O que se sabe sobre o atentado contra Salman Rushdie, escritor esfaqueado em palestra

Jurado de morte pelo Islã, autor está internado; veja lista com 6 livros essenciais dele

Publicado em 13 de agosto de 2022 às 07:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Reprodução/GloboNews

O escritor anglo-indiano Salman Rushdie, 75 anos, é um defensor da diversidade, do respeito às diferenças e do pluralismo cultural, rejeitando a ideia de que a identidade de um indivíduo é simples, rígida e moldada naturalmente por preconceitos e crenças religiosas. "As pessoas são plurais e contraditórias. O ser humano muda o tempo todo. Quem nós somos com nossos filhos não é quem somos com nossos chefes. Mudamos de acordo com as circunstâncias, temos múltiplas identidades", afirmou ele, em 2014, no Teatro Castro Alves, em palestra pelo Fronteiras do Pensamento. 

Em Salvador, 8 anos atrás, o TCA ficou lotado de gente encantada pela sensatez e lucidez das palavras do autor que, nesta sexta-feira, 12, em outra palestra, dessa vez em Nova York (EUA), sequer teve a chance de defender suas ideias diante do público que esperava para ouvi-lo em um evento beneficente no Chautauqua Institution. Rushdie foi atacado com diversas facadas - entre 10 e 15, no mínimo, segundo a imprensa estrangeira - por um jovem de 24 anos que subiu ao palco enquanto ele ainda era apresentado pelo mestre de cerimônias. 

Até o final da noite de sexta, o escritor passava por múltiplas cirurgias, mas de acordo com seus agentes, o caso dele era muito sério e seus ferimentos gravíssimos. Ele respirava por aparelhos e corria o risco de perder um dos olhos. O autor também teve os nervos do braço e o fígado atingidos e não podia falar. Ironia cruel para alguém com tanto a dizer.

Salman Rushdie foi esfaqueado por Hadi Matar, morador de New Jersey, que entrou no evento com um casaco escondendo roupas de camuflagem e a faca usada no crime. O rapaz foi preso na própria sexta. Enquanto Rushdie era levado para o hospital às pressas, de helicóptero, uma das facadas atingiu seu pescoço e ele sangrava muito, a polícia de Nova York cercava a rua onde Matar morava. 

A motivação do atentado ao autor também não foi esclarecida até o final da noite de sexta, mas a polícia trabalha com a possibilidade de Haidi Matar ser um simpatizante do regime iraniano. 

O Irã condenou Salman Rushdie à morte desde 1989, após a publicação do romance mais famoso do escritor, 'Os versos satânicos', que foi considerado blasfemo pelo então líder político e religioso do país na época, o aiatolá Khomeini. 

Por ser de uma família anglo-indiana muçulmana, Rushdie foi considerado apóstata, alguém que renegou a fé no Islã, e, por isso, de acordo com a fatwa determinada por Khomeini, quem o matasse em nome de Alá sequer seria punido.

Fatwa é um tipo de decreto religioso proferido por uma autoridade muçulmana, geralmente um mufti [um tipo de acadêmico especializado no Alcorão, o livro sagrado do Islã], mas que funciona como uma recomendação que o fiel até pode desconsiderar, se assim desejar.

No caso de Salman Rushdie e devido ao fato de Os versos satânicos ser considerado um livro herético, a fatwa teve o peso de sentença de morte.

Por mais de 30 anos, Salman Rushdie viveu sob proteção policial para que não acontecesse  o que ocorreu no palco do Chautauqua Institution.

Literatura e Política

No mesmo Fronteiras do Pensamento, Rushdie defendeu que a literatura atual não pode mais se descolar da política, no sentido mais amplo dado à palavra e que vai além de eleições. Ao defender a pluralidade em um mundo cada vez mais rígido e intolerante, o escritor libertário, fazia política, mesmo arriscando a vida.

A condenação dele por Khomeini tem implicações políticas, porque o Irã é uma teocracia, onde governo e religião são a mesma coisa.

