cicatrizes a amputação

A cirurgiã plástica Thais Fagundes explica que o risco das queimaduras varia de acordo com o tipo de artefato utilizado. Enquanto a “chuvinha” tem potencial de queimadura com baixo grau de profundidade devido à quantidade de fogo que libera, os explosivos apresentam maior risco de danos. “Pode envolver queimaduras profundas, podendo chegar à amputação de dedo, mão, braço. No HGE, a gente já atendeu casos assim no São João”, adverte a médica, exemplificando as consequências presenciadas ao longo dos 6 anos de trabalho no setor de queimados da unidade de saúde.

Conforme dados fornecidos por Briglia, 38 pessoas foram atendidas no HGE por explosão de bombas em 2019. O número caiu para 21, em 2020, e 10, em 2021. A queda foi de 44% e 52%, respectivamente. Apesar da diminuição, entidades do setor de saúde ressaltam que a baixa tem relação com fatores da pandemia, como preocupação com aglomeração. 

O estudante de 23 anos, Rafael Rodas, sofreu amputação do polegar e indicador direito por conta da explosão da ‘bomba faraônica’. “Ela falhou no primeiro momento, apagou. Mas acendeu novamente e eu não percebi. Fui ao HGE. Onde fui submetido a procedimento cirúrgico. Administraram analgésicos e antibióticos. Fiz 10 sessões de fisioterapia. E, por sorte, tenho 100% do movimento das mãos. Não tenho incapacidade para nada. Nem mesmo desconto em manicure”, brinca.

Especialistas ainda alertam para o uso de fogos com manejo correto. A exemplo dos “canhões adrianinos”, indicados para soltura sem uso direto das mãos. 

Guerra de Espadas

A Associação Cultural dos Espadeiros de Senhor do Bonfim (Acesb), no norte do estado, acionou a Justiça ontem para impedir que espadeiros sejam presos em flagrante durante o show que acontece na noite de São João. Proibida desde 2017 conforme veto do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), a guerra de espadas em Senhor do Bonfim acontece tradicionalmente nas ruas Costa Pinto, Júlio Silva e Barão de Cotegipe. 

“Um habeas corpus foi concedido na quarta-feira (22), no entanto, o Ministério Público derrubou a decisão ontem, quando a Acesb entrou com novo pedido para a liberação do evento, ainda que a decisão não isente as penalidades para infrações a patrimônios públicos ou privados, diz o coordenador-geral da instituição”, Rodrigo Wanderley.

Carlos Briglia, porém, observa que a maioria dos casos de queimaduras por fogos em adultos ocorre por uso de espadas e rojões. O especialista associa os objetos à concentração de queimaduras graves no interior do estado, justamente onde ocorrem as tradicionais guerras de espada.

Já o coordenador-geral da Associação Cultural dos Espadeiros de Senhor do Bonfim (Acesb), Rodrigo Wanderley, garante que é possível fazer a guerra de espadas com segurança. Para isso, é preciso planejar a “brincadeira” escolhendo data, horário e local com menos movimentação e mais restrito aos participantes do show. O ideal é que espadeiros vistam equipamentos de segurança, como capacete, óculos e máscara. 

“[Em Senhor do Bonfim] não tem acidentes graves como Cruz das Almas. Bonfim tem horário para acabar, é um dia só. Cruz das almas é todos os dias”, diferencia Wanderley, que reclama da criminalização, que desordenou o cenário de guerra de espadas.

“Quando criminaliza, a prática continua. Mas as pessoas não usam equipamento de proteção porque serão identificados pela polícia. Nos últimos anos, o único caso grave que teve na guerra de espada foi uma jovem que perdeu o olho. Foi espada? Não. Foi bala de borracha da polícia”, afirma. 

Espadeira há mais de 15 anos, a empresária Fernanda Souza, 27, diz que os acidentes acontecem, sobretudo, por mau procedência das espadas ou com espectadores que se machucam por medo. Filha de um dos “pais” da guerra de espadas em Periperi, no subúrbio ferroviário de Salvador, ela cresceu com a mãe e o pai enraizados na tradição.

“Foi meu pai quem trouxe a guerra de espadas para Periperi. Era muito organizado. Muitas equipes só soltavam na rua principal e a polícia era mais branda em relação à queima dos fogos”, recorda.  

“Brincadeira de fogos não é de criança e adolescente. As pessoas precisam ter senso e não trazer seus filhos. A mulher grávida não deve estar no meio, não deixar os adolescentes em local que possam se queimar. Qualquer brincadeira deve ser feita por pessoa mais consciente e sóbria. Não deixa de ser perigoso, tem que ter essa preocupação.”, alerta Fernanda.  

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), Polícia Civil (PC), Polícia Militar (PM) e Corpo de Bombeiros solicitando números de chamados por acidentes com queimaduras e/ou guerra de espadas, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.

Junho Laranja

Atenção à saúde - Para alertar sobre os riscos e orientar os cuidados com queimaduras é que existe a campanha Junho Laranja, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, que mobiliza informações sobre prevenção de acidentes. Segundo a entidade, um milhão de pessoas são vítimas de queimaduras no Brasil, sendo 40,7% dos casos entre os homens. A médica Thais Fagundes defende que a divulgação das formas de prevenção serve para recordar e/ou ensinar as informações úteis para uma pessoa lidar com casos de queimadura no São João ou em ambiente doméstico. Veja a seguir:

EM CASO DE QUEIMADURA: 1º - Distancie a vítima de objetos e zonas em chamas 2º - Lave a área queimada do corpo em água corrente 3º - Cubra a área com pano limpo e úmido 4º - Busque a emergência para atendimento médico. O Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do HGE, o HRSAJ e o Hospital do Oeste (HO) ganharam reforço nos plantões juninos.  

O QUE NÃO FAZER: 1 - Achar que é superficial e não buscar ajuda médica 2 - Utilizar medicações sem prescrição médica 3 - Usar borra de café, açúcar ou cobrir com folha de bananeira, instrumentos ou alimentos em cima da queimadura que não tenham comprovação científica 4 - Comprar fogos clandestinos 

*Com a orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo