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Waldeck Ornelas
Publicado em 3 de setembro de 2019 às 10:11
- Atualizado há 2 anos
As queimadas deste ano, por sua repercussão, mais no exterior do que aqui, terminaram por trazer a Amazônia para a primeira cena dos debates. Tal como os trending topics das redes sociais, o tema tornou-se a bola da vez, com todos os desdobramentos que o fato ainda provoca. Que não seja um interesse efêmero, mas que finalmente nos desperte, como sociedade, para a Amazônia, esse nosso tesouro abandonado.>
O desleixo, a indiferença, o desinteresse que sempre devotamos àquela área, relativamente pouco povoada, de aparência hostil e indomável, mas sobretudo desconhecida, é algo que instiga aos de fora e, paradoxalmente, não atrai a nossa própria sociedade. De resto, a Amazônia contém a maior reserva de água doce do mundo: a colossal bacia do rio Amazonas! E isto também tem grande importância estratégica.>
Em que pese a releitura positiva proposta por Eduardo Gianetti para o “complexo de vira-lata” diagnosticado por Nelson Rodrigues, fato é que nós brasileiros subestimamos tudo o que temos de importante, relevante, valioso, diferente, singular, e nesse bolo lá se vai a Amazônia...>
Dedicamo-nos muito, aliás, ao trabalho de desconstruir os nossos heróis, nossos símbolos, nossos valores, nossa Cultura e até mesmo a nossa História! Enquanto isto, o mundo nos olha com atenção, com inveja, com interesse, não apenas porque temos a Amazônia, mas porque somos o povo e o país que somos. Precisamos de uma vez por todas superar o complexo de vira-lata, para nos dedicarmos a construir a autoestima nacional. A Amazônia torna-se, então, um ícone diferenciado.>
Decididamente, não se trata de uma região. A Amazônia é antes de tudo o bioma, com enorme importância e potencial que, como tal, o Brasil tem efetivamente negligenciado, não se beneficiando de sua imensa riqueza. Vendo-a apenas como uma das regiões do país, damo-nos ao luxo de tratar com indiferença a vasta extensão territorial coberta pela imponente e majestosa floresta tropical onde, com frequência, só se dá atenção à Zona Franca de Manaus, mal que acomete os próprios amazônidas.>
Como região, a Amazônia Legal não mereceu mais do que uma superintendência regional (SUDAM) e um banco de desenvolvimentos (BASA), à imagem e semelhança do modelo originalmente criado para o Nordeste. Este arcabouço institucional nunca se mostrou capaz de gestar uma política de desenvolvimento que refletisse as suas especificidades. A ótica sempre foi a da integração com o Centro-Sul, nunca o olhar voltado para a Amazônia em si.>
Não se trata tão somente de termos – como querem alguns – uma política de conservação (há inclusive os que preferem pura e simples preservação) da floresta; nem tampouco de apenas cuidar dos nossos poucos índios. Não é a isto que deve se resumir a agenda brasileira para a Amazônia. É preciso promovermos o aproveitamento da rica biodiversidade e a exploração dos recursos minerais. Defesa e segurança também demandam atenção especial. Por fim, mas não por último, uma política de desenvolvimento regional capaz de promover o desenvolvimento socioeconômico e físico-territorial da Amazônia Legal. Fique claro que a Amazônia precisa ser um objetivo nacional.>
Em relação à biodiversidade, até temos tido algumas poucas iniciativas, inclusive empresariais, na área dos cosméticos, mas quase nada na de fármacos. Daí vem a desconfiança com a presença das ONGs estrangeiras que, em nome de causas bem-intencionadas, estariam na verdade prospectando riquezas. E como andam distantes as nossas Universidades...>
O Brasil – nossa sociedade – precisa encontrar-se e encantar-se com a Amazônia, o verdadeiro Eldorado da lenda que povoa o nosso imaginário desde a Colonização, para tornar realidade o seu imenso potencial ecológico e econômico, em favor do desenvolvimento nacional e, de quebra, para o bem da humanidade.>
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional e ex-secretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia da Bahia.>
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores>