O ladrãozinho de meia pataca que me habitou

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  • Da Redação

Publicado em 28 de julho de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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[Abstract] [O ‘grão-poeta’ e gênio da raça-baiana-brasileira-universal Gregório de Matos (1636-1696) nunca teve papas na língua. Espírito libertário, dizia o que lhe vinha à telha, a ponto de entrar para a posteridade com o epíteto de ‘boca do inferno’. No século 17 vaticinou: - De dois ff se compõe esta cidade a meu ver, um furtar, outro foder. Referia-se a esta cidade de Salvadores, mas, avant-lettre, profetizava este Brasil de hoje furtado e fodido pelos larápios e pústulas de sempre].

No micromundo no qual habito esses 2 ff também me compõem – ou melhor, me compuseram. Fodi melhor do que furtei, mas hoje, no limiar da velhice, reservo-me o direito de não foder e, muito menos, de não furtar.

[A posteridade jamais poderá me associar ao  exercício vil da ladroagem. Na infância e na adolescência, cometi pequenos delitos – e quem não os cometeu que atire a primeira bola de gude]. 

Roubei moedas do caixa da padaria de meu pai para comprar revistas – e, à beira do leito de morte dele, confessei os delitos – e, com aquele sorriso bonachão de sempre, balbuciou: - Tudo bem, Roge. 

Outra ocasião me fez ladrão. Meninote, viajei com 2 parentes adultos, e pernoitamos em hotel de beira de estrada. Acordei de madrugada, abri frigobar, e vislumbrei garrafinhas multicores de uísque. Pensei em enfiar 2 vidrinhos na mochila, mas, medroso, furtei apenas 1.

Na hora de irmos embora, percebi certo bafafá.  Incluíram na conta item que meus parentes não consumiram. Acabaram pagando, não queriam confusão. [Eu, cheio de culpa, me livrei da arma do crime: caminhei pela margem da Rio-Bahia e atirei a garrafinha furtada no meio da caatinga].

Na adolescência, já nesta Salvadores, voltei a cair em tentação. Louco por livros e jornais antigos, eu passava tardes na Biblioteca Central dos Barris – que, na época, me parecia tão magnífica quanto a de Alexandria, mas que hoje, contam-me, vive em petição de miséria. 

Durante 2 dias seguidos o diabo me tentou 2 vezes e furtei 2 livros. Enfiei os exemplares na parte da de trás da calça jeans, e passei pela portaria com a terrível sensação de que índio apache fugido de faroeste americano me dispararia flecha na bunda. Escapei ileso, mas o peso da culpa me mortificou durante algum tempo.

Os livros furtados: 1. ‘Fragmentos de Um Discurso Amoroso’, de Roland Barthes (1915-1980), que decifrei, com certa dificuldade cognitiva, admito, nos 3 meses seguintes. 2. Autobiografia de Romola Ninjinki (1891-1978), lido com voragem e avidez em menos de 24 horas. 

[A autora era bailarina aplicada por quem o atormentado Vaslav Nijinski (1889-1950), um dos maiores gênios da história da dança, teria se ‘apaixonado’. Papo furado. O grande amor de Nijinski foi, de fato, o empresário Serguei Diaghilev (1872-1929) – e no livro a esposa por conveniência liberta os demônios que lhe atravancaram a alma durante esse matrimônio insólito. Detalhe: à época ser viado era desgraça suprema – a propósito, até hoje, epicentro do apocalipse, ser viado não é para os fracos].