O porquinho somos nozes

Mas o que é a lama senão matéria orgânica da nossa própria existência?

  • D
  • Da Redação

Publicado em 2 de janeiro de 2022 às 13:00

- Atualizado há um ano

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Diz que Ano Novo tem que comer porco, né? Que porco fuça para frente e para a frente é que se anda; que a imagem corpulenta do porco é abastança; que é por isso que o cofrinho “dar nica’” de nossas infâncias tem formato de porco, e coisas que tais.

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Mas vamos fuçar, puxar a ficha do porco para entender finalmente qual é o caso, qual é o fundamento desta tradição? Porque fundamento sempre tem, ainda que muito tênue a linha, ainda que mitológica. Ou vai dizer que Mitologia não tem fundamento? Vai bater de frente com Jung e dizer que não? Não vai. Melhor não. Isso vai dar um trabaaaaalho! Até porque a lua da virada está minguante, e a palavra de ordem depois desse ano do cão é pre-gui-ça. Ame-a, enlace-a, aceite-a que dói bem menos, na delícia.

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Eu tenho pra mim que era assim: desde o mundo antigo, de gregos e troianos, já tinha deusa Porca da fertilidade, porque tudo era símbolo, principalmente bicho. E devia ser muito fácil (não vamos complicar as coisas) associar a imagem de uma porca, em toda a sua corpulência, e redondeza, e força, e abastança, à fertilidade. E como tudo o que é fértil é também auspicioso, e inspira abundância, prosperidade e riqueza, o porquinho e o javali continuaram fazendo boa reputação civilizações adiante, imprimindo a sua imagem em brasões e bandeiras celtas, hindus, tibetanas, japonesas, chinesas e anglo-saxônicas como símbolo de bravura, dignidade, poder espiritual, proteção e até altruísmo.

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Quem não acessa na memória a imagem de um banquete medieval com um leitão inteiro ao centro da mesa mordendo a maçã? Riqueza! Opulência! Inshalá!

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Até mesmo para os budistas, que consideravam o porco como símbolo de ignorância, ainda assim havia ali um significado auspicioso de oportunidade de ascenção e crescimento espiritual, de busca pela iluminação.

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Apenas entre os judeus, islâmicos e católicos o pobre do porco nunca gozou de boa reputação, sendo considerado impuro e proibido nas dietas dos dois primeiros.

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Mas foram os católicos que chegaram ao extremo de associá-los à maldade, à crueldade suprema, à selvageria, comparando inclusive as suas pegadas às de Satanás (...). Colocaram ainda no pacote a ganância, a luxúria, a gula, e a toda sorte de pecados e sentimentos vis, atirando à “sujeira” da lama as suas próprias sombras, enquanto pregam até hoje a parábola bíblica de (não) “lançar pérolas aos porcos”. Mas o que é a lama senão matéria orgânica da nossa própria existência? Não deveriam os porcos ilustrar também as suas bandeiras como símbolo de aceitação da verdadeira natureza humana? Mas a Igreja não seria capaz, convenhamos.

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E quanto a nós brasileiras e brasileiros, obrigatoriamente batizados pela coroa portuguesa, com cruzes católicas queimando em nossas testas índias e mais tarde afro-descendentes? O que fazemos na ceia de Réveillon?

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Cagamos. Cagamos porque não somos otários, porque aprendemos a ler na senzala, resistimos, nos insubordinamos, respeitamos a lama de Nanã Buruquê, e a gente não quer nem saber se o pato é macho, digo, se o porco é macho. A gente quer dindim na crise. A gente quer viver com dignidade, e se diz que porco é abundância e prosperidade venha com esse pernil, mainha!

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Afinal, é para isso que serve a Mitologia, as superstições, as simbologias... para nos inspirar a vibrar o que queremos e merecemos, porque o porquinho, amor, somos nozes.

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Feliz Ano Novo!

///PERNIL SUÍNO MARINADO COM FAROFA DE NOZES Foto: Reprodução O segredo de um pernil suíno sucesso é a sua marinada rica e longa, de pelo menos 12 horas. Também prefiro pernil com osso, pois é sabido, são mais saborosos.

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Tempera-se a peça com sal e pimenta do reino moídos na hora, alho (picado envolvendo a peça e alguns dentes inteiros enfiados na carne), salsão, poró, cebola roxa; louro, alecrim e tomilho frescos; suco de limão e vinho branco seco. Comporte tudo num saco de maneira que o pernil esteja completamente envolto na vinha d’alho. Deixe marinar na paz por, pelo menos, 12 horas na geladeira antes de assar. Segredo de pernil suíno sucesso é a sua marinada rica e longa, de pelo menos 12 horas (Foto: Reprodução) Na hora de assar, aqueça bastante o forno. Enquanto isso, escolha uma forma proporcional ao tamanho da peça (para que o líquido não se disperse e resseque), regue o fundo da forma com oliva, deite a peça, e cubra com a marinada coada (para que os ingredientes não queimem). É importante manter o fundo da assadeira com líquido até o final da cocção, que pode ser adição de água, e vá regando sempre. Na primeira etapa, a peça deve estar coberta com papel alumínio para uma espécie de cozimento prévio; depois retira-se o papel para começar a assar a peça de fato. É nessa hora que pode-se acrescentar maçãs e/ou batatas ao fundo da forma para que assem e caramelizem ali, absorvendo a marinada e a gordura do pernil, ficando coradas e lindas o suficiente para comporem o prato.

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O resto é o ponto certo com cocção satisfatória por dentro e uma crosta tostada sem perder a suculência jamais!

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Na hora de servir, retire a peça, disponha numa bandeja bem linda, cubra com o molho do fundo de forma, decore com frutas e o que mais der na telha. Fica maravilhoso com chutney, pão bom, e farofa de nozes.

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FAROFA DE NOZES

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Rale cebola branca numa frigideira, some manteiga e deixe dourar. Agora misture uma parte de farinha de mandioca para meia de xerém de nozes e vá tostando até ficar crocante. Acerte o sal.

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FIM

Kátia Najara é cozinheira e empreendedora criativa do @piteu_cozinhafetiva