O dia em que o Bonfim chegou pelo mar, 275 anos após ter aportado em Salvador

Imagem peregrina do santo foi trasladada nesta quarta-feira (15)

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  • Thais Borges

Publicado em 15 de janeiro de 2020 às 17:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Foi pelo mar que o Senhor do Bonfim primeiro aportou em Salvador. Era 1745 e, vinda de Portugal, a imagem original do santo provavelmente não teria mesmo chegado aqui de outra forma. Fora trazida por um capitão de mar e guerra português chamado Theodósio Rodrigues de Faria. Morador da cidade baiana, queria agradecer por ter sobrevivido a uma tempestade no mar. Devoto do Jesus Crucificado, prometeu construir uma igreja dedicada a ele por aqui. 

Pois, 275 anos depois, o Senhor do Bonfim chegou novamente pelo mar. Nesta quarta-feira (15), véspera da Lavagem do Bonfim, a imagem peregrina do santo – uma cópia da imagem original, que não sai da Basílica – foi levada, em um barco, da Ponta de Humaitá até o Comando do 2º Distrito Naval, no Comércio. 

Depois de uma procissão terrestre da Igreja do Bonfim ao Humaitá com cerca de 200 pessoas, a imagem peregrina foi embarcada no catamarã homônimo para o traslado marítimo. Acompanhada por três escunas de fiéis e uma lancha de voluntários, a imagem peregrina do Senhor do Bonfim foi levada ao Comércio. Lá, foi levada a um local reservado, nas proximidades da Avenida Contorno, para ser colocada no carro alegórico nesta quinta-feira (16). 

Desde que aquela que talvez seja a mais devoção católica de Salvador foi fundada, foi apenas a segunda vez em que a imagem do Bonfim fez um traslado marítimo. A outra vez foi há quase 100 anos: em 1923, para comemorar o centenário de Independência da Bahia, a pedido do então governador J.J. Seabra.

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A diferença era justamente o santo – em 1923, quem fez o percurso foi a imagem oficial. Dessa vez, foi a imagem peregrina; a mesma que será levada pelos fiéis da Igreja da Conceição da Praia até a Basílica do Bonfim, durante a lavagem. Este ano, o andor será colocado em uma alegoria que reproduz uma grande caravela. Envolta por um pano azul para representar o mar, a caravela também será uma forma de representar a própria história da chegada do Bonfim. “Ficará marcado na história da Bahia e do Senhor do Bonfim o segundo traslado da imagem pelo mar, assim como ele chegou. Estamos comemorando o ano jubilar, de 275 anos da chegada, e temos que programar essas e outras atividades”, afirmou o padre Edson Menezes, reitor da Basílica. O ano jubilar acontece a cada 25 anos contados a partir da data da chegada da imagem à cidade. Em terra Mesmo a procissão terrestre era esperada pelos fiéis. A copeira hospitalar Jurânia de Oliveira, 52 anos, escutou o convite quando foi a uma das missas da primeira sexta-feira do ano. Naquele dia, decidiu que participaria da missa e da procissão nesta quarta, também seu aniversário. “Amei a ideia, porque é uma forma de lembrar às pessoas que devemos buscar Deus”, disse. 

Ela convidou a mãe, a aposentada Maria Joana de Jesus, 79, para assistirem juntas. Emocionada, dona Mariana Joana parabenizada “quem teve a ideia”, enquanto tirava fotos ao lado do andor do Senhor do Bonfim. Ainda que não tenha conseguido comprar um dos ingressos para as escunas que acompanharam o traslado, não participar da procissão terrestre não era uma opção para ela.  “A gente tem que resgatar o Bonfim, porque tem ficado muito vazio. Tenho achado desanimado nos últimos anos, por isso a ideia foi boa. É muito bom que a gente já vai rezando até o barco e ainda tem mais uma penitência”, explicou. O ineditismo da procissão foi o que deixou a dona de casa Maria José dos Santos, 69,animada. “Eu não sei o roteiro e tudo é uma novidade. Todo ano acompanho a lavagem e a procissão dos três pedidos (no domingo, 19), mas é sempre o mesmo percurso. Espero que essa procissão de hoje cresça como a lavagem cresceu”, afirmou. 

