O Brasil ama futebol, mas o futebol detesta o Brasil

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 6 de março de 2021 às 10:05

- Atualizado há 10 meses

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Na semana passada (ou há duas, sei lá) a tevê daqui de casa, estranhamente, esteve ligada durante a final de um campeonato de futebol. Foi meu filho que quis assistir, também estranhamente, porque ele, graças a deus, quase nem gosta mais desse esporte. Não sei se era “brasileirão”, “copa do brasil” ou algum outro evento. Foi aquele que o Flamengo ganhou o que também pouco me importa. (Inclusive, já indenizaram as famílias dos meninos que morreram queimados no tal ninho do urubu?) A minha atenção só se dirigiu à tela, na entrega dos troféus.

Por infinitos motivos, eu não suporto futebol. Mas isso é pessoal. Até já fingi gostar pra fazer sucesso com namorados, quando eu achava que isso valia pontinhos de mulher bacana e tal. Isso, quando eu ainda queria ganhar pontinhos, num passado longínquo. Depois, cansei de ter homem berrando no meu ouvido por causa de time e de acompanhar os enredos de tantos babacas empurrados como ídolos de crianças e adolescentes. Dei fim nas camisas que ganhei ao longo da vida e assumi que detesto essa zorra. Cabô. É o que temos.

Porém, nunca fiz campanha contra, quando meu filho se interessou pelo tema. Até comprei uniformes completos, quando ele pediu. Levei a estádios, inclusive. Ou seja, fiz a minha parte que é “deixar livre”. Felizmente, o interesse foi ficando cada vez menor e talvez, sim, eu tenha explicado a ele o que é o futebol profissional no Brasil. Não dentro de campo que sequer entendo. Mas fora dele, que é o que importa na formação de uma pessoa. Pra mim, pelo menos. Sobraram meu carinho por Maradona, Sócrates e agora só me lembro desses mesmo. 

Nada me parece ser mais imbecil do que a rivalidade entre torcidas, pessoas que se matam por causa de quem sabe chutar uma bola pra bater em uma rede mais vezes. Nenhum escárnio me parece maior do que o acolhimento dos clubes e estímulo à exaltação de homens de comportamentos criminosos, como acontece tantas vezes. Normalmente, crimes contra mulheres. Portanto, sim, fico muito aliviada por meu filho, no máximo, achar bacaninha quando o time pelo qual a família do pai torce, ganha alguma coisa. Foi o caso desse campeonato e tava tudo na normalidade (“teve gol, vamo ver de quem”) até a hora da entrega dos troféus. 

Não disseram que seguiriam “todos os protocolos de segurança?”. Então, que diabo foi aquilo? À beira do colapso hospitalar, durante a subida vertiginosa de casos de covid-19 no Brasil, quase desligo a tevê com medo dos perdigotos contaminados de dezenas de homens sem máscaras, se agarrando. Distanciamento mandou lembranças e mais ainda quando o campo foi invadido por outras tantas dezenas de equipes de imprensa e sei lá mais de que profissionais. Raras máscaras, festa grande. Tipo micareta, paredão. Transmissão ao vivo para todo o país. Longe das câmeras oficiais (mas flagradas por celulares), IMENSAS aglomerações. "Só alegria". Pode isso, Arnaldo? A regra não é clara, não?

Aí, a pessoa é obrigada a ser cricri e fazer palestrinha pro filho, mais uma vez. Responsabilidade social, respeito à coletividade, protocolos sanitários durante uma pandemia e outros conceitos que escapam ao "maravilhoso" mundo do futebol masculino brasileiro, foram discutidos por aqui. Tanto que, infelizmente, até o gostinho da vitória do time "dele" ficou meio sem graça e fomos dormir lamentando tamanha irresponsabilidade. Aquelas pessoas estimulam a tragédia e a morte. Triste, mas é a vida.

Agora, é o seguinte: já estamos no meio do caos. Hospitais lotados. Preparamos containers para o armazenameto de corpos das vítimas de covid que já batem nos dois mil, diariamente. E a CBF faz o que? Campanha pela saúde dos brasileiros? Distribuição de máscaras apropriadas? Mobilização de torcidas para o comportamento adequado diante da pandemia? Sensibilização de torcedores para o momento trágico que vivemos? Ajuda na pressão pela vacina? Não, amor. Longe disso.

A CBF anuncia, animadíssima, o início de mais um campeonato, quando 80 equipes se enfrentarão, em várias cidades do país, durante 10 dias. Ou seja, segue olhando para o próprio umbigo, ignorando a tragédia coletiva, alheia às dores de quem sempre lotou seus estádios e recheou suas contas de dinheiro. Com isso diz “que se dane você”, na prática, da forma mais literal possível. Aí, a minha conclusão é uma só. O Brasil ama futebol, mas o futebol detesta o Brasil. Com isso, finalmente (espero!), você descobriu que essa relação só tem uma via. Portanto, caro torcedor, tome vergonha, pare de pagar pau pra quem não lhe considera e vá cuidar da sua vida. 

(Você viu o que o técnico do América-MG, Lisca, disse? Foi assim: “É quase inacreditável que saiu uma tabela da Copa do Brasil hoje (...) 80 clubes que nós vamos levar com delegação de 30 pessoas para um lado e para outro do país. O nosso país parou, gente! Não tem lugar nos hospitais, eu estou perdendo amigos, estou perdendo amigos treinadores, não é hora mais, é hora de segurar a vida”. Uma voz sensata, pelo menos. Resta saber se, nesse mundo cão, será ouvida.)

(“Mas o futebol presta serviço porque mantém as pessoas em casa”. Mentira! Se eu bem me lembro, campeonato não se assiste em casa, bebendo leite abraçado com esposa e filhos. O que bofe gosta é de avisar “vou ali ver o jogo” e se juntar pra beber, gritar palavrão e se agarrar com os amigos. No mínimo. Também lotam ruas, as aglomerações são comuns e imensas. Pode procurar que há muitos vídeos e fotos, atuais, disso.)

(E outra: durante todos os campeonatos, há grandes festas de torcidas convocadas pelos próprios times, muitas vezes com participação de jogadores. Não sabia não? Dê uma pesquisada no perfil @brasilfedecovid que vem prestando um bom serviço.)