O rock ainda pulsa? Nos 40 anos do 'BRock', músicos e produtores refletem sobre o gênero

Em baixa no mercado fonográfico, surgimento de 'sucessores' de bandas como Paralamas do Sucesso parece improvável; na Bahia, Cascadura se despede após três décadas

Publicado em 13 de agosto de 2022 às 06:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Mauricio Valladares/divulgação
Dos mais importantes nomes do rock atual, Pitty começou na Inkoma por Sora Maia/divulgação

O ano era o agora longínquo 1982. O Brasil ainda vivia tempos de repressão da ditadura, mas o Rio de Janeiro fervilhava. De dia, jovens da classe média carioca se reuniam nas areias quentes da praia. De noite, iam ao Circo Voador assistir a shows de João Penca e seus Miquinhos Amestrados e Gang 90 & Os Absurdetes. A Rádio Fluminense (conhecida depois como A Maldita) decidiu, em março do mesmo ano, tocar apenas rock and roll, divulgando os artistas da cena que se formava. 

A partir daí e por toda a década, bandas como Blitz, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Rádio Táxi, Capital Inicial, RPM, Barão Vermelho, Ultraje a Rigor, Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii, só para citar algumas, passaram a dominar a indústria musical. No Programa Silvio Santos, donas de casa gritavam, a plenos pulmões: “Bichos escrotos saiam dos esgotos”, quando um certo “conjunto musical” de nome Titãs se apresentava. No Chacrinha, meninas balançavam pompons ao som de “Eu fui dar, mamãe…”, refrão da música ‘Serão extra’, do Dr. Silvana. 

Com letras menos espalhafatosas, Os Paralamas do Sucesso ajudaram a moldar o que ficou conhecido como BRock, que em 2022 completa 40 anos. Assim como o gênero musical, a banda formada por Herbert Vianna (vocal e guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria) também conta quatro décadas em atividade. “Somos representantes do rock brasileiro, cuja safra dos anos 80 colocou o gênero definitivamente na música brasileira. O momento social e político permitiu que o rock representasse a tão sonhada liberdade de expressão, chegando a ter um efeito comercialmente significativo - para muitas bandas e artistas”, analisa Barone, 60, em entrevista ao Correio*.    Por aqui, estão agendados dois shows da turnê ‘Paralamas Clássicos’, um prensadão com os grandes sucessos do trio, como ‘Óculos’, ‘Cinema mudo’, ‘Alagados’, ‘Ela disse adeus’, entre outros. As apresentações serão dia 27 de agosto, no Festival de Inverno Bahia, em Vitória da Conquista; e 09 de outubro, na Concha Acústica, em Salvador. “Vamos chegar aí tinindo. Vai ser lindo reencontrar nosso público na Bahia”, garante Barone. 

Dez anos mais nova, os baianos da Cascadura também têm motivos para comemorar. São 30 anos na estrada: desses, 23 de trabalho contínuo (e árduo). Ao lado de bandas como Úteros em Fúria, Dead Billies, Inkoma (primeira banda de Pitty), Lisergia, Dois Sapos e Meio, Injúria, brincando de deus, The Honkers, entre outras, o grupo movimentou a cena rock na Bahia, do período que compreende entre os anos de 1990 até pouco mais da primeira década de 2000.  Os baianos da Cascadura também têm motivos para comemorar: são 30 anos na estrada, desses, 23 de trabalho contínuo (Foto: Ricardo Ferro/Divulgação) Sertanejo e mais sertanejo Os shows em comemoração ao aniversário da Cascadura começaram na semana passada, em Feira de Santana, com casa lotada. Neste sábado (13), a banda se apresenta no Largo da Tieta, Pelourinho, junto com a Meus Amigos Estão Velhos. Os ingressos já estão esgotados. Para os outros fãs não ficarem de fora da festa, o grupo liderado por Fábio Cascadura, 52, abriu mais uma data, domingo (14), quando se apresenta com a Vivendo do Ócio. Também está programado show em São Paulo, em 18 de agosto. “O saldo de nossa aventura no mundo da música é a existência de uma comunidade que se enxerga em nossas canções. Eu não troco isso por nada”, ressalta Fábio, que mora atualmente no Canadá e veio ao Brasil para as celebrações.  Formada por músicos das antigas, Meus Amigos Estão Velhos abre o show da Cascadura, neste sábado, no Pelourinho (Foto: Duane Carvalho/Divulgação) Diante de bandas com carreiras longevas e profícuas como Paralamas e Cascadura, é até heresia dizer que o rock morreu, como vez ou outra sugerem. Ainda mais se considerarmos, numa perspectiva internacional, acontecimentos atuais, a exemplo da volta de grupos icônicos que estavam parados, como Pavement e Rage Against the Machine; a série Stranger Things ter apresentado para a nova geração Kate Bush e Metallica; e o lançamento de cinebiografias de estrelas do rock como Elton John, Queen e, mais recentemente, Elvis Presley. Símbolo de antepassados rebeldes e contestadores, bem se vê que o gênero continua por aí. Mas, fato é que ele não faz tanto a cabeça do pessoal da geração Tik Tok e Instagram.  Vivendo do Ócio também se apresenta com a Cascadura, só que nesse domingo, no Largo da Tieta, Pelourinho (Foto: David Campbell/Divulgação) Uma das principais plataformas de streaming, o Spotify divulgou que os cinco gêneros mais ouvidos no Brasil, no ano passado, foram, nessa ordem: sertanejo pop, sertanejo universitário, sertanejo, funk carioca e pop. Em uma escala mundial, só dá pop e rap. A partir desse cenário, nos questionamos: afinal, o que está acontecendo com o rock? O jovem atual está mais comportado? Roqueiros e dancinhas são incompatíveis? O rock está diluído em outros estilos musicais? O rock não se renovou? Ou tudo isso? Ou nada disso?

