O mar não está pra banho: veja praias que se tornaram impróprias em menos de 10 anos

Uma delas só esteve própria em quatro de 215 semanas

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  • Thais Borges

Publicado em 18 de fevereiro de 2018 às 06:12

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Nos quase 30 anos em que a família Silveira manteve o ponto para vender acarajé na praia de Patamares, na Orla de Salvador, muita coisa mudou. As irmãs Jécica, 33 anos, e Geislane, 28, assumiram o posto da mãe como baianas e, dia após dia, têm visto o movimento na praia diminuir. “Caiu muito. Hoje tem bem menos gente e acredito que seja por esse mau cheiro, essa água suja”, opina Jécica. 

Pior que a situação não é apenas uma percepção das duas irmãs. Segundo um levantamento feito pela Escola de Dados a pedido do CORREIO, que analisou mais de 1,4 mil boletins de balneabilidade divulgados semanalmente pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), a Praia de Patamares é uma das mais impróprias de Salvador. No início do ano, a fedentina estava tão forte que assustava frequentadores. Na época, um problema na rede coletora fez com que o esgoto fosse despejado no Rio Jaguaribe, cuja foz fica na praia de Patamares. 

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Entre 2007 e 2009, Patamares sempre tinha bons resultados - em todas as medições, foi considerada adequada para banho. A partir de 2010, as coisas começaram a se inverter. Foi mudando tanto que, de 2014 para cá, de 215 semanas analisadas, somente em dez delas o mar de Patamares tinha condições de balneabilidade próprias - ou seja, pouco mais de 4,6% do total de semanas.  A praia de Armação só esteve própria em quatro semanas, desde 2014 (Foto: Marina Silva/CORREIO) Para ver uma mudança mais drástica, só na praia de Armação. Lá, de 215 semanas, só quatro indicaram praia própria para banho. Turista de Brasília, a funcionária pública Sílvia Campos, 44, costuma passar o verão em Salvador com a família. Ela vai à praia todos os dias - cada dia em uma da Orla. Na quinta-feira (15), estava na de Armação. “Não sabia que era uma praia imprópria, até porque não parece. A Paciência (no Rio Vermelho), que gosto muito, parece pior do que aqui. Agora, fiquei com um pouco de medinho, mesmo não tendo tido problema das outras vezes em que estive aqui”, conta. 

Banhistas A estudante Milena Bulhões, 17, também não sabia da situação em Armação. No fim da manhã de quinta-feira, ela ainda não tinha entrado no mar. “Estou pensando em não entrar, porque me disseram que a água está escura, parecendo suja”, diz a jovem, que mora em Jaguaquara, no Centro-Sul do estado.  A estudante Milena Bulhões achou a água de Armação 'escura' (Foto: Marina Silva/CORREIO) Em Patamares, o casal Ricardo, 52, e Virlena Romero, 50, também se mostrou surpreso com o fato de a praia ser uma das com registros de impróprias. Moradores do IAPI, os dois costumam frequentar a praia sempre que têm um tempinho livre. “Acho um absurdo que algumas praias tenham se tornado impróprias assim. Mas a gente sempre toma banho e nunca tivemos problema. É até estranho porque hoje mesmo a água está cristalina”, diz Ricardo.   Frequentadores de Patamares, Ricardo e Virlena Romero ficaram surpresos com a situação da praia (Foto: Marina Silva/CORREIO) O problema é que nem sempre a água do mar está assim - cristalina. As irmãs Jécica e Geislane Silveira, que estão trabalhando nas areias todos os dias, já se acostumaram a ver um mar escuro. “Agora, está aparecendo até cobra. Semana passada, uma quase picou uma criança”, diz Jécica. Tem gente que, ao chegar, logo decide ir embora. “Os clientes comentam do cheiro. Alguns vão embora minutos depois de chegar”, completa Geislane. 

Rios poluídos De fato, a situação nessas duas praias - Armação e Patamares - está ligada à poluição de dois rios: o das Pedras e o de Jaguaribe, respectivamente. Segundo o diretor de Águas do Inema, Eduardo Topázio, o Rio das Pedras influi diretamente na qualidade da praia da Boca do Rio, que é, de longe, a mais imprópria do estado. Desde 2008, ela não foi considerada adequada nem uma vez sequer. Só que a correnteza leva a água fluvial também em direção à praia vizinha, a de Armação.“O fluxo predominante dele de correnteza criou um relevo naquela área onde o impulso da água fluvial vai em direção ao Porto da Barra, mas não chega lá, obviamente. O impacto fica nas praias próximas”, diz Topázio.Já o Rio Jaguaribe tem fluxo em direção a Patamares - o que dificulta, por exemplo, o impacto ambiental nas praias de Piatã e Itapuã, por exemplo. Segundo ele, os dois são rios ‘extremamente’ poluídos e contaminados. 

