O inacreditável roubo no Santo Antônio

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  • Da Redação

Publicado em 29 de setembro de 2020 às 09:19

- Atualizado há um ano

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Quarentena- dia 189

O Governo do Estado da Bahia, através da Conder, está fazendo uma obra grande aqui na rua Direita do Santo Antônio além do Carmo. Calçada, iluminação, esgoto… Trata-se de um dos bairros mais sedutores da cidade, em pleno Centro Histórico. Um lugar especial, que reúne moradores antigos, artistas e estrangeiros. Bairro único na cidade.

Uma reforma era necessária e sempre foi bastante desejada. Mas, a forma como tudo está acontecendo… que ano!

A obra começou sete meses atrás. A empresa Pejota é a responsável pela execução. Nunca discutiram ou apresentaram aos moradores os materiais que seriam utilizados, planejamento, cronograma… nadica de nada. Nunca foi cogitado paralisar a obra diante da pandemia, que começou pouco tempo depois. Assim, diariamente, dezenas de trabalhadores se espremem nos poucos ônibus lotados em direção ao trabalho.

Em ano de COVID-19, tivemos que conviver com valas abertas, lama e retroescavadeiras durante praticamente todos os dias. Batemos o recorde de casos de dengue, zika e chicungunha.

No último domingo, 27 de setembro, por volta das 8h30, começou um barulho ensurdecedor sob a minha janela. A rua tinha sido fechada e as obras estavam a pleno vapor. Irritado, peguei a minha máscara e fui à rua. Cerca de vinte trabalhadores, que vestiam os tradicionais uniformes de cor azul, estavam abrindo novas valas em um local que já tinha sido devidamente trabalhado. Uma das principais queixas dos moradores é justamente essa: a obra nunca termina, sempre está a recomeçar.

Eu me apresentei e pedi para falar com o encarregado, que não usava máscara. Aliás, nenhum dos trabalhadores usava. Não deixei que o encarregado se aproximasse de mim. Pedi que ele colocasse máscara, mas o rapaz disse que não tinha nenhuma ali com ele. De trato gentil, no alto dos seus 30 anos, ele pediu desculpas e relatou que seria necessário tirar a “rede morta” ou algo assim. “Estamos trabalhando domingo para que a obra termine logo”.

Enquanto conversávamos, percebi que alguns guardadores de carros que ficam no Largo do Santo Antônio tentavam identificar os proprietários dos veículos que atrapalhavam a retroescavadeira. Havia um nervosismo e pressa um pouco acima do comum nessa busca.

Um vizinho se aproximou e contou que a escavadeira tinha quebrado um cano de água. Novas desculpas, mas nada que impedisse a continuidade do trabalho, cada vez mais apressado. “Já vamos chamar a Embasa”, disse o encarregado. A rua já estava toda quebrada, enlameada. Caos.

Eu cobrei a presença do supervisor. O rapaz pegou o telefone, fez uma ligação e confirmou que o supervisor já estava a caminho.

Os carros eram retirados e a rua continuava a ser quebrada. Nada do supervisor. O encarregado se encostou na parede onde eu estava e, do nada, me disse: “Você sabe que a gente precisa se unir, né?”. Eu franzi o cenho e olhei para ele, sem entender direito o que ele queria me falar. “Se o povo não se unir, estamos perdidos. Os de cima não vão nos deixar respirar. Você viu o caso do negro nos Estados Unidos?”. Havia uma transformação no gentil rapaz, que, agora, ensaiava proselitismo firme e revolucionário. “Eles querem nos ver no chão. Mas, nós somos mais fortes. Eles não podem com a gente. Estamos juntos!”. O rapaz parceria saber do que falava, não se tratava de discurso decorado.

Enquanto eu o escutava, a escavadeira continuava a destruir a rua. A água empoçava e nada do supervisor chegar. 

Eu não estava entendendo nada.

Resolvi me despedir. O encarregado voltou a encarnar o primeiro personagem e me pediu desculpas, mais uma vez, num tom doce. Disse que iria até a minha casa quando o supervisor chegasse.

Já em casa, eu resolvi colocar minha indignação nas redes sociais. Postei no grupo do bairro. Muitas pessoas já estavam se manifestando. Uma das moradoras, que intermedia a comunicação da comunidade com a Conder, estava perdida. Ela reenviava as respostas dos técnicos do órgão, que estavam estressados. Eles negavam o ocorrido na manhã. Como se nada daquilo estivesse acontecendo.

Demorou até que todos entendessem o que estava acontecendo. Ali, não era uma equipe da Conder/ Pejota. Os guardadores de carro compreenderam primeiro que se tratava de roubo dos fios de cobre e passaram a disputar o espólio. Teve luta.

Depois de cerca de duas horas e muito estrago, a falsa equipe de trabalhadores já havia sumido. Deixaram a parte da rua esburacada com diversos canos de água estourados. Lama, poeira, calçada quebrada.

Os fios de cobre roubados eram de uma obra realizada há quinze anos, aproximadamente, e que jamais foi concluída. Material valioso, com compradores certos. A vizinhança devaneia. Muitos afirmam terem visto um caminhão à espera de cerca de 1.000 quilos de fios de cobre. A R$ 15,00 o quilo, a gangue teria feito fortuna. Já não sei mais o que é real nessa história toda.

Passei dia pensando nessa história improvável. Como é que um bando consegue fechar uma das mais importantes ruas de Salvador em plena luz do dia, mobilizar tantas pessoas, além de uma retroescavadeira… provocar tanto estrago e ainda sairem sem que nada aconteça a eles?

Faroeste caboclo.

O assalto à luz do dia teria acontecido caso a Conder tivesse tomado a comunidade como parceira desde o início?

Pensei bastante no encarregado gentil e revolucionário. Quem será esse sujeito, de fato?

Ficamos sem água no decorrer do domingo. O Santo Antonio além do Carmo foi rebatizado por seus moradores como Santo Antônio além do Caos.

O texto foi originalmente publicado no blog Cau Marques