Convidamos músicos e produtores baianos de gerações diferentes para responder a essas perguntas perturbadoras. João Barone, baterista dos Paralamas do Sucesso, adianta: “O mundo mudou muito e a música popular atual continua sendo um reflexo da nossa sociedade. O rock está onde sempre esteve. Compará-lo  com outros fenômenos populares é um erro”.

ATIVIDADE

Eu acho que o rock não vai morrer, mas  já não é protagonista e acho que só alcança protagonismo entendendo melhor essa geração ou estimulando essa geração a fazer o rock do seu tempo. Essa impressão que a gente tem que o rock tá muito atrás é que outros estilos estão dialogando melhor com essa juventude, mas sigo animado e apostando nele. Continuamos com um monte de banda em atividade, fazendo show, lançando discos, clipes, acho que isso mostra que o rock tá bem vivo!

Joilson Santos, 42, é produtor cultural. Produz os festivais Feira Noise e Dopesmoke, em Feira de Santana, e é responsável pelo selo Banana Atômica. @feiranoisefestival. Joilson Santos produz os festivais Feira Noise e Dopesmoke, em Feira de Santana (Foto: Rafael Santos/Divulgação) IRREVERÊNCIA

Eu frequento o rock até hoje, com menos constância por conta do tempo, do trabalho, das responsabilidades, da faculdade, que voltei, essas coisas. Mas, o rock não morre, é um modo de encarar a vida, de fazer arte, de viver, tem a ver com irreverência, bom humor e transformação. É uma forma de enfrentar a dureza e as injustiças da vida. Tem esses caras velhos que celebram a morte e ficam botando regra e limite. O rock não tem limite. 

Sora Maia é fotógrafa do Correio*. Lançou a exposição virtual ‘Virando o Tabuleiro – O Rock que eu Vi’, no Instagram e Facebook. São cerca de 40 fotografias realizadas entre os anos de 1993 e 2003, que retratam shows, artistas e público que ocuparam lugares hoje extintos de Salvador, como Casablanca, Calypso Heineken Station, Havana, Santana, Hotel Pelourinho, New Florida e Sabor da Terra. @virandootabuleiro Sora Maia registrou várias bandas do rock baiano, ao longo dos anos 90 e 2000 (Autorretrato) DILUIÇÃO

Da década de 1960 até os anos 2000, o rock tinha um lugar de destaque muito forte na mídia, de maneira geral, e na cultura pop e isso mudou. Acho que foi uma mudança natural. Tinha que se dar mesmo. Estamos num contexto complexo que é difícil delimitar onde começa e onde termina um gênero musical. Acho que o rock hoje está diluído na música, no sentido que muita coisa carrega herança de rock, de uma maneira às vezes sutil, às vezes não tão sutil, mas absolutamente forte. Está permeado em produções pop, tanto em sample quanto em ritmos e melodias, timbres, tipo Willow (Smith), Olivia Rodrigo, coisas pop-punk anos 90-2000, guitarras com clara influência de subgênero do rock. 

Felipe Vaqueiro, 24, é vocalista E guitarrista da banda Tangolo Mangos. @tangolomangos Vocalista da Tangolo Mangos, Felipe Vaqueiro é a nova cara do rock baiano (Ric Viana/divulgação) FORÇA

O rock pode não estar naquele auge de outros tempos, mas tem uma força que está presente sempre. Inclusive, vários artistas do pop, como Anitta e Olivia Rodrigo, lançaram recentemente músicas de rock punk muito semelhantes às que se faziam antigamente. E temos também artistas de rock, como Miley Cyrus e (a banda) Jovem Dionísio, que tem o rock indie bem forte. Minha galera curte demais!