De acordo com ele, o que piorou a condição dos rios nos últimos anos foi o crescimento desordenado e sem planejamento da capital, que sofre com a ocupação irregular, sem saneamento básico. “À medida que aumenta a densidade populacional, aumentam os dejetos, que é o que está acontecendo com o Rio Jaguaribe agora”.  A contaminação do Rio Jaguaribe é apontada como um dos principais fatores para a condição de 'imprópria' da para de Patamares (Foto: Marina Silva/CORREIO) Além disso, ele explica que, hoje, há mais rigor na forma como a coleta de amostras para balneabilidade é feita. Até 2011, não existia o Inema, mas sim o Instituto do Meio Ambiente (IMA). Naquela época, a coleta só era feita em tempos em que não havia chuva - que interfere na qualidade da água, tornando-a imprópria. Sem contar que, para ser considerada ‘própria’, a praia precisa ter cinco resultados positivos seguidos. 

Se for própria, depois imprópria e novamente própria, valerá o critério de imprópria. Isso tudo é medido a partir de uma amostra coletada na beira do mar. Nessa amostra, é observado se há mais de mil bactérias Escherichia coli por 100 ml. 

Patamares e Armação despencam em 10 anos
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Riscos Para o professor Asher Kiperstok, do Departamento de Engenharia Ambiental da Escola Politécnica da Ufba, o problema não é só da ocupação irregular, que é também uma questão de necessidade da população. Canais como o Central, na Avenida Centenário, por exemplo, são extremamente poluídos. Só que aquela região foi a primeira da cidade a ter saneamento básico, ainda na década de 1970. “A tecnologia para (solucionar) isso não tem nenhuma novidade: é a mesma desde o século XIX. É coletar o esgoto fecal porque os outros esgotos não têm carga patogênica e não levá-lo a locais onde possa ter contato com a população”, explica o professor Kiperstok. O diretor de águas do Inema, Eduardo Topázio, defende o saneamento básico, mas também que se respeitem os horários da coleta de lixo e que os cidadãos denunciem ligações clandestinas na rede de drenagem - isso pode ser feito através do telefone 0800 0555 195, da Embasa. 

Ao CORREIO, a empresa de saneamento informou que iniciou obras de ampliação do sistema de esgotamento sanitário (SES) de Salvador. Ao todo, a Embasa tem investido R$ 19,7 milhões “para garantir 23.193 pontos de acesso à rede pública coletora de esgoto para os imóveis da cidade de forma a acompanhar o crescimento da ocupação imobiliária na capital baiana”.

Segundo a empresa, as obras de adensamento aumentam a capilaridade da rede coletora, interligando imóveis ao sistema geral de coleta de esgotos, garantindo que os efluentes sanitários não sejam lançados no meio ambiente e na rede de drenagem de águas pluviais, cujo escoamento se dá em rios urbanos e praias. “Nos últimos dez anos, a Embasa investiu R$ 1,4 bilhão na ampliação e melhoria do SES de Salvador. O resultado foi um salto no índice de atendimento de 67% para 85%, tornando Salvador uma das capitais mais bem saneadas do país”, diz em nota. A Embasa ainda completa que enfrenta dificuldades devido ao crescimento desordenado da cidade e sua ocupação irregular, como destacou o diretor do Inema. Segundo a empresa, existem áreas habitadas onde é inviável que uma rede convencional de esgoto funcione de forma adequada. Essas áreas seriam fundo de vales, onde passam córregos ou rios que em tempo de chuva enchem e alagam, ou, ainda, áreas de encosta onde as construções não deixaram espaço para a implantação de redes coletoras de esgoto.

“Diante dessa realidade, a Embasa construiu várias captações em tempo seco nas saídas de rede de drenagem ou em rios e córregos poluídos por lixo e esgoto, para que essa carga poluente seja destinada ao sistema de esgotamento sanitário de Salvador. Quando não chove, as praias ficam limpas graças a esse serviço prestado pela Embasa. Quando chove, porém, essas captações transbordam e a sujeira das ruas e de esgotos clandestinos vai parar nas praias. Destacamos que o serviço de captação em tempo seco foge ao escopo do esgotamento sanitário, que consiste em coletar o esgoto dos imóveis e não de rios e córregos”, completam. 

Doenças Segundo Eduardo Topázio, do Inema, os riscos à população quanto à água imprópria são restritos à possibilidade de beber dessa água. No entanto, o infectologista Fábio Amorim, médico dos Hospitais Couto Maia e São Rafael e da Clínica Cehon, não recomenda o banho de mar nesses locais. 

“É indicado que se evite, ao máximo, o contato com essas águas porque trazem riscos tanto para a população quanto comumente a gente vê pessoas que levam animais para a praia”. Ele cita a possibilidade de contrair doenças que vão desde viroses gastrointestinais e quadros respiratórios a doenças de pele - infecções fúngicas e bacterianas.