‘O Homem Disparou’: músicos faturam até cinco vezes mais com jingles eleitorais

Banda Vilões do Forró e Karkará emplaca hit na campanha política

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 28 de outubro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Na sua cidade, foi o homem ou a mulher que disparou, disparou, disparou? Se tivesse uma disputa pra escolher a música da eleição, O Homem Disparou seria forte candidata a vencer. Oficialmente, a banda Vilões do Forró e Karkará, com participação do compositor César Araújo, gravaram a canção para 220 candidatos de todo o país, o que fez o faturamento do grupo aumentar em cinco vezes, mesmo na pandemia.

No entanto, a estimativa é de que o número de plágios seja 10 vezes maior, colocando a música no centro de diversas campanhas em 2020. Na Bahia, 30 cidades foram atendidas pelo grupo, que possui 15 anos de história e é comandado pelo empresário pernambucano José Patrício da Costa Neto. “Nós lançamos um álbum com sete músicas que poderiam ser usadas numa campanha eleitoral. Essa foi a que estourou no Brasil todo, Graças a Deus”, afirma o empresário.  

As cidades mais atendidas pelo grupo estão em Minas Gerais, Pará e Goiás, onde, segundo o empresário, não há a cultura do plágio. “Na Bahia tem muito estúdio que oferece as nossas obras por R$ 200. Mas eu não pretendo processar, quero que ela se espalhe mesmo”, completa. 

Essa é a primeira campanha eleitoral da banda. O impulso foi a canção Nunca Foi Sorte, Sempre Foi Deus, gravada em 2019, que tem quase 2,5 milhões de visualizações no YouTube. “A gente queria fazer uma música que falasse de Deus. As pessoas só queriam falar de rapariga e cachaça”, diz o empresário, um dos compositores do single.    

Com a repercussão positiva e a chegada da pandemia, José Neto viu no ramo a oportunidade de não ter a renda diminuída. “Convidei o compositor César Araújo, de quem eu também sou empresário, para gravar e foi esse sucesso”, resume.  

Os versos disputados  dizem “tem jeito não, é ele mesmo, tá na cara. Todo dia tem gente pulando pro lado dele. Não tem jeito pois é ele que o povo quer”. Para atender as candidatas, foi criada a verão A Mulher Disparou, dizendo que “a mulher é de confiança e não tem jeito, pois é ela que o povo quer pro trabalho continuar. Pode botar fé!”.  

Para o cientista político Claudio André, especialista em política do interior e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), a música é usada por vários políticos, inclusive da mesma cidade, pelo seu impacto positivo. “Ela está associada à liderança, ao candidato que é o primeiro na intenção de votos, dialoga com quem deve vencer e trabalha com a certeza da vitória. Isso tem um impacto, pois influencia o voto de indecisos e as pessoas a trocarem de lado político”,  analisa.   

Mercado 

Quem vive de jingles vê a   renda aumentar por causa da política. O músico baiano Kiko Salli, que fez parte do The Voice Brasil 2014 com a irmã Jeanne Lima, trabalha com jingles há 11 anos, mas só em 2020 lançou a sua produtora própria, a Rei dos Jingles. 

“Já gravei para candidatos a prefeito de Jequié, Governador Mangabeira e Ubaíra, na Bahia. Mas fora do estado, também atendo a Maceió e cidades de Goiás”, disse o músico, que dá a voz ao tradicional hit da rádio Bahia FM, Tô Ligado em Você, e foi o cantor que deu voz ao jingle O Brasil Feliz De Novo, lançado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no início da campanha de Lula para presidente, cuja candidatura terminou impugnada. 

“Essa trajetória me ajuda a não depender apenas desse período político. Por exemplo, estamos fechando uma parceria local com O Boticário. Mas eu só trabalho com músicas originais. Algumas vezes eu empresto a minha voz, em outras faço toda a produção do jingle”, disse o rapaz, que não explicitou valores, mas disse que seu faturamento aumenta em três vezes durante a campanha eleitoral.

