O relógio marca: é tempo de acréscimos

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  • Paulo Leandro

Publicado em 29 de abril de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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... e então as rivalidades diluíram-se como a boa manteiga de garrafa; todas as torcidas uniram-se contra um só adversário: o coronavírus. Perdeu-se o sentido de zoar com o outro pois a brevidade da vida, como um dia escreveu Sêneca, está na cabeça de geral.

A crônica esportiva perdeu parte valiosa de sua essência, sem a qual altera sua substância: o princípio de atualidade. Faz pena ver nossos renomados profissionais em busca de uma pautinha pelo amor de deus, num deserto total de opções.

Não há jogos, não há treinos, as torcidas estão em suas tocas, do leão ou não, enquanto o adversário avança, ceifando vidas, independentemente das cores às quais eram afeiçoados os mortos quando a bola doava sentido a cada um de nós.

A dor e o sofrimento vão ensinando, da forma mais difícil, como teria sido melhor nosso convívio, quando podíamos nos irmanar, indo aos estádios, curtindo os ídolos, sem precisar odiar um ao outro.

Agora, talvez, a cada morte brutal por falta de ar, possamos entender a importância do outro, do divergente, quem sabe uma luz acenda nas nossas mentes para perceber como a existência só é possível na oposição de quem está vivo, mas a finitude espreita.

Toda esta tristeza e amargura de hoje colorem um tom plúmbeo em um texto curiosamente apresentado por mim, muito provavelmente o único e o último, no Seminário de Graduação dos estudantes de filosofia da Ufba, coordenado pelo querido professor Jarlee.

Defendi, apaixonado pela leitura de Sêneca, o nosso único troféu de campeão. O tempo é tudo o que temos: a disseminação do coronavírus, em uma população de pouca capacidade cognitiva e um Estado omisso, amplia esta sensação.

O enfrentamento da vida está relacionado aos chamados ‘incorporais’, na denominação dos estoicos, team do qual Sêneca era um dos expoentes, aí pela virada da era cristã.

O tempo, o vazio, o lugar e o significado são os incorporais num mundo onde tudo o mais é corpóreo, incluindo o minúsculo, invisível e até então invencível coronavírus, matador mais implacável que André, Beijoca, e César Maluco, do Palmeiras.

Esta premissa de  Sêneca, no texto ‘Sobre a brevidade da vida’, em conteúdo dirigido ao servidor público Paulino, produz reflexões sobre como se pode tirar proveito da existência, conduzindo nossas ações com temperança, chamada sofrosine pelos gregos da Antiguidade clássica.

Agora, com um inimigo mais leve em relação ao ar e capaz de abrigar-se na roupa, na mucosa nasal ou na tecla de comando do elevador ou mesmo do teclado onde escrevo agora, este matador torna-se ainda mais cruel, um gladiador impiedoso.

O preenchimento do tempo de viver pode produzir a boa sensação de suficiência. Sêneca alerta. Ao nos dedicarmos prioritariamente a projetos de acúmulo de capital ou propriedade, prestígio social e poder, desperdiçamos a maior das riquezas: o tempo.

Agora, então com uma doença velozmente letal e de contágio difícil de marcar, homem a vírus, ou por zona, o tempo para viver torna-se ainda mais valioso pois não sei sequer se terminarei este texto, a última crônica, caso comece a manifestar, nesta penúltima linha, os sintomas até então escondidos à trairagem do serzinho maligno...

Só o que temos é o tempo, como diziam os narradores: “... o relógio marca...” A virada no marcador vai exigir união de todas as torcidas, uso de máscaras, lavar as mãos, até a descoberta da vacina pelos craques cientistas. Só então, a bola voltará a nos encantar, e teremos aprendido a lição de tirarmos maior proveito do tempo, sem desperdiçá-lo nem um segundinho sequer.

Paulo Leandro é jornalista e professor doutor em Cultura e Sociedade