O novo trabalho: empresas investem em programas para dar mais conforto aos colaboradores

Conheça a realidade de empresas com jornadas flexíveis

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 8 de novembro de 2020 às 16:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Nunca passou pela cabeça da engenheira de produção Clarissa Costa Amaral, 33 anos, conseguir realizar suas funções longe da unidade operacional. Entretanto, a gravidez durante a pandemia do novo coronavírus fez com que ela precisasse rever os seus conceitos e a estrutura que ela recebeu da empresa lhe permitiu trabalhar em segurança, sem perder produtividade. A chegada da covid-19 transformou irreversivelmente a realidade do mundo do trabalho. 

Um grande número de empresas brasileiras precisou adaptar as suas rotinas produtivas em virtude da pandemia. O objetivo de todas, obviamente, era o de proteger os colaboradores. Entretanto aquelas que já atuavam em regimes flexíveis ou que tinham planos para adotar formatos híbridos ou  100% à distância vêm alcançando resultados melhores. 

Muito além da possibilidade do home office, ações como o apoio emocional oferecido na pandemia estão entre as transformações que chegaram para ficar. O tipo de líder de que as empresas precisam também mudou irreversivelmente. A empatia substitui a ideia de controle.  

“Eu fiquei realmente surpresa. Imaginei que a gente iria ter alguma dificuldade. No início, claro, é necessário um tempo para se ajustar, mas a gente trabalha muito bem juntos”, conta Clarissa. Isso sem contar as 3h por dia que ela economiza por não ter que se deslocar de Salvador, onde vive, até a unidade da Braskem, em Camaçari. 

Na empresa do ramo petroquímico, a segunda edição da pesquisa interna Termômetro do Bem Estar, realizada em setembro, mostrou um nível bastante alto de aceitação. A pesquisa é anônima e teve um índice de resposta de quase 70% dos colaboradores. A avaliação para o trabalho em regime de flex office manteve-se positiva, seguindo a tendência apresentada no mês de maio. Uma das perguntas foi sobre produtividade, “Consigo me manter produtivo trabalhando de casa neste momento”, foi respondida positivamente por 76% das pessoas.

Além de não perceber nenhum tipo de perda de desempenho, Clarissa conta que em alguns aspectos houve melhoras. “No caso das reuniões, agora conseguimos cumprir horários. Antes tinha sempre alguém atrasando para começar ou tendo que sair mais cedo. Meu relacionamento com o pessoal da operação continua do mesmo modo, a gente conversa com vídeo, por telefone”, diz. 

Ela lembra que a empresa já tinha um projeto de flex, antes da pandemia. “A Braskem até incentivava a gente e já tinha um projeto de flex office, mas eu nunca imaginei que pudesse exercer minha atividade de casa”, lembra. “Foi uma surpresa muito positiva”, conta. 

Ela conta que o suporte recebido por parte da empresa para o trabalho remoto tem sido fundamental para o bom desempenho dela. “Eu não tinha a estrutura para trabalhar de forma ergonômica, então a empresa disponibilizou kits ergonomia, que foram uma mão na roda para a gente. Teve também diversos programas que foram lançados nesta época, como o Cuidando da Gente, que já teve até live de meditação, alimentação saudável e atividade física”, lembra. Clarissa recebeu um kit com cadeira, suporte para computador, mouse, teclado, mas a empresa oferece ainda outros itens, de acordo com as necessidades dos colaboradores. 

“A gente percebe que existe uma preocupação da empresa em nos ajudar a manter uma rotina saudável”, diz. Até um happy hour  virtual chegou a ser organizado na fábrica, lembra.“É fato que o momento atual provoca ansiedades e preocupações, mas quando a gente está numa empresa que se preocupa com nosso bem estar e que busca nos oferecer o suporte necessário, isso se torna mais fácil”, acredita. Adoção precoce Ana Luiza Salustino, gerente de Pessoas & Organização (P&O) da Braskem na Bahia lembra que a ideia de flexibilizar as jornadas de trabalho na empresa foi colocada em prática há dois anos. Hoje, mil pessoas aqui no estado estão em regime flex. “Seguindo uma tendência do mundo do trabalho, a gente começou a estruturar um programa para dar às pessoas a possibilidade de experimentar a prática do flex office”, lembra. À exceção da operação, que exige uma presença física, todas as outras funções tiveram a oportunidade de exercitar a flexibilidade de jornadas.  Ana Luiza lembra que Braskem lançou programa de flex home há dois anos (Foto: Divulgação) Segundo ela, o formato atual é uma tendência de futuro. “O resultado é impressionante, as pessoas estão se sentindo produtivas trabalhando de casa”, afirma. 

