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Da Redação
Publicado em 22 de setembro de 2022 às 05:11
Jonathan Ortmans é fundador e CEO da Global Entrepreneurship Network, empresa com sede em Washington D.C., nos Estados Unidos, que atua na criação de programas e iniciativas para ajudar startups e companhias no mundo inteiro a estabelecer seus negócios de forma sustentável num ecossistema global conectado. Ele será palestrante da 13ª edição do Fórum Agenda Bahia, evento promovido pelo CORREIO, que acontece em 18 de outubro. Nessa entrevista, ele fala sobre empreendedorismo, desafios e oportunidades na pandemia e o que Salvador pode aprender com o Rio de Janeiro para se tornar um polo de investimento internacional. "Quando olhamos para Salvador vemos quais são as oportunidades que temos para aproveitar para atrair investimentos internacionais. Uma coisa que a pandemia nos ensinou é que não precisamos estar fisicamente em um lugar para se tornar uma liderança num campo específico", explica Ortmans, que nasceu na cidade de Fareham, no Reino Unido, e mora nos Estados Unidos. >
Correio: O que levou o senhor a trabalhar fomentando o empreendedorismo global e criar a GEN? Jonathan Ortmans: Eu cresci na Europa e tive minha primeira experiência empreendedora quando estava na Inglaterra na época da universidade. Acho que a primeira coisa sobre ser um jovem empreendedor é sentir-se animado ao passar pelo processo criativo de construir algo do nada. E eu acho que minha paixão pelo empreendedorismo e por ajudar outras pessoas é a inspiração na filantropia estadunidense da Fundação Kauffman. Ewin Marion Kauffman era um fazendeiro muito humilde que acabou se tornando muito bem-sucedido, e deixou a maior parte do lucro dos seus negócios para que outras pessoas seguissem seus passos. Ele fez isso a partir da filantropia.>
Isso é algo comum nos Estados Unidos, a criação de fundações privadas para prover financiamento para diversas iniciativas. E minha inspiração veio dessa vontade, igual à dele, de investir em outras pessoas e ideias. É, de fato, uma missão importante tornar possível que qualquer pessoa possa criar sua empresa e fazê-la crescer. Para mim, é combinar esse sentimento de criar algo, mas também o entendimento de que, para que você crie oportunidades econômicas para mais gente é preciso fazer crescer o bolo. Dessa forma, a gente pode oferecer às pessoas a chance de criar seus próprios futuros e suas próprias oportunidades econômicas.>
Correio: Essa meta é ambiciosa, e para conseguir manter uma escala global é necessário ter aliados em várias partes do mundo que pensem da mesma forma. Como localizar essas pessoas e como estimular que mais mentes empreendedoras surjam? JO: O curioso é que, quando a gente começou essa jornada, há 15 anos, sentíamos que as pessoas não americanas vinham para os Estados Unidos porque, para elas, lá era o centro do empreendedorismo. E que, para que elas fizessem parte desse experimento inovador, para que elas sonhassem e pensassem estratégias arrojadas, teriam que ir ao Vale do Silício. E eu pensei: “Isso não está certo. Não dá para replicar o Vale do Silício”. Então, embarcamos numa campanha de empreendedorismo global que acontece anualmente em novembro (em 2022 foi lançada a Copa do Mundo de Empreendedorismo), e, nesses 15 anos em que ela acontece, a gente consegue que cada um dos mais de 200 países participantes estabeleça parcerias com organizações, empresas e parceiros que fomentam o desenvolvimento de atividades empreendedoras.>
Correio: Houve resistências nesse processo? JO: Eu visitei 70 países e não encontramos nenhum tipo de resistência. Percebemos que o processo criativo de encontrar a melhor forma de montar um time, testar ideias e fazê-las dar certo é um conceito universal. E hoje estamos em toda parte do mundo. Para responder sua pergunta, não foi muito difícil encontrar pessoas que embarcassem nessa ideia. No final das contas, é satisfatório ver que a maioria das pessoas que empreendem fazem não apenas pelo benefício pessoal, mas pelo bem de suas comunidades, querem vê-la crescer e se desenvolver junto com seus negócios.Em dado momento, a GEN precisou criar uma estrutura própria, mas a ideia permanece a mesma: começamos com a campanha e conseguimos a aderência de várias organizações parceiras nesse processo divertido que é empreender e, como resultado, temos 16 programas globais que abraçam startups, políticas empresariais, pesquisas, plataformas de registro, inscrição de companhias, apoio e suporte. Procuramos criar um modelo de liderança imparcial, formado por um conhecimento global de fazer as coisas, para guiar os ecossistemas em que atuamos. Nossa esperança é que, no fim das contas, ao passo em que a gente consiga criar um ecossistema empreendedor global, exista o compartilhamento de conhecimento para além das fronteiras entre países para justamente abraçar todos. Se um ecossistema nacional ficar de fora, a economia global sofre. Foto: Divulgação >