Nas ruas entre a igreja e o Humaitá, não faltavam varandas com panos brancos estendidos e imagens do Senhor do Bonfim à vista. Em frente ao Hospital Sagrada Família, um grupo acenava com pequenas bandeiras brancas. 

Enquanto isso, na frente de casa, a comerciante Maria de Fátima Garcia, 45, controlava a ansiedade para ver a imagem passar. “Estou só esperando ele passar na frente da casa para nos abençoar. Não consigo acompanhar porque trabalho com almoço, mas pelo menos tenho o privilégio de ver do portão”, comentou. 

Na casa da autônoma Bárbara Pinheiro, 28, toda a família se juntou para esperar o senhor do Bonfim. Colocaram panos em toda a varanda, com imagens do santo e de Nossa Senhora. Bárbara, com o pé enfaixado, também não podia andar até a Ponta do Humaitá. “Esse ano eu estou de molho, mas pelo menos deu para ver um pouco”. A imagem foi levada até o Comércio (Foto: Marina Silva/CORREIO) Pelo mar Cerca de 800 pessoas acompanharam a procissão em três escunas – Mestre Pequeno, Mestre Alipio e Fila Boia II. As entradas foram vendidas para os fieis por R$ 60. Em cada uma das embarcações, foi celebrada uma missa para os presentes. No catamarã, a celebração ficou a cargo do padre Edson. 

Em sua mensagem, o padre exaltou o próprio papel da Basílica do Bonfim na cultura da cidade. “A Basílica é onde acontece o diálogo inter-religioso. A igreja transmite para o mundo a questão do entendimento. Não sei o que seria de nós, da Bahia e do Brasil se não existisse a Igreja do Bonfim”, disse, durante a missa.  

A contadora Judith Lima, 68, já tinha acompanhado outras procissões marítimas. Esteve, inclusive, no catamarã que levou o Bom Jesus dos Navegantes no ano passado, quando a tradicional galeota não pode fazer o percurso no mar, no dia 1º de janeiro. “É a mesma emoção do Bom Jesus. Dá uma paz, uma tranquilidade. Salvador é totalmente cercada pelo mar e o Senhor do Bonfim chegou pelo mar, por isso é importante fazer esse trajeto”, disse. O percurso durou aproximadamente uma hora e meia. A imagem saiu da Ponta de Humaitá e foi até a Praia da Penha. Foi na Igreja de Nossa Senhora da Penha que o Senhor do Bonfim ficou inicialmente abrigado, entre 1745 e 1754, enquanto a igreja na Colina Sagrada era construída. Depois, as embarcações rumaram em direção ao Comando do 2º Distrito Naval. 

A pedagoga Eliana Souza, 70, e a professora Arlinda Anunciação, 72, compararam a experiência à romaria fluvial do Círio de Nazaré, que acontece anualmente em Belém (PA). “O povo fica muito feliz porque essa travessia é uma experiência muito interessante. Para nós, católicos, é maravilhoso”. 

Na lavagem, a aposentada Jacira Almeida, 71, é uma das integrantes do cortejo das baianas. Mas, na véspera, ela participou do cortejo para fazer um pedido especial.“Hoje, estou aqui pela saúde do meu neto. Ele tem 22 anos, estuda Fisioterapia, mas está depressivo. Eu acredito que vou alcançar essa graça e ele será curado”, afirmou. Já o autônomo Carlos Sousa 61, ficou encantado com o resgate da história. “Foi uma brilhante ideia voltar à memória da história da Bahia e do Bonfim”, opinou. Também a bordo do catamarã, a aposentada Guajarina Pandoja, 87, e a filha, Ana Maria Pandoja, 59, contaram ser devotas do Senhor do Bonfim há quase quatro décadas. 

“Somos devotas desde 1981, quando fomos convidadas a participar. Cheguei em Salvador em 1976, vinda de Belém do Pará, e o Senhor do Bonfim nos deu muitas graças aqui”, contou Guajarina.