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Thais Borges
Publicado em 26 de fevereiro de 2020 às 19:09
- Atualizado há 2 anos
Quem esteve ou viu imagens dos circuitos Campo Grande (Osmar) e Barra-Ondina (Dodô) durante os dias oficiais do Carnaval notou a diferença: um bem mais cheio que o outro. Em alguns momentos, chegava a ser desproporcional o quanto o Centro estava esvaziado e a Barra, por sua vez, apertada, praticamente atingindo seu limite. >
Enquanto a Barra-Ondina recebeu 6,9 milhões de pessoas de quinta-feira (20) a terça-feira (25), o público do Campo Grande mal chegou à metade disso, com 3,4 milhões pessoas, de acordo com a Polícia Militar. Mas se a prefeitura e o governo do estado têm investido em trios sem corda no Campo Grande, o que falta? >
Para o prefeito ACM Neto, não há dúvidas: não há como fortalecer o Centro ou salvar a Barra de um colapso somente com a iniciativa pública. “O poder público não pode fazer tudo sozinho e, se não houver vontade e consciência de outros atores (envolvidos na folia), isso não vai mudar. Aí, os artistas têm um papel imprescindível nessa história. A prefeitura, assim como o governo, pode vir e patrocinar, mas o artista tem que querer vir junto”, pontuou Neto, em entrevista coletiva de avaliação do Carnaval 2020, no camarote oficial, no Campo Grande, nesta quarta-feira (26). O domingo de Carnaval no Campo Grande, por exemplo, foi considerado o dia mais fraco de público, na avaliação da prefeitura. “Não ficamos satisfeitos com o resultado, mas eu, Isaac Edington (presidente da Saltur) e Claudio Tinoco (secretário municipal de Cultura e Turismo) nos envolvemos pessoalmente na composição da agenda do domingo e não conseguimos”, revelou Neto. >
Foi o contrário da terça-feira, que contou com desfiles de Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Psirico e La Fúria. “Isso não tem a ver com dinheiro, porque nós propusemos o pagamento de cachês, mas não conseguimos compor uma agenda mais robusta no domingo. Ivete quis tocar no Campo Grande, mas existem outros que não querem, outros artistas que não têm agenda. Mas eu não posso obrigar que blocos de trio e camarotes venham para cá. É preciso todos que todos sentem e decidam”, definiu. >
O que não pode, para o prefeito, é haver um “colapso” da Barra-Ondina. “Andei todos os dias no circuito e foi evidente que sábado, domingo e segunda foram dias hiperlotados e que não cabia mais nenhuma pessoa lá”, ponderou. >
De saída O processo de migração de blocos e artistas em direção à Barra era perceptível desde 2013. Em 2014, segundo ACM Neto, primeiro ano em que sua gestão participou com mais antecedência do planejamento da festa, houve tentativas de mudança no Centro. Foi o caso do redesenho do circuito, com a exclusão da Rua Carlos Gomes do percurso oficial. A pedido de algumas agremiações, a via se tornou facultativa naquele ano. >
A mudança, porém, não vingou. No ano seguinte, houve retorno. “Os blocos foram, os artistas foram e o folião foi (para a Barra)”, disse. Só que, desde então, a administração pública – seja municipal, seja estadual – vem investindo em trios pipoca com grandes atrações para chamar os foliões de volta. Nem sempre, porém, o convite é aceito pelos artistas. Nesse caso, como reforçou o prefeito, não é possível fazer muito. Não dá para obrigar que ninguém se apresente no circuito. >
Ao longo dos anos, vieram outras iniciativas, como o próprio Furdunço da sexta-feira de Carnaval, e a implantação de espaços alternativos, como os palcos multicultural, do samba e o das origens, criado este ano. "Por outro lado, o circuito precisa ter uma articulação melhor para ter uma cadência, uma harmonia, para que seja mais agradável para o folião. Independente de seguir, o folião deve se sentir atraído para permanecer no circuito", opinou o secretário Claudio Tinoco. No passado, já houve camarotes privados em pelo menos outros dois pontos do Centro - no Forte de São Pedro e na Praça Castro Alves. O retorno desses espaços, segundo o secretário, poderia atrair o público que é mais contemplativo. >
O principal, porém, ainda é atrair os artistas. "Sem dúvida nenhuma, existe uma resistência (com o Campo Grande), muito mais pela viabilidade econômica. Ninguém vai colocar camarote privado para que não haja público para comprar", disse Tinoco.>
O Centro, com destaque para a Avenida Sete, está passando por obras de requalificação. "O problema não é recurso, porque a gente mobiliza para buscar. Nesse sentido, a gente precisa valorizar a Avenida como um todo. Quando a prefeitura faz a requalificação não só do espaço urbano, mas com novos equipamentos, é para incentivar a ida do baiano a esse espaço", analisou ele, que defende o debate com todos os responsáveis pela festa.>
