O SPFW deveria ter continuado após a morte de Tales Cotta?

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  • Da Redação

Publicado em 5 de maio de 2019 às 05:05

- Atualizado há um ano

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O modelo Tales Cotta sofreu um mal súbito na passarela do SPFW (divulgação) A morte do modelo Tales Cota, após desmaio na passarela do SPFW, provocou um mal-estar geral no meio da moda. Afinal, os desfiles do maior evento do gênero na América Latina deveriam ter continuado?

Não

A vida não para, nem a catwalk

Parecia apenas mais uma cobertura de semana de moda. Estava lá. Final de jornada no SPFW, pronto para o quarto fashion show do dia num total de oito. Maratona de lançamentos, ninguém imaginava o que estava por vir. A 47ª edição do evento vai ficar marcada não apenas pelo cunho político com que a moda se posicionou perante o Brasil, mas pela inesperada morte do modelo Tales Cotta, após ser socorrido durante a apresentação da grife Ocksa. Foi pertinho de mim: após passar pelos fotógrafos, mal fez a curva para voltar, tropeçou. Foi ao chão, como uma daquelas árvores que a gente vê em reportagem-denúncia sobre a Amazônia.

Primeiro, a dúvida: é performance? O que quer dizer? Queda de verdade? Uma senhora queda, aliás! Quando a top que vinha a seguir titubeou, o circo da moda parou: a música interrompeu, a luz acendeu. Meia-dúzia de socorristas entraram em cena. Com todo cuidado, Tales saiu de maca. O show recomeçou do zero.

Noite mal dormida? Pressão baixa? Vida desregrada? Descobriu-se que o rapaz era saudável, vegano, formado em educação física. Comeu bem no backstage, segundo a mãe Heloisa, com quem falou antes por telefone. Assim como eu, ela acredita que o evento não deveria ser cancelado.

Exemplo de serenidade: “Meu filho morreu fazendo o que gostava. Não ia querer que parasse. Foi a sua hora.” Ninguém poderia saber que ele morreria depois. A gente espera sempre o melhor. Real. Poderia ter sido apenas um susto. Hoje, riríamos.

A vida pregou uma peça, dessas que só ela sabe fazer. Quis o destino que o moço saísse de cena numa passarela, local onde amava estar. Estranho? Sim. Mas, quem define a hora e o lugar? Nós? O antigo herói grego tomba em combate. A batalha continua em sua homenagem, até para honrar seu esforço. É preciso ser guerreiro para lutar por um lugar ao sol. Não só no mundinho da moda, não é?

 Tales encerrou sua história da forma como escolheu, da mesma maneira que Aquiles tem final honroso, em meio à batalha, na Guerra de Troia. Não tem culpado. A família reconhece isso em paz. Seria bom todos morrermos assim. A vida não para. A catwalk prossegue. A arte imita a vida.

Alexandre Schnabl é jornalista, stylist e diretor de arte; atualmente, edita o seu site Ás na Manga

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Talvez

Antes, não tinha o tribunal da internet

A moda se profissionalizou tanto que desumanizou? Tales Newton Gomes Alvarenga Soares, 26 anos, modelo conhecido como Tales Cotta, veio a óbito após uma queda na passarela da 47ª São Paulo Fashion Week durante o desfile da marca Ocksa, na noite do sábado 27 de abril.

Segundo o governo estadual de São Paulo, foi socorrido no Hospital Sorocabano (porque numa numa emergência tão  longe?), onde, segundo a notícia oficial, sofreu parada cardiorrespiratória após tentativas de reanimação.

A direção do evento declarou que o modelo teve um mal súbito, foi atendido pelos socorristas e levado ao hospital, sem indício de que viria a falecer. Com a confirmação da morte, o evento diz ter reunido as marcas e apresentado a opção de cancelar a edição, mas, mesmo abalados, a maioria optou por manter suas apresentações com a adição de um minuto de silêncio antes da abertura.

Família e amigos do modelo vieram a público informar que o modelo era entusiasmado pela carreira que iniciava, tinha alimentação saudável e também não se drogava. Segundo sua mãe, Heloísa Cotta, o rapaz sempre teve muita saúde e que era a hora dele. “Estamos aqui de passagem”, disse ela.

Recordei a morte de Ayrton Senna em 1 de maio de 1994, 25 anos atrás: vazamentos futuros revelaram a morte imediata do piloto, comunicada imediatamente ao Leonardo Senna pela jornalista Betise Assumpção, tradutora do Bernie Ecclestone, dirigente máximo da F-1. Junto com o aviso veio o comunicado ao irmão do piloto que a morte só seria comunicada mais tarde “para não parar a corrida...”

À época não tínhamos o tribunal da internet, que resolveu julgar a organização do SPFW de forma sumária e agressiva, sem ainda saberem de todo o contexto. Em verdade, quando algum jovem cai inerte, o normal é pensar em desmaio.

A partir daí o rapaz foi socorrido e o desfile reiniciado, até porque neste momento, segundo a organização do evento, não havia a confirmação do óbito e não se para um evento por um desmaio.

Intuo positivamente que caso houvesse a confirmação imediata da fatalidade, ao menos este desfile haveria sido suspenso. Prefiro crer, que a profissionalização da moda ou de qualquer outro setor não veio para nos desumanizar além do quanto já estamos.

Robério Sampaio é estilista e empresário, 52 anos, baiano, fundou a Sarttore e hoje desenha para IO

Sim

É preciso repensar o fator humano

Não se pode negar que a indústria da moda está nas bases do nosso pensamento geral de eficiência. A ideia de produtividade, criada e acelerada pela Revolução Industrial lá nas metades do século 18, começou pela invenção de um tear eficientíssimo (para a época).

Daí, para a dominação do fast fashion nesta era, a evolução foi natural em direção à velocidade de produção e informação. Mas a indústria da moda nunca se deixou seduzir por completo pela eficiência. A ideia do feito à mão, por exemplo, se manteve e atrai cada vez mais, saindo do resguardo do mundo do luxo e originando o movimento do slow fashion - produção menor e atenção maior, de certa forma reinventando o ofício das costureiras de família.

No outro extremo, apesar da criação dos avatares 3D que enchem os olhos no Instagram, ainda não se descobriu forma melhor de apresentar uma roupa que não seja com modelos. E como qualquer elo dessa cadeia, este é um fator passível de falhas, micro ou gigantes, que podem atrapalhar o processo.

Tanto tempo depois da Revolução Industrial, a discussão mundial hoje é pela sustentabilidade. Que fala, claro, sobre a defesa dos fatores naturais, do descarte correto, da produção responsável versus o meio-ambiente. Mas também é um olhar maior para o ser humano, tanto nas condições de trabalho justa e nos salários corretos como também no fator psicológico, esse nosso meio-ambiente interno que deve ser tratado com responsabilidade afiada.

Num cenário como esse, não deveríamos nos deixar ser atropelados. É preciso calma, é preciso repensar o fator humano - que não pode ser apenas substituído.

O caso do garoto Tales foi, claro, uma fatalidade inédita e imprevista. Mas que foi tratada, no afã de uma eficiência anacrônica, como uma engrenagem que se soltou e correu para baixo da mesa. É hora de largar o romantismo do “tempo é dinheiro” e diminuir essa velocidade, para o bem de todos.

Eduardo Viveiros é jornalista e editor de moda. Trabalha com Gloria Kalil e  no seu site, o Calma

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