Cacá Magalhães, 16, é cantora e compositora. Ela faz show neste sábado (13), às 20h, no espaço Colaboraê (Rio Vermelho). Ingressos a R$ 35. Em breve, lança seu primeiro álbum autoral, pela Sony. @cacamagalhaes. Com 16 anos, Cacá Magalhães é uma das poucas meninas no rock; em breve, ela lança seu primeiro álbum autoral (Foto: Nathalia Fraga/Divulgação) RENOVAÇÃO

A gente criou a banda Meus Amigos Estão Velhos meio que tirando sarro de nós mesmos, roqueiros cansados. A meu ver, as pessoas da minha geração ainda consomem muito rock, mas sinto que o público não se renovou, pelo menos localmente. E talvez o rock, como o gênero que a gente conhece, também não tenha se renovado. Qual é a banda rock jovem que está fazendo sucesso global? Não tem. Por outro lado, existem artistas de rock com cabeça muito aberta e antenada em outras sonoridades, como Pitty, a maior referência roqueira do Brasil. Nesse sentido, a nível mundial, eu destaco ainda Harry Styles, que é um artista pop, cujos álbuns, principalmente o último, ‘Harry´s House’, tem elementos do rock. Acho muito interessante. 

Bruno Carvalho, 42, é jornalista e guitarrista da Meus Amigos Estão Velhos (MAEV). A banda abre o show de 30 anos da Cascadura, neste sábado (13), às 20h, no Largo da Tieta, Pelourinho. No dia 25, se apresenta na Sala do Coro do TCA. @meusamigosestaovelhos. Bruno Carvalho é guitarrista da MAEV; passou por The Honkers, Pessoas Invisíveis, Vendo 147, entre outras bandas (Foto: André Carvalho/divulgação) CONTEMPORANEIDADE

Ouço rock, mas menos do que antes, quando era criança e, depois, adolescente. Eu ouvia muito por conta do meu pai e da banda dele à época, The Honkers, cujos músicos estavam constantemente lá em casa, inclusive ensaiando. Hoje em dia, ainda escuto Queen, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Joan Jet, mas minha escuta é mais no sentido de entender profissionalmente, por conta da carreira de cantora na qual tenho investido. No meu trabalho, pego essa parada orgânica e adiciono elementos sintéticos. Também me inspiro muito em Beyoncé, uma das minhas primeiras referências pop, com seu R&B mais contemporâneo. 

Janis Dominique, 24, ganhou do pai, o baterista Dimmy ‘Drummer’ da Silva, o nome da cantora Janis Joplin. Ela faz shows com a banda Terráquea e tem investido na carreira de cantora pop. @bandaterraquea e @janisdominique. Janis Dominique ouviu muito rock quando criança, mas seu trabalho flerta mais com o R&B contemporâneo (Foto: Stefano Gobira/Divulgação) VERDADE

Faço parte da cena do final dos 80, firme nos 90, e vivo e produzindo em 2022. Tenho ótimas lembranças dos 90, mas não tenho saudades. Não sou adepto da frase ‘no meu tempo que era bom’. Tô vivo, continuo indo a shows, acompanhando a cena atual em todo o estado, e ela fervilha através de festivais como o Dopesmoke e Feira Noise, em Feira de Santana; Suíça Baiana, em Vitória da Conquista, e diversas outras cidades. Os festivais continuam acontecendo, grandes ou pequenos, não importa o tamanho. O rock segue como quase sempre: sem ser aprovado em edital, sem patrocínio direto de empresas, mas com a sinceridade e verdade que sempre ofereceu.

Rogério Big Brother, 50, é produtor. Já produziu e ajudou a produzir mais de 40 edições de festivais como Garage Rock, Boom Bahia e Big Bands. Continua firme e forte no rock. @bigbrossprodutora @bigbazar_discos Rogério Big Brother é dos produtores de rock mais antigos e ativos na Bahia (Foto: Thiago Quirino Troccoli/Divulgação) CICLOS

Eu acho que o rock sempre passou por momentos cíclicos, isso faz parte. A juventude tem encarado, no Brasil especialmente, o rock menos como uma coisa de contestação. Mas pelo que eu ando acompanhando, ele segue firme em várias partes do mundo. Acho até que está mais feminino: várias meninas estão liderando bandas. Isso é um movimento que, quando se encaixar, no Brasil e na Bahia, pode até ajudar o gênero a ganhar mais evidência. Por ora, estamos com carência de espaços, até por conta da pandemia, quando diversos bares fecharam, mas percebo que as bandas estão se movimentando. Não sou um cara saudosista, que acha que o rock acabou, que o bom era na minha época. O rock continua interessante, continua produtivo, temos bandas de vários tamanhos, gêneros e idades, em Salvador, e na Bahia. 

Luciano Matos, 47, é jornalista, editor do site El Cabong, apresentador do programa Radioca (rádio Educadora FM) e produtor do Festival Radioca. @el.cabong @radioca_. O jornalista Luciano Matos acredita que o rock continua produtivo e interessante (Foto: Marina Silva/Divulgação)