Para ela, essa experiência prévia permitiu uma migração mais tranquila no último mês de março. “A operação foi implementada de maneira muito mais rápida e muito mais fluida porque era algo que já vínhamos praticando, não integralmente como hoje, mas por exemplo já tínhamos todos os recursos necessários para fazer o processo funcionar”, lembra. 

Os principais gargalos tecnológicos que normalmente surgem numa mudança deste nível já tinham aparecido lá atrás. Ainda assim, a pandemia trouxe novos desafios.“Muitas questões como o apoio emocional, todo o suporte em treinamentos para o uso das ferramentas e ações para proporcionar saúde física foram desafios, mas nós não partimos do zero”, diz. Mesmo na área operacional, a empresa implementou uma série de mudanças. Equipes de engenharia, produção, manutenção e projetos estão trabalhando em sistemas de rodízios, reduzindo o contingente nas unidades de produção. “Estamos fazendo rodízios inclusive nas equipes de produção e as ferramentas estão ajudando demais neste processo”, afirma. 

Foram implementadas ferramentas de comunicação disponíveis no mercado e outras implementadas pela empresa, como o Check-in, que avalia como as pessoas estão chegando para trabalhar nas unidades da empresa ou como estão iniciando as jornadas em suas casas. 

Com a pandemia, a empresa criou uma plataforma chamada Cuidando da gente, em que se trata do bem estar físico, mental, social e apoio ao trabalho remoto. “A partir de uma pesquisa que a gente fez para monitorar o ambiente, vimos que a questão ergonômica era um desafio importante porque a pandemia se estendeu por muito mais tempo que o esperado. Uma das frentes de apoio ao trabalho remoto foi o kit ergonomia”, conta. Cadeira, suporte para notebook, teclado, mouse e um treinamento. A empresa produziu uma cartilha com dicas para a organização do espaço e acordos com a família, por exemplo. 

A preparação da liderança foi uma das etapas mais importantes do processo, lembra Ana. Outra iniciativa foi a contratação de uma empresa para oferecer apoio emocional com psicólogos a partir de um número 0800. 

Bem estar Com a necessidade do distanciamento social imposta pela pandemia do novo coronavírus, muitos trabalhadores se viram desafiados a se reinventarem, entre eles os professores, já que as aulas passaram a ser virtuais e o trabalho home office. Para ajudar seus colaboradores nesta fase de adaptação, a Unijorge promove uma série de ações práticas, como a disponibilização de equipamentos e treinamentos sobre diversos temas, como: ergonomia, gestão do tempo e ansiedade.“Atuamos rapidamente para dar condições de que o trabalho home office pudesse ser realizado por nossos colaboradores, inclusive disponibilizando computadores e equipamentos para vídeo-chamadas para quem não dispunha”, explica Daniela Andrade, diretora de Recursos Humanos da Unijorge.A instituição investiu fortemente também em tecnologia, não só para dar robustez à realização das aulas virtuais de todos os cursos, mas também continuar o atendimento dos alunos, bem como para prosseguir as rotinas administrativas. Foram realizados, ainda, treinamentos com fisioterapeutas sobre ergonomia a fim de que os colaboradores adaptassem a estrutura de suas casas para o desenvolvimento do trabalho remotamente.

Novo mundo Mais da metade das empresas brasileiras pretende manter o trabalho remoto, ainda que para uma parte do quadro de funcionários. Segundo a Pesquisa Gestão de Pessoas na Crise covid-19, elaborada pela pela Fundação Instituto de Administração (FIA), 34% das empresas pretendem continuar com até 25% do total de funcionários em home office, enquanto 29% pretendem manter pelo 50% do total trabalhando à distância. 

Em outra pesquisa realizada pela FIA, os profissionais em regime de trabalho remoto se mostraram satisfeitos com o desempenho alcançado durante a pandemia. Além disso,  70% disseram que gostariam de continuar trabalhando em home office depois da pandemia; 19%, que não gostariam; e 11%, que são indiferentes.

Um dos coordenadores do estudo, André Luiz Fischer, acredita que o isolamento, e o consequente trabalho em home office, serviram para destravar a migração do trabalho no escritório para a casa. “Foram quebradas várias barreiras cognitivas que dificultavam essa migração. Além disso, o isolamento provocou um aprendizado forçado e imediato de ferramentas que antes apenas conhecíamos como facilitadoras de conversas e encontros virtuais sociais. Tornaram-se instrumentos de trabalho e deram certo”, destacou.A pesquisa mostra ainda que, dos entrevistados, 94% consideram-se comprometidos com a empresa em que trabalham, indicando que a prática do home office não interferiu nessa avaliação. Para 71%, o trabalho em casa é percebido como uma possibilidade de aumentar a produtividade, precisão e qualidade; e 76% disseram concordar que o trabalho em home office é compatível com a convivência familiar.

Wladimir Martins, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos na Bahia (ABRH-Ba), acredita que a pandemia antecipou uma tendência que era esperada para o futuro. “Diante desse cenário, muitas empresas que resistiam ao home office experimentaram, mesmo que forçadamente. E isso trouxe uma outra visão em relação ao assunto”, acredita. “Há uma possibilidade de se reduzir custos, mas além disso, ao contrário do que muitos pensam, a maioria dos negócios acabou tendo aumentos de produtividade. Isso fez o mercado olhar com outros olhos”, acredita. Para ele, haverá modelos diferentes, de acordo com os negócios. “Veio para ficar sim, respeitando os parâmetros que cada negócio existe. Pelo menos um modelo híbrido vai acontecer”. Para ele, parte das dificuldades, principalmente para as menores empresas, diz respeito à questão da estrutura. “Ainda existe uma discussão sobre o que é obrigação da empresa oferecer para o trabalhador em home office”, diz. Segundo ele, há dúvidas em relação à aplicação das leis trabalhistas, que não preveem tudo. “Não existe uma clareza em relação às questões de segurança no trabalho, por exemplo. Mas eu acredito que se a empresa puder oferecer isso ao trabalhador, ela deve oferecer”, afirma.

A líder de treinamento e desenvolvimento de talentos da Consultoria LHH no Norte e Nordeste, Fabricia Faé, acredita que o mercado de trabalho não deverá voltar mais ao formato antigo. “As empresas já perceberam que existem muitos benefícios no trabalho remoto e as pessoas também gostam desse novo formato”, acredita. “Eu não consigo mais imaginar um formato que não seja híbrido. Pode ser mais home ou mais presencial, rodízio ou outros formatos, a depender das atividades, mas já ficou claro que não precisa ser tudo no escritório”, avalia. 

Ela explica que existe uma grande preocupação por parte das empresas no sentido de fazer o modelo funcionar. “Muitas empresas se preocuparam no primeiro momento em montar uma estrutura adequada para o trabalho à distância, inclusive com o envio de equipamentos. Agora elas estão entrando em outro estágio que é o de estimular as pessoas a criarem as habilidades necessárias para trabalhar bem remotamente”, diz. 

Lideranças A implantação de jornadas flexíveis de trabalho vai depender da capacidade de adaptação dos líderes. Cada vez mais, a figura do chefe controlador deverá perder espaço para um outro perfil, caracterizado pela confiança e pela capacidade de apoiar os trabalhadores.  Antes mesmo da pandemia, a PwC, empresa de auditoria e consultoria, percebeu que havia espaço para uma rotina de trabalho mais flexível. Há cinco anos, a empresa passou a permitir que os colaboradores desenvolvessem suas atividades em determinados dias da semana longe do ambiente do escritório. 

Os resultados forma bons, mas foi necessário superar algumas desconfianças, lembra Luciano Sampaio, sócio-líder da PwC Brasil no Nordeste. “Tinha um pouco de uma visão equivocada, que foi superada há muito tempo, de que a pessoa que não estava no escritório não estava trabalhando”, lembra. “Com o tempo, percebeu-se que este não era um problema real porque as pessoas entregavam o que deveria ser entregue no final do dia”, lembra. 

Segundo ele, por ter começado esse processo antes da pandemia, quando o trabalho remoto passou a ser a única alternativa, a empresa tirou de letra. “Durante a pandemia, eu consegui apresentar propostas para clientes, fazer novos contratos, contratamos novos profissionais, fizemos o nosso trabalho todo à distância”, lembra. 

Fabricia Faé, líder de treinamento e desenvolvimento de talentos da Consultoria LHH no Norte e Nordeste,  acredita que os resultados obtidos pelas empresas com a flexibilização das rotinas de trabalho varia de acordo com a preparação delas para o momento, mas principalmente em função da cultura desenvolvida por elas. “A forma como as pessoas estão se respeitando no ambiente virtual é fundamental para um bom resultado. Tanto a própria pessoa saber colocar um limite na rotina, tem o complicador de lidar com a rotina escolar dos filhos em casa, mas também com a maneira como as lideranças estão conduzindo os processos”, avalia. 

Ela acredita que as lideranças precisam se adaptar para respeitar o novo formato de trabalho. “As vezes as pessoas aceitam mais a carga de trabalho porque acham que assim estarão se ocupando, mas isto não ajuda a ter produtividade”, diz. “Se a gente se organizar bem, temos mais tempo para a vida pessoal, passando menos tempo em trânsito”, lembra. “Agora se temos uma agenda totalmente sobrecarregada, acaba sendo complicado”. 

Um dos maiores desafios das empresas é o de apoiar os trabalhadores a serem “gestores de si mesmos”, diz Fabricia. “Estamos acostumados à liderança de comando e controle, onde o chefe vigia o subordinado. Isso não é mais possível”, acredita. 

Outra mudança dos novos tempos é a necessidade de criar protocolos de convivência. O cachorro latiu no meio da reunião? Pede um tempinho aos outros presentes ou coloca o microfone no mudo, caso não esteja falando no momento. Às vezes o filho resolve aparecer na reunião. “Meu gato começou a miar no meio de uma reunião, eu coloquei ele na tela e isso deu um outro clima”, lembra. “O home office dá mais flexibilidade para o trabalhador. A gente acredita que o trabalho deve ser medido pelo que é entregue e não pelo tempo que se leva dentro do trabalho. Se o trabalhador entrega o que precisa entregar, não importa se ele fez em quatro ou em oito horas”, acredita. Ele recomenda cuidados em relação à possibilidade de uma excessiva carga de trabalho, que pode ocasionar o chamado estresse tecnológico. 

“Para mim é fundamental que se trabalhem as lideranças. Ainda hoje existem aqueles que estão preocupados com o controle e que não deixam as pessoas trabalhar. E tem os que só se preocupam em obter resultados, custe o que custar para a saúde das pessoas”, diz. 

Os desafios impostos pela pandemia reforçaram a importância das empresas cuidarem da saúde física e mental dos seus colaboradores. Além da adoção de medidas preventivas, as organizações estão cada vez mais atentas ao bem-estar dos funcionários. A psicóloga Sônia Cotrim, gerente de gestão de pessoas da S.O.S. Vida, destaca que essa medida traz benefícios, como "aumento da produtividade, diminuição do absenteísmo, colaboradores mais engajados e felizes e consequentemente melhoria dos resultados para a empresa". "O cuidado com o bem-estar do colaborador é fundamental e isso pode ser feito por meio de iniciativas simples, como desenvolver nas lideranças a cultura da empatia e a promoção de um ambiente de confiança junto a equipe através de conversas abertas e do acolhimento. No atual momento, onde muitas empresas estão trabalhando remotamente, os líderes e a equipe em geral precisam exercitar a compaixão e se colocar no lugar do outro para entender a realidade individual de cada integrante", pondera.