Correio: Mas uma forma global de empreender não deixaria de lado questões-chaves para o empreendedorismo local, que prioriza o impacto positivo na comunidade? JO: Acho que uma característica do empreendedorismo é que ele é meio "’bagunçado”. E nessa questão acho que sim, todo ecossistema local, seja um ecossistema empreendedor ou inovador, e esteja ele numa cidade, como Salvador, ou bairro, comunidade... O local do ecossistema é realmente o foco de onde acontece o trabalho. Por exemplo: uma vez lidamos com um problema de trânsito em Nairóbi, no Quênia. E percebemos que uma das falhas centrais era causa pelo fornecimento de energia, que era inconstante e desligava com frequência. Por isso, os semáforos não eram confiáveis. Uma companhia montou um projeto que, a baixo custo, gerava energia solar para alimentar os semáforos. Isso mudou dramaticamente essa cidade e resolveu o problema. Mas esse não é um problema que você percebe em outras cidades, como por exemplo Berlim, ou Washington, porque a fonte de energia é confiável.>
Correio: Qual seria o foco, então, do empreendedor? JO: O foco do empreendedor, a priori, é ser relevante para resolver situações locais e específicas nos ecossistemas em que eles funcionam. Porém, existem vários problemas que são comuns a muitos ecossistemas, que não são locais. Grandes ideias para grandes problemas. E em todas elas sustentabilidade é imprescindível. Para cada um de nós no planeta, na verdade. E para resolver esses problemas a gente precisa ter a habilidade de fazer um crowdsourcing (modelo de terceirização de ideias aberto e compartilhado) para atender as necessidades dos projetos locais, nacionais ou mesmo globais, para levantar fundos de forma inteligente. E essas coisas podem coexistir em paralelo.>
Correio: A união dessas forças dos empreendedores locais e globais faria a diferença, certo? JO: Podemos nos beneficiar de ideias, de conhecimento e das formas de fazermos as coisas quando juntamos empreendedores que trabalham com projetos absolutamente locais com quem trabalha com escalas maiores. Porque assim promovemos a troca de ideias, experiências, inteligência e, principalmente, inspiração. Eu lamentei muito durante a pandemia, que perdemos a chance de discutir planos e estratégias globais. Ninguém pode ser culpado pelo que aconteceu, mas foi algo que afetou diretamente a todos nós da mesma forma no mundo inteiro.Poderíamos ter nos unido, e me surpreendeu negativamente não ter havido uma reunião com os chefes de estado para implementar medidas de combate que fossem gerais. Foi um problema global que precisava de uma resposta global, que não veio. O que estou dizendo é que há, no campo do ambiente de inovação, problemas grandes que devem ser pensados de forma global em vez de local.Correio: A pandemia certamente trouxe desafios e necessidade de revisitar metas e até mesmo formas de fazer as coisas. De que forma a GEN mudou para continuar relevante nesse momento e, agora, em que já falamos de pós-pandemia? JO: A gente não tinha em mente fazer mudanças específicas em termos de lideranças. A pandemia mudou e, em muitos casos, mudou para pior a vida das pessoas. Muitas pessoas foram para direções diversas por conta da pandemia. Mas mudou também a forma estratégica com a qual nós vemos e lidamos com as coisas. Na GEN pensamos: “quais são as emergências principais?” E concluímos que o mais importante era colocar dinheiro nas mãos dos empreendedores que não teriam condição de manter seus projetos.>
Levantamos milhões de dólares com organizações e corporações parceiras para injetar US$ 10 mil [cerca de R$ 52 mil] nesses negócios estratégicos. Foi a primeira coisa que fizemos. Tentamos manter empreendedores em seus ecossistemas para que as comunidades locais não perdessem essas lideranças. Também decidimos adotar um tema em nosso trabalho: Reiniciar, Repensar e Regenerar. O que tentamos fazer foi deixar claro que esse momento mudaria o mundo, como de fato mudou. Precisamos naquele momento reavaliar nossas prioridades. E claro, somos empreendedores. Correio: Como observar essas oportunidades pelo mundo fruto dessas mudanças? JO: A gente vê o mundo como um copo meio cheio, e vemos esses desafios como oportunidades. Não tanto pela perspectiva financeira, mas no caso de todo mundo se sentir confortável trabalhando de forma digital em vez de presencial. O que isso significa e como nós poderíamos aumentar a cooperação entre líderes, comunidades e organizações pelo mundo? Te dou um