Estruturas Na Barra, uma das iniciativas que pode ser feita é a redução das estruturas no circuito. Isso inclui desde aquelas que são colocadas pela própria prefeitura até as do governo do estado, de outras entidades públicas e da iniciativa privada. >
Além disso, há iniciativas como o próprio fortalecimento do Carnaval dos bairros como forma de não concentrar a folia em um único ponto. Em 2020, os 10 bairros que receberam atrações reuniram mais de um milhão de pessoas ao longo de todos os dias de festa. “Ontem (terça-feira), vi um módulo da vigilância sanitária virado para o circuito. Para quê? É possível botar atrás todas essas estruturas. Outro ponto que pode contribuir é a presença de serviços importantes, mas que tomam espaço, como módulos de vendas de alimentação em Ondina. Tem que pegar o mapa do circuito e ver o que cabe e o que não cabe”, avaliou o prefeito ACM Neto. De acordo com o prefeito, o planejamento para o Carnaval de 2021 já começou. A festa começará mais cedo – o Fuzuê, que dá início ao pré-Carnaval, acontecerá dia 6 de fevereiro. Este ano, foi no dia 15. >
“Quando cheguei, em 2013, tive pouquíssimos dias para organizar a festa. Era tudo no improviso, sem o profissionalismo de 10 mil pessoas envolvidas. Ano que vem, não serei mais o prefeito e, se meus planos funcionarem, não estarei nem aqui no Carnaval, mas a gente tem o dever de deixar tudo preparado. Qualquer que seja o prefeito, vamos ter um trabalho de transição em conjunto”, garantiu. >
De 2013 para cá, a principal mudança, na visão de ACM Neto, foi o reencontro das pessoas com a rua. Se, antes, havia uma discussão sobre a desigualdade social envolvendo blocos com cordas e camarote, os trios para a pipoca tornaram essa convivência mais harmônica. Ainda que tenha sido uma mudança rápida, o prefeito acredito que foi definitiva. >
“Essa mudança é resultado de uma aposta que fizemos para dar vida longa ao Carnaval. Era fundamental devolver a rua ao folião. Era fundamental assegurar o espaço para as pessoas que fazem a festa”, completou. >
Artista que desbravou a Barra, Daniela Mercury acredita que é o momento de criar ligação emocional com o Centro>
Quando Daniela Mercury decidiu desbravar a Barra, no final da década de 1990, o cenário no Campo Grande era parecido com a situação atual do circuito Dodô. “Eu cheguei a fazer 11 horas de desfile no Centro engarrafado. Eu fui para o circuito da Barra porque a Avenida era impraticável”, lembrou, em entrevista ao CORREIO, nesta quarta-feira (26). >
Para ela, algumas situações são naturais. Fazem parte do ciclo e da própria lógica de renovação das cidades. E isso inclui trazer novos blocos, camarotes e artistas para o percurso mais tradicional da folia. “Eu sei que governo e prefeitura não podem impedir iniciativas, nem direcionar a totalidade das iniciativas privadas. Fica aí também um chamado para a população como um todo”, reforçou. Para a Rainha do Axé, é preciso resgatar a história da cidade – e isso inclui o próprio Centro, além da Praça Castro Alves. Uma possibilidade de envolver a sociedade, além da própria classe artística, é de recontar a história desses locais, sensibilizando novas gerações e jovens artistas. Os grandes artistas, enfatiza, não deixam de ter responsabilidade, já que renovam seu público a cada ano. >
“Mas também há a necessidade de sensibilizar a cidade e a população, fazendo coisas direcionadas ao sentido emocional do Centro. Tanto prefeitura e governo quanto a sociedade podem fazer eventos culturais durante o ano falando da importância de movimentos como a Caetanave, a Tropicália, o trio elétrico”, enumerou. >
É o momento também de se abrir a novos agentes culturais – blocos, artistas e outras agremiações de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro que porventura queiram vir para Salvador. >
“Eu acho que vai acontecer naturalmente, até pelo limite que existe na Barra. Chega uma hora que não tem jeito, o fluxo acaba voltando”, avaliou. >
Foi Daniela também a primeira a fazer um camarote na Barra. “Todas as cidades passam por processos e isso tem a ver com a própria urbanização. O Centro ficou desvalorizado durante alguns anos. Tem que voltar a ser pujante, econômico, residencial, e quem sabe a gente consiga fazer isso como estratégia o ano inteiro”.>
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