O Futebol é a literatura na vida real

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  • Da Redação

Publicado em 19 de dezembro de 2022 às 05:19

- Atualizado há um ano

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O futebol não precisa ser no estilo “arte” para ser parecido com ela. Mesmo nos campos da série B é um terreno fértil para leitura da vida. Há sempre uma história sendo contada e uma boa história tem muitas reviravoltas. Se os leitores não tiverem muito cuidado são conduzidos facilmente ao engano e às injustiças. No ano em que a Copa do Mundo quase coincidiu com o Natal, é claro que não faltariam exemplos.

Vejam o personagem Guilherme Bellintani. O presidente do Bahia passou de exemplo de dirigente moderno e campeão do Nordeste ao de comandante durante o rebaixamento. A torcida do Bahia começou 2022 indignada, achando que tudo estava errado e ele deveria ser afastado. Era criticado se desse entrevistas e se não desse também. Caso um atacante errasse um chute, era como se ele tivesse chutado. 

O tempo passou e os tricolores terminaram a temporada em êxtase: de volta à primeira divisão e integrando o maior conglomerado de futebol do mundo. Que arco narrativo! Ainda assim, muitos leitores, ou melhor torcedores, não entenderam as entrelinhas do livro (e é nela que está o melhor da arte). Não compreenderam que ele era o herói da história, aquele que conquistou a mocinha. Literatura é assim. Às vezes, precisa tempo para uma obra ser compreendida. No futuro, se o clube realmente conquistar um título internacional, ele merecerá grande parte do crédito.

Outra história marcante é a da amarelinha, a camisa amarela da seleção brasileira. Símbolo nacional desde o final da década de 50, passou a ser motivo de divisão do país. Associada a movimentos antidemocráticos e a políticos conservadores fascistóides desde 2015, perdeu mais que o status de unanimidade. Virou motivo de vergonha. 

Quantas famílias brigaram porque alguém usava a camisa da CBF? Para piorar, pouco antes de a Copa do Mundo começar, virou uniforme de patéticos protestos em quartéis contra a vontade popular. Pedidos de intervenção militar! Mas, o protagonista da história, o povo, percebeu que a camisa não era vilã. Era a vítima sequestrada. Precisava de ajuda. A resgataram, vestiram com alegria e fizeram os vilões parecerem mais tristes ainda.

Mas, o que falar da própria Copa do Mundo e do seu indiscutível cavaleiro? Apesar de realizar um trabalho brilhante pelos gramados do mundo, Messi nunca havia conseguido o título pela seleção argentina. Sua vida passou a ser uma contradição dramática. Em 99% do planeta era admirado e premiado. Mas, no seu país, era duramente contestado. Virou moda culpá-lo e acusá-lo de absurdos como não se importar com seu povo. Ele se doava, fazia tudo o que podia, marcava gols, dava passes, era  apontado o melhor atleta, mas o título não vinha e, por isso, era alvo de protestos incessantes. Seus conterrâneos pediam a sua saída da equipe. Ele quase saiu.  Veio 2022, a sua última competição. Começou com um vexame, perdendo para a Arábia Saudita. Ninguém mais acreditava na Argentina. Novamente, ele levou o time até a final. Ele fez um gol e ajudou a fazer 2x0 contra a favorita França, mas o adversário empatou e voltou o clima de derrota. Esqueceram que ainda haveria a prorrogação. Outro gol! A França empatou novamente... “Agora ele já era”... Esqueceram que ainda haveria a disputa de pênaltis! Mais um gol dele e, finalmente, Argentina Campeã! Final feliz novamente! O craque reconhecido como um dos melhores da história.

Todas as histórias têm alguns pontos em comum: o primeiro é que se a gente não tomar cuidado e paciência para lê-las, confunde o capítulo IV com o final. Abandonar um livro no meio pode nos privar de maravilhas. A outra é que o futebol e a vida são complexos, não são romances lineares. Há camadas para serem avaliadas. 

Se Bellintani houvesse renunciado como pediram, o Bahia não estaria no Grupo City. Se os democratas houvessem abandonado a camisa da seleção como pensaram em fazer, ainda pareceria que os golpistas eram numerosos. Se os Argentinos, tomados por uma revolta irracional, houvessem substituído Messi por um novo jogador, não seriam agora os campeões do mundo. Temos que ler até a última página, a da decisão por pênaltis. Em tempos de leituras apressadas de WhatsApp, precisamos cada vez mais de serenidade para saber ler e saber apreciar futebol.  Epílogo: ao final da Copa, me perguntaram se Messi já poderia ser comparado a Pelé e Maradona e respondi que sim, podia. Então questionaram se eu chegava a acha-lo melhor que Bobô, maior ídolo da história do Bahia. Depois de pensar um pouco, decidi responder com sinceridade. Eles têm estilos de jogo muito parecidos, mas admito que no chute de perna esquerda o argentino é um pouco melhor.

Feliz Natal, feliz ano novo, bons livros e bons jogos! 

Rafson Ximenes é Defensor Público Geral da Bahia