exemplo. Os investidores de estágio inicial, chamados de anjos, se interessavam especialmente em negócios locais e pessoas que eles conseguiam ver, visitar. Era dessa forma que eles se sentiam mais confortáveis para investir. A ideia de um investimento além das fronteiras não funcionava com eles, o que mudou na pandemia.Subitamente, as pessoas começaram a se sentir confortáveis com a ideia de pitchs, reuniões, diligências de forma digital. E isso não dependia de alguém entrar num avião, cruzar um continente. Vimos crescer os investimentos internacionais e isso mudou dramaticamente a forma que a gente atuava. Agora percebemos que temos que trazer o máximo de visibilidade possível para todos os nossos empreendedores, porque os investidores deles podem não estar perto, podem estar do outro lado do mundo. Essa foi uma grande mudança. Pensamos que precisávamos nos adaptar, avaliar prioridades e como poderíamos nos aproveitar de alguns pontos positivos que apareceram com todas essas mudanças impostas pela pandemia.Correio: O comportamento das pessoas mudou muito durante a pandemia. Como você observou isso? JO: Muitas dessas mudanças foram no consumo, no comportamento, em demandas, no que as pessoas passaram a esperar do inesperado. Minha mãe de 85 anos se sentiu confortável para fazer uma consulta médica pelo laptop, eu não consigo imaginar outra circunstância em que isso seria possível! Acho que tivemos grandes saltos, grandes mudanças para que a gente conseguisse continuar prestando um serviço relevante e importante e proteger nossos empreendedores. Em tempos de crise, muitos ficam assustados e não sabem o que fazer, e empreendedores se sobressaem. Eles olham para a incerteza e falta de previsibilidade e dizem “Quer saber? pode trocar as regras todas, porque tudo muda. Eu agora tenho um campo infinito de novas possibilidades porque eu posso re-testar algumas ideias que não deram certo lá atrás e que agora podem ter nova aplicabilidade”. Porque o pensamento é esse, talvez agora exista uma possibilidade que não estava lá antes.>
Correio: O que você vê para o Brasil, mais especificamente Salvador e Bahia nesse cenário? Quais são nossos pontos fortes e nossos desafios? JO: Algo que pude observar no Brasil é que, em 2021, houve grande crescimento no aporte de investimento internacional em negócios inovadores ou empreendimentos em relação a 2020. Foram US$10 bilhões [cerca de R$ 52 bilhões] em 2021 contra US$ 3,4 bilhões [cerca de R$ 17,68 bilhões] em 2020 [aumento de 194%, e 2/3 desse investimento foram para startups, segundo dados da SlimHub, plataforma de inteligência]. Há grande potencial aí. Para falar de Salvador, quero primeiro fazer uma analogia.>
Quando tratamos de Brasil, pensa-se logo em São Paulo. Claro, é a maior cidade, com maior mercado e estrutura, grandes universidades, base da América Latina para bancos internacionais, então faz sentido que seja a cidade que receba maior aporte em empreendimentos. Mas, ironicamente, o Rio de Janeiro está alcançando São Paulo no que se refere a investimentos em negócios inovadores. O Rio de Janeiro se esforçou muito para adotar um fluxo contínuo de talentos, acelerou programas. É uma cidade menor, obviamente, mas está fazendo um esforço tremendo para se tornar atraente para jovens talentos da área tecnológica. E está trazendo resultados. Eles criaram uma série de eventos, como Favela Inova, Rio Innovation Week [a edição 2022 começa em novembro]. Mas por que isso aconteceu? Será que porque focaram em indústrias específicas? O material bruto é espetacular: praias paradisíacas, cultura, arte. Mas será que foi isso que influenciou no crescimento de empresas que atuam, por exemplo, com a conexão 4G, segurança, transporte?>
Correio: E Salvador, como fica nesse cenário? JO: Para finalizar, acredito que precisamos nos perguntar qual pode ser o foco de Salvador e quais lições podemos tirar da ascensão meteórica Rio de Janeiro e também de São Paulo. Acredito que temos tanto a se aprender de diferentes cidades do Brasil quanto de grandes cidades internacionais. Certamente, quando olhamos para Salvador vemos quais são as oportunidades que temos para aproveitar para atrair investimentos internacionais. Uma coisa que a pandemia nos ensinou é que não precisamos estar fisicamente em um lugar para se tornar uma liderança num campo específico. >
Se ligue! O Fórum Agenda Bahia será gratuito e as inscrições serão abertas nos próximos dias. Tudo será informado no jornal impresso, site www.correio24horas.com.br, aplicativo e redes sociais do jornal (@correio24horas). O Agenda Bahia 2022 é uma realização do CORREIO, com patrocínio da Acelen e Unipar e apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador, Rede Bahia e GFM 90,1.>