O coronel que perdeu nome de rua para Paulo Gustavo e guerra na Bahia

Conheça a história do comandante Moreira César, que morreu durante avanço contra sertanejos de Canudos

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  • Da Redação

Publicado em 27 de junho de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

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Rua em Niterói, que tinha nome de coronel, passou a se chamar Ator Paulo Gustavo (Foto: Divulgação/Prefeitura de Niterói) Que Paulo Gustavo foi um ser humano muito melhor que Moreira César, ponto pacífico, não há o que discutir. Mesmo com o desconto do período histórico, no peso de cada trajetória, sobram virtudes para o ator na proporção que faltam bons atributos ao coronel. 

Ainda assim, com veemência, o escritor e biógrafo Oleone Coelho Fontes protesta. “Substituir o nome de Moreira César é apagar uma parte importante da nossa história”, nos disse, irritado. 

No dia 20 de maio, a Prefeitura de Niterói trocou a plaquinha azul na esquina da Presidente Backer e a rua passou a se chamar “Ator Paulo Gustavo”, em homenagem ao humorista, morto por complicações da covid-19, aos 42 anos, filho ilustre da cidade. “Deveriam homenagear o ator com o nome de um teatro, um espaço que estivesse à altura do seu talento. Quem propôs essa mudança, com certeza, não sabe a importância que Moreira César teve no início da República brasileira”, prossegue, furibundo, Coelho Fontes, autor da mais famosa biografia sobre o chefe da infantaria: ‘Treme Terra: Moreira César, a República e Canudos’, publicada em 1996. Nascido em Pindamonhangaba, interior de São Paulo, em 1850, Antônio Moreira César passou por episódios marcantes de sua vida – e, imprudente, morte – na Bahia.  Até chegar a ela, muito antes, ganhou fama no Exército numa escalada meteórica. Aos 31 anos já era capitão, tendo participado do assassinato do polêmico jornalista Apulcro de Castro, na capital federal, então o Rio de Janeiro. 

Já tenente-coronel, em 1891, se envolve de maneira decisiva na derrubada de José Gonçalves da Silva, primeiro governador constitucional da Bahia. 

Gonçalves havia apoiado a vitoriosa manobra de Marechal Deodoro da Fonseca de fechar o Congresso brasileiro. Sem lastro para manter o controle e pressionado pelas forças econômicas, o primeiro presidente brasileiro é obrigado a renunciar e dá lugar a Floriano Peixoto, também militar graduado. 

Uma junta, então, se organiza para retirar Gonçalves, tido como golpista, do poder. Ele resiste e o grupo invade o Senado da Bahia, na Praça da Piedade, e depreda o edifício. Moreira César comanda as tropas para conter os ânimos, pacificar as disputas e forçar a saída do então governador. Como prêmio, torna-se chefe de polícia e secretário da segurança pública do estado. Rua Coronel Moreira César, antes de mudar de nome (Foto: Divulgação/Prefeitura de Niterói) Morte em Canudos Quando retornou à Bahia, seis anos depois, Moreira César já tinha a patente de coronel e era uma sumidade nas forças armadas e entre as autoridades políticas do país. “Ele estava cotado para ser presidente do Brasil. Prudente de Morais havia prometido que, se sufocasse o Arraial de Canudos, seria seu candidato à sucessão”, diz Oleone Coelho. De fato, em sua trajetória ascendente, depois de ser secretário por aqui, passou a resolver todo tipo de conflito no país naquele começo de República. Sufocou um motim em Niterói; acabou com uma revolta armada da Marinha no Rio e, o que lhe conferiu mais fama e prestígio, arrebentou a Revolta Federalista, em Santa Catarina, em 1895. 

O currículo excepcional, portanto, fez com que fosse o primeiro nome a ser lembrado quando as tropas federais foram solicitadas a entrar no conflito para resolver o problema no Arraial de Canudos. Antes, em 1896 e 1897, duas campanhas estaduais haviam sido flagrantemente derrotadas pelos seguidores de Antônio Conselheiro. 

O Exército brasileiro marchou com enorme superioridade tática, com um efetivo de 1.300 homens e seis canhões Krupp. Moreira César tinha, então, 46 anos. “Ele foi com toda empáfia e arrogância achando que iria massacrar o Arraial de Canudos. Ele teria dito que iria ocupar a área sem disparar nenhum tiro, apenas na imposição do Exército. Achava que seria um massacre diante daqueles sertanejos miseráveis”, diz o também escritor José Bezerra Lima Irmão, estudioso do tema. Consta que, ao desembarcar na cidade de Monte Santo, Moreira César teve uma grave crise epiléptica que mudaria toda sua estratégia de guerra. Em vez de seguir os ataques por etapas, conforme traçado, precipitou o ataque ao Arraial e seguiu na frente comandando a infantaria.  

Foi atingido por um balaço disparado por um dos algozes que jurava “miseráveis”. Ferido de guerra, resistiu por 12 horas até tombar definitivamente. Não foi o único. Sua expedição foi mais uma humilhada e derrotada pelos corajosos sertanejos. 

“A gente não conta nossa história direito e, por isso, as pessoas conhecem muito pouco os fatos decisivos do nosso país. Se o pouco que a gente tem for apagado, vamos nos tornar um povo sem memória, completamente vazios”, diz Coelho Fontes. 

A discussão do apagamento da história é pertinente. Uma outra interpretação, no entanto, desponta. Enquanto Moreira César representa um país oficialesco, das Forças Armadas e do poder constituído, Paulo Gustavo e os sertanejos se movimentam na contramão, entre a resistência da arte e o brio dos desvalidos. Venceram estes, mais uma vez.