O Atlântico da adolescência

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  • Kátia Borges

Publicado em 21 de fevereiro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Na semana passada, minha amiga fez uma chamada de vídeo de Berlim e fomos conversando enquanto ela caminhava do metrô até o seu apartamento. Ela queria me mostrar a neve nas ruas da vizinhança e, por alguns minutos, passeamos lado a lado na distância, como se não houvesse entre nós o Atlântico da adolescência.

Passei alguns dias me nutrindo dessa lembrança. O seu riso querido, há tantos quilômetros de distância, em meio ao confinamento, e as paisagens geladas do Inverno alemão, que me alcançaram de repente no escaldante inferno brasileiro. Tantas vezes, em dias quentes de Verão, fugimos juntas para o litoral, pegando carona na BR.

Ainda guardo comigo aquelas adolescentes quase hippies, numa alegria e liberdade que poucos conhecem — é incrível como tudo hoje parece longe, a despeito da proximidade via satélite. Conversamos com tristeza sobre o nosso país, que um dia já foi como nós, livre e alegre, e ela contou que a vacinação está cada vez mais próxima.

Pensei naquela frase triste de Franz Kafka sobre a esperança, mas não lhe disse. Enquanto aguardamos que o presente pesadelo passe, vivendo em estações climáticas opostas, sobrevivendo em um mesmo mundo doente, saúde mesmo é rever seu rosto, envolto por um gorro com abas, a gola do casaco levantada até o pescoço. E a neve.

E então, por seus olhos, eu me distraio um pouco do Brasil que morre, observando os tetos coloridos dos carros e os gramados de Berlim cobertos de gelo. Há muito não neva assim na Europa, ela me disse, enquanto caminhava sem pressa, após um dia de trabalho, numa ruazinha que margeia um campo de futebol já totalmente branco.

Nos veremos muito em breve, levarei uns livros que você gosta, um bom vinho comprado em Portugal. Esperarei por você no aeroporto Dois de Julho, comeremos mariscos no litoral, passearemos como turistas pela cidade velha. Talvez você me leve para conhecer o Portão de Brademburgo. Talvez eu te leve ao Praia Blue, no Buracão.

Isso que dizem do futuro ser um imenso plástico-bolha que o Destino estoura envelopa coisas preciosas — na caixa onde está escrito: cuidado, frágil. A esperança, doce amiga, sempre foi o invólucro de nossas vidas, a embalagem que protege as mais delicadas peças, as mais intricadas peças, deste jogo. Nada mudou, nada muda.