Já o músico Daniel Borges, 29 anos, conhecido como Dan Hills, é o dono da Hill Produções, localizada em Camaçari, cidade da Região Metropolitana de Salvador (RMS). A produtora surgiu nas eleições de 2016 e, segundo o dono, está no seu melhor momento. “Já fizemos cerca de 300 jingles para mais de 50 municípios. A campanha está na reta final, mas o trabalho não para, pois não para de aparecer demanda”, disse o rapaz, que cobra de R$ 1 mil a R$ 10 mil, a depender do produto.  “Quase 90% das músicas que fazemos são originais, o que sai mais caro, pois é um produto exclusivo. A gente escuta o que o candidato quer passar, faz a melodia, depois a composição, grava, faz a mixagem e finaliza. Se o jingle passar o sentimento do candidato, cumprimos nosso objetivo. Quando ele entra no estúdio, escuta e até chora, ficamos muito felizes”, afirmou o rapaz. Dan Hills é um dos que reconhecem o sucesso de O Homem Disparou, mas diz não ter feito regravações da música. O mesmo não é dito por Domingos Sávio da Silva, 50 anos, conhecido como Kbsão, que possui um estúdio em Ribeira do Pombal, no Nordeste baiano. “Já gravei para os municípios de Cipó e Sítio do Quinto, além de três vereadores. É engraçado que a música é feita para a chapa principal, mas tem vereador que quer”, conta o rapaz, impressionado com o sucesso.  

Kbsão atende a 14 cidades da região e já fez por volta de 50 jingles. No período eleitoral, seu faturamento dobra. “Trabalho com música desde 1990, mas foi em 1996 que comecei nos jingles. Antes era muito mais difícil produzir, mas a gente tinha mais liberdade. Fazíamos showmícios, músicas com chacota sobre os adversários. Hoje tudo isso é proibido pela justiça eleitoral”, diz o rapaz. 

Lei 

Segundo o professor da UniFTC, doutor André da Silva de Jesus, especialista em Direito Público e Eleitoral, foi em 1997, com a lei geral das eleições, que foram criadas as primeiras regras que reveu todo o pleito eleitoral no país, desde pesquisas, campanha, gastos e jingles. “De lá para cá, outras alterações foram feitas, pois a lei está em constante melhora”, afirma.  

Na campanha de 2004, por exemplo, ainda era permitido a realização de showmícios, os comícios com shows. Dois anos depois, esses eventos já tinham sido proibidos. “Hoje, o que o candidato precisa ter é um cuidado maior para, no seu jingle, não haver ofensa a honra nem a dignidade do candidato de oposição. Quem é exposto ao ridículo pode entrar com uma ação civil e até criminal. A depender do caso, pode ser enquadrado como difamação ou injúria”, disse. 

Já as paródias são permitidas. Mesmo que não tenham a devida autorização, elas não violam a Lei de Direitos Autorais, segundo a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão veio em 2019, no episódio envolvendo o deputado federal Tiririca (PL-SP), processado pela EMI Songs por aproveitar no seu jingle parte da música O Portão, de autoria de Roberto Carlos e Erasmo Carlos.   acusação recorreu, mas não há data prevista para um novo julgamento.  

Obedecer a lei e criar um bom jingle é fundamental na campanha eleitoral. “Cada vez mais vemos uma profissionalização das campanhas e assim vemos jingles bem produzidos. Os jingles tem a função de comunicar o candidato, o seu número e motivar o eleitor, numa perspectiva de pedir voto e mobilizar apoiadores. Ele faz a militância ir para a rua e se engajar na campanha”,  destaca o cientista político Claudio André. 

Segundo o professor, nas campanhas de interior, onde a música O Homem Disparou mais viralizou, os jingles estão colocados num lugar especial. “Por conta da polarização, nessas cidades os eventos são voltados para o lúdico. Lá os jingles tem mais destaque por causa das carreatas, dos comícios. Ele veio da tradição do showmício e cria popularidade e, engajamento. Isso dialoga com a forma de fazer campanha no interior”, afirma.  

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.