Os versos satânicos é uma alegoria que mescla as histórias de dois atores indianos com passagens da vida de Maomé. O que selou a condenação do autor, aos olhos do Islã, foi ele insinuar no livro que o profeta  máximo dos muçulmanos teria sido enganado  e que alguns versos do Alcorão foram ditados não por anjos, mas pelo demônio para o fundador de uma das três maiores religiões do mundo.

O presidente iraniano Mohammad Khatami chegou a anunciar em 1998 que seu país não apoiava mais a fatwa, mas foi desmentido por religiosos. Nem todos os muçulmanos, inclusive, concordam com a sentença, mas um grupo mais radical persegue tanto Salman Rushdie, quanto qualquer pessoa envolvida na publicação de Os versos satânicos. Um tradutor da versão em japonês do livro foi assassinado anos atrás e outros dois tradutores sofreram atentados. O próprio Rushdie já escapou ileso de tentativas anteriores de matá-lo. Salman Rushdie tem 75 anos e é autor de 12 romances (Foto: Eliza Griffiths/Divulgação) Quem é - Salman Rushdie nasceu na Índia,  em  19 de junho de 1947, quando o país ainda era dominado pelos britânicos, em uma  família muçulmana. Escritor e ensaísta, se mudou para a Inglaterra para estudar em Cambridge. Membro da Real Sociedade Literária, é um dos autores mais importantes de sua geração e já publicou  12 romances. No Brasil, a Companhia das Letras edita suas obras.

Seis leituras essenciais de Salman Rushdie:

1. O  último suspiro do Mouro  (Cia das Letras, R$ 37,55). O  protagonista da história é um herói em cujas veias corre sangue português, judeu, árabe e indiano. O livro defende o pluralismo e a tolerância, dois temas caros ao autor;  2. Os versos satânicos (Cia das Letras, R$ 54.90). Esse é o livro mais famoso de Rushdie. Conta a história de 2 atores indianos que sobrevivem à explosão de uma bomba no avião onde viajavam e caem do céu na Londres da era Thatcher. Após o acidente, um dos atores, Saladim Chamcha, transforma-se em um demônio com cascos e chifre; enquanto o outro, Gibrel Farishta, ganha auréola e asas e vira um anjo. O livro discute dilemas da identidade de forma  filosófica, já que os protagonistas buscam encontrar seus lugares no mundo;   

3. O chão que ela pisa  (Cia das Letras, R$ 74,00). Nesse romance, o autor reencena o mito clássico de Orfeu e Eurídice, onde um homem precisa descer ao inferno para resgatar sua amada, mas costurando tudo com elementos da cultura pop. No caso desse inferno do livro, trata-se da vida desregrada das celebridades, já que a história se passa no mundo da música e é marcada por um triângulo amoroso, um astro do rock viciado em heroína e um amigo de infância que tenta salvar a mulher que ama de um relacionamento abusivo;

4. Oriente-Ocidente  (Cia das Letras, R$ 39,90). O livro reúne nove  contos em que o autor passa à limpo a história do conflito cultural e social entre o ocidente e oriente. Assim, Rushdie revê a 'descoberta' da América, a própria dominação britânica sobre a Índia e personagens como o escritor William Shakespeare sob uma perpectiva burlesca e com histórias alternativas, como se fossem um 'lado b' da historiografia oficial;

5. Os filhos da meia-noite  (Cia das Letras, R$ 65,00). Utilizando o realismo fantástico como recurso narrativo, esse romance fala da Índia moderna e de seus conflitos sociais e culturais;

6. Haroun e o mar de histórias (Cia das Letras, R$ 37,90). Conto de fadas infanto-juvenil sobre inspiração, criatividade e persistência. Um famoso contador de histórias conhecido como Xá do Blá Blá Blá é raptado e seu filho, Haroun, parte em uma grande jornada para resgatá-lo e para isso, precisa chegar ao Mar de Histórias, onde jorra 'a fonte inesgotável das ideias'. Sem o Xá do Blá Blá Blá, as histórias correm o risco de desaparecer, tornando o mundo um lugar mais sombrio. Esse livro tem uma continuação chamado Luka e o fogo da vida, cujo protagonista é o filho mais novo do Xá do Blá Blá Blá e que também vale muito ser lido por crianças e por adultos.