O exemplo de Lisboa para Salvador

Cidade portuguesa superou crise investindo em inovação, tecnologia e economia criativa

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  • Marcela Vilar

Publicado em 18 de dezembro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

A crise econômica assolou o mundo em 2008 bateu com força em Lisboa, capital de Portugal.  A cidade se encontrava com altas taxas de desemprego e dívida pública.  Porém,  a história mudou  e Lisboa é hoje um dos maiores polos de startups e referência mundial em tecnologia e inovação. Ela inclusive sediou, no ano passado, o maior evento de tecnologia da Europa, a Web Summit.

A receita foi investir e criar um ecossistema de empreendedorismo na cidade. No Agenda Bahia 2020, o especialista português em planejamento Paulo Carvalho contou o que a capital baiana pode aprender com os seus antigos colonizadores. 

Ao assumir a direção geral de Economia e Inovação da Prefeitura de Lisboa, em 2011, Carvalho tinha a missão de tirar a cidade da crise. A aposta foi trabalhar setores que ainda não haviam sido trabalhados, como empreendedorismo, inovação, tecnologia e economia criativa. Para isso, foi preciso investir em quatro  “motores de crescimento”  que ele considera fundamentais: 1) definição de uma visão estratégica, 2) atração e retenção de empresas e investimentos numa escala internacional, 3) criação de condições para o desenvolvimento de um ecossistema empreendedor, e 4) investir no capital humano, nos talentos. 

“Definir uma visão estratégica é ter uma história para haver uma mobilização de um conjunto de atores em torno de uma determinada direção. Lisboa era atrativa em termos turísticos, mas nunca se falava de Lisboa como uma cidade criativa, de inovação ou de empreendedorismo. Então definimos isso como visão e passamos a ambicionar em uma escala global”, contou. Além disso, ele explica que é preciso ter uma grande capacidade de liderança do gestor da cidade, a fim de definir prioridades e metas do governo.

Outro ponto que o especialista trabalhou  foi a atração de empresas, principalmente as de base tecnológica e de setores ainda ausentes. Também ocorreram investimentos na criação de espaços criativos, incubadoras e aceleradoras, para que fosse criado uma rede de incentivo às startups. “Era preciso não apenas trazer coisas novas para a cidade, mas criar condições para que coisas novas surgissem, a partir da criação de um ecossistema empreendedor, dinâmico, que ajudasse a escalar as startups”, afirmou. Nos 8 anos que ele ficou à frente da diretoria de Economia e Inovação de Lisboa, a cidade saiu de 6 para 20 incubadoras, criou 30 programas de aceleração e 70 espaços de coworking.

Já o investimento em capital humano foi feito através do incentivo na vinda de jovens e estudantes internacionais para que fizessem parte do ensino superior português, uma vez que universidades, fundações e centros de pesquisa são  “geradores de recursos humanos”. 

Aliado aos quatro motores de crescimento, Carvalho destacou o fato de  Lisboa ser uma capital, o que dinamiza o setor econômico, já que muitos serviços são oferecidos no mesmo lugar - ainda mais se estiver em uma zona costeira, como é o caso de Salvador. Outros fatores também contribuíram para o sucesso, como o estímulo às economias criativa, verde e digital, além do uso de dados para torná-la uma cidade inteligente. 

Custos reduzidos Foi sobre o uso de inteligência artificial que a programadora Gabriela de Queiroz, outra participante da palestra de abertura do Agenda Bahia 2020 no último dia 9, falou.  Ela defendeu que a tecnologia pode ser uma grande aliada no desenvolvimento de uma cidade.

“Você diminui os custos, consegue agir mais rapidamente. Quando a gente fala de cidades inteligentes, temos vários exemplos sendo implementados. É uma área que pode ajudar bastante na infraestrutura, para monitorar e avaliar as condições de estradas que estão com buracos, postes que estão sem luz, são trabalhos que são feitos por uma equipe enorme, é custoso e (a tecnologia) pode acelerar isso”, exemplificou. 

Gabriela também citou o exemplo do uso da Inteligência Artificial (IA) como melhoria na gestão do congestionamento urbano, a partir dos semáforos que calculam o tempo em que precisam ficar abertos ou fechados a partir da quantidade de veículos. Os semáforos inteligentes começaram a funcionar em Salvador em 2017. Ela ainda ressaltou que a tecnologia auxilia a segurança pública, através do monitoramento por câmeras que permitem uma atuação mais rápida dos policiais. 

