O grande pavor do tricolor Tom

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  • Paulo Leandro

Publicado em 10 de março de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Todo grande homem guarda o segredo de um instigante pavor. Quanto mais pensante for o homem, maior a consciência do medo que o aflige: é como uma sombra a acompanhá-lo aonde quer que vá. 

E assim foi com Thomas Hobbes, habituado a viver sob efeito de medonha obsessão: a expectativa de uma morte violenta. E não é que, com paranoia e tudo, o medroso do Thomas viveu mais que todos os seus amigos!?

Tanto as fantasias o perseguiram que ele migrou todo aquele imaginário para um texto que o salvaria de seu calvário hipotético. Tão temente à barbárie, terminou fundando o Estado moderno, no clássico Leviathan, publicado em 1651.

O Leviathan é um acordo entre o súdito, que cede sua liberdade, e o Estado soberano, capaz de garantir sua segurança, mesmo se o camarada dormir de portas abertas. Desde o Leviathan, nosso preço a pagar pela segurança é a liberdade.  

Imagina o espanto do grande Thomas se os bons espíritos o fizessem renascer na alma de um jovem tricolor! Ao dirigir-se hoje à Arena Itaipava, o que pensaria o autor do Leviathan?

O que diria o bom ‘Tom-Hobsão’ (vamos abaianar o nome), na condição de cidadão e não mais de súdito, na hipótese de que as corajosas patentes de nossas polícias, cheias dos cães, armamentos e tanta inteligência, viessem aos microfones, admitir sem pudor:

-Não temos mais como cumprir a função para a qual fomos criados.

Algo que seria dito baixinho, timidamente, em tom envergonhado, quase um cochicho:

-Não, não temos mais como cumprir a função para a qual fomos criados.

Como reagiria o medroso Tom ao verificar que só se permite uma torcida em cada mando de campo, e que o espetáculo da provocação mútua, com bandeirões, danças, palavrões e canções, está cancelado por falta de segurança?

O decreto da ‘torcida única’, baixado pelo dirigente titular do Ministério Público, com base na impotência assumida pelo Estado, é a rendição aos terríveis e belicosos torcedores cuja força se pode supor imbatível apesar do profissionalismo de nossa guarda super-reforçada de novas tecnologias.

Os crédulos tomam como verdade o que dizem as fontes oficiais. Já os céticos, esses chatos, são tipos pouco associativos e desconfiam de tudo: quem ganha com a ‘torcida única’? Alguém sempre lucra com estas providências dos poderes, quando se tornam muito óbvias e indiscutíveis.

Os clássicos na arena tendiam mais ao Vitória, desde a inauguração (5x1), mesmo com 10% de rubro-negros. Quem esquece os 7x3? Com torcida única, o Bahia fica mais à vontade, não há o que temer. Os Ba-Vis do Barradão sempre foram mais pró-Vitória, pois os tricolores já iam  com pouca força alegando lixofobia.

O canal fechado, os barzinhos, as cervejarias também agradecem, pois haverá sempre uma das grandes torcidas na frente da tevê enchendo as canecas.

Estamos exterminando nosso último clássico, com o fim do belo jogo das torcidas numa terra que tem os Filhos de Gandhy e uma pomba na bandeira da cidade. No domingo seguinte, depois de garantir um Carnaval com 2 milhões de pessoas espalhadas pela cidade toda, não daria pra garantir um Ba-Vi com 20 mil pessoas? Conta outra! Quem ganha de verdade com a ‘torcida única’?

-Jamais podia imaginar que o Leviathan terminaria assim!, lamenta Tom, o torcedor, de volta a seus temores.

Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade