O planeta girando solitário no Google Earth

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  • Da Redação

Publicado em 25 de abril de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Antes de sair porta afora na Estação Santa Lucia, temi por meu destino. Por improvável que fosse, “o coração parar agora”. No comboio entre Roma e Veneza, ouvindo Tracey Thorn cantar One Place. O espanto que me move diante de toda beleza. Feito o menino do conto de Eduardo Galeano – sem ter a quem pedir: me ensina a ver? E bem ali, ao alcance dos olhos, a velha cidade submersa.

O sol de Verão fulgia nas águas verdes dos canais, sobre sedimentos de óleo deixados pelos navios de cruzeiro. Cinema de vertigem na viagem. Na Praça de São Marcos, uma miríade de pássaros. Gaivotas em voos rasantes sobre as cabeças dos turistas. Trilha sonora de orquestra na varanda do restaurante de calamares. Achar o rumo. Calle Lunga Santa Maria Formosa. A livraria mais bonita do mundo.

Gôndolas repletas de livros e gatos adormecidos nas estantes. Pelo chão empoeirado dos corredores, outros tantos se espreguiçam. Achar o rumo. O caminho, tantas vezes ensaiado, um ponto qualquer no mapa do desejo, o planeta girando solitário no Google Earth. Becos estreitos, em nada semelhantes às ruas que atravessamos em nossa cidade, pequenas pontes sobre o Grande Canal.

Degraus em arco na Degli Scalzi, e as meninas repousando do calor escaldante na escadaria. O mercado ruidoso de lojistas e ambulantes. Postais da Ponte dos Suspiros, Pinóquio em imãs de geladeira, máscaras do carnaval veneziano nas vitrines. E a volta, tarde da noite, para Roma. No último comboio, Lou Reed nos ouvidos. Vicious. Silêncio de ouvir os próprios passos na Estação Termini.

De vez em quando, pego esses atalhos em minha playlist mnemônica. Feito o menino no conto de Eduardo Galeano sem ter quem lhe ensine. O espanto que me move diante da feiura do mundo. Fecho meus olhos e eles se voltam para dentro. Quase escuto o sussurro dos monumentos, sempre puxando assunto. Quase enxergo a poesia das coisas. A Lua Cheia no terraço em Trastevere. Aquela ilusão alegre de futuro.