O Fórum Agenda Bahia 2020 é uma realização do CORREIO, com patrocínio do Hapvida, parceria do Sebrae, apoio da Braskem, Claro, Sistema FIEB, SMARTIE, SINDIMIBA e  BATTRE,  apoio institucional da Rede Bahia e GFM 90,1.

Capital baiana avança a passos largos no caminho da inovação O caminho ainda é longo, mas Salvador está avançando a passos largos em  inovação, tecnologia e empreendedorismo. Uma das principais iniciativas foi a inauguração, em 2018, do Hub Salvador, coworking de 3 mil m² no bairro do Comércio.  Esses espaços de trabalho em conjunto são importantes para a geração de ideias inovadoras, segundo o diretor de Inovação da Secretaria Municipal de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência (Secis), Ivan Euler. 

“Você tem diversas cabeças em um mesmo espaço.  É um ambiente de colaboração em que todo mundo está pensando ao mesmo tempo em inovação, sempre ajudando o outro e propondo soluções. É um modelo de sucesso no Brasil”, destaca Euler. 

O diretor também ressalta que é possível ter acesso a capacitações, fundos de investimento e mentorias para que a empresa possa crescer. Para utilizar, é preciso pagar uma mensalidade, que depende da quantidade de cadeiras e equipamentos a serem utilizados. Mais informações estão disponíveis no site: https://hubsalvador.com.br/. Outro espaço similar aberto pela prefeitura de Salvador é o Colabore, no Parque da Cidade ( Itaigara), fruto de  parceria com o Sebrae e o Parque Social. O plano é instalar um segundo Colabore no Subúrbio.  

Outro objetivo é criar o Plano Estratégico de Inovação, para o qual a Secis irá ouvir os atores de Salvador para definir as metas e prioridades para tornar a cidade inovadora. O processo de escuta começará em 2021, mas o plano só será finalizado em 2049, quando a capital baiana completa 500 anos. “Meu desejo é que em 2049, quem pensar em fazer negócios, pesquisa, ciência e economia criativa, lembre que Salvador é uma cidades com grandes possibilidades”, afirma o diretor. 

Euler relembra ainda o pacote de medidas de incentivo fiscal às empresas de base tecnológica que queiram se instalar na capital baiana, anunciado pelo prefeito ACM Neto em agosto. A lei já foi sancionada, mas o decreto será publicado até a próxima semana no Diário Oficial do Município. A partir da publicação, as empresas de tecnologia poderão pedir redução de ICMS, ISS, IPTU, por exemplo. 

Interior O ecossistema de inovação também está presente em cidade do interior. Entre agosto de 2019 a outubro deste ano, cinco espaços de coworking foram inaugurados em Irecê, Itaparica, Alagoinhas, Caetité e Cruz das Almas pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação da Bahia (SECTI). Os espaços são chamados de “Colaborar” e operados pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Eles contam, em média, com 20 computadores cada um, equipamentos de produção audiovisual e consoles de videogame em áreas médias de 50 m². O planejamento é inaugurar mais 19 espaços como estes até o final de 2021, segundo o superintendente de Inovação da SECTI, Agnaldo Freire. 

“A gente baseou nosso planejamento criando espaços que respeitem as vocações territoriais para atrair todos os setores.  Nosso papel é colocar o pessoal para conversar junto e planejar estratégias”, explicou Freire.  

Outros três espaços fazem parte dessa estratégia: o Pensar, o Inovar e o Fazer, que são instalados a depender do “nível de maturidade” do município.  O Pensar são espaços chamados praças da ciência, para incentivar jovens a conhecerem e se aproximarem dessa área. Já o primeiro Inovar - "espécie de laboratório vivo" - será instalado no Parque Tecnológico de Salvador,  na Avenida Paralela. O Fazer são laboratórios para promover oficinas e qualificar  soluções tecnológicas nas áreas de eletrônica, costura, meios digitais de fabricação (impressão em 3D e máquinas de corte a laser), metal mecânica e marcenaria.  Ao todo, serão inaugurados 51 desses espaços nos 27 territórios de identidade do estado.