'O Vitória virou uma baderna, um clube sem dono', dispara Paulo Carneiro

Presidente afastado concedeu entrevista ao CORREIO; negociação de Pedrinho, dívida de Caicedo e suposto adiantamento de salários estão entre os assuntos

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  • Daniela Leone

Publicado em 28 de outubro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Almiro Lopes/ Arquivo Correio

Eleito presidente do Vitória em 2019, Paulo Carneiro continuará longe da Toca do Leão por pelo menos mais 60 dias. Na noite de terça-feira (26), o Conselho Deliberativo do clube aprovou, em votação unânime, a prorrogação do distanciamento do dirigente. 

O primeiro afastamento de Paulo Carneiro da presidência do Vitória ocorreu no dia 2 de setembro, quando o Conselho Deliberativo aprovou, em reunião extraordinária, o parecer da Comissão de Ética que recomendava o afastamento do dirigente por 60 dias, motivado por indícios de gestão temerária.

O vice-presidente Luiz Henrique Vianna assumiu a função temporariamente, mas alegou problemas pessoais e pediu afastamento do cargo, por 30 dias, a partir de quinta-feira (28). De acordo com o estatuto do clube, o presidente do Conselho Deliberativo, Fábio Mota, herdará o posto.  

Em entrevista exclusiva ao CORREIO, Paulo Carneiro contou como encarou a prorrogação do afastamento. Os supostos adiantamentos do próprio salário, a negociação do lateral esquerdo Pedrinho com o Athletico-PR e a dívida gerada após a rescisão do atacante Jordy Caicedo estão entre os assuntos que você confere a seguir.   

Como você encarou a prorrogação do seu afastamento por mais 60 dias?

Eu não tenho nenhuma expectativa vinda dessa turma que está lá no clube. Existe um golpe perpetrado e quem está sendo violentada com isso é a instituição. Claro que eu sinto, porque fui eleito democraticamente e eles estão buscando com provocações levar essa situação para uma Assembleia Geral, onde eles esperam me afastar definitivamente. É uma situação deliberada, proposital, irregular, ilegal, eivada de ilegalidades, que eu já cansei de explicar. Isso tudo nasceu de uma ação irresponsável e condenável do presidente do Conselho Fiscal, Jailson Reis, que foi a público fazer ilações a respeito da nossa gestão e daí surgiu uma reunião do Conselho, uma solicitação de Comissão, para se investigar essas denúncias vazias, e o presidente do Conselho Deliberativo resolveu acatar e criou e deu a presidência da Comissão a quem entregou a denúncia, o que é um dos primeiros grandes absurdos feitos por ele presidente do Conselho Deliberativo que se chama Fábio Mota. A Comissão esteve no clube, foi tudo mostrado e verificado que não houve nenhum tipo de dificuldade. Estavam investigando se o presidente do clube, não era o Conselho Diretor todo, não, se Paulo Carneiro estava querendo criar obstáculos ao acesso do Conselho Fiscal para verificar documentação do clube. Em 2019, era o mesmo Conselho Fiscal e não houve dificuldade nenhuma. Os conselheiros se afastaram todos do Conselho Fiscal e todos condenando as atitudes do presidente do Conselho Fiscal, a falta de tratamento e também negando completamente essa questão de acesso aos documentos. Foi tudo um grande jogo, uma grande farsa que está sendo montada, colocando uma instituição secular como o Vitória a passar a mais grave crise institucional de sua história, porque por trás disso existe um passivo de R$ 180 milhões construído grande parte por essa turma que está lá e eu posso provar. O Vitória hoje passa uma situação que eu não sei onde vai chegar. Essa prorrogação dizendo que eu pedi vistas, é lógico. O cara quer me ouvir sem me dar os documentos necessários para eu me manifestar por escrito, como eu me manifestei da primeira vez. Chamei a atenção que faltava documento e eles não se preocuparam me mandar os documentos. Isso tudo foi uma maneira de prorrogar a decisão, porque eles não tinham outra alternativa a não ser me chamar de volta, agravada pela saída do vice-presidente. Eles não tinham outra alternativa a não ser criar essa prorrogação alegando, que de fato eu solicitei. Tem documentos que não têm nem visibilidade, só que nós solicitamos isso muito antes dessa reunião, pra dar tempo de analisarem, porque eu não tenho nada a temer. É tudo um jogo. Uma pessoa que participa de um negócio desse deveria ter vergonha de chegar em casa. Isso é uma farsa pouco vista na vida cotidiana de uma instituição esportiva. Eu nunca vi isso na minha vida.

Quando você solicitou esses novos documentos?

Eu não tenho de cabeça, mas com certeza foi pelo menos 10 dias antes.

O que você achou do pedido de afastamento de Luiz Henrique Vianna? Você mantinha contato com ele?

Luiz é meu amigo fraterno, está no clube a meu convite. Se manteve no clube pensando na instituição. Não sei, porque não estive com ele. Soube ontem. Não sei quais foram os motivos que o levaram a tomar essa decisão. Eu imagino, mas não vou aqui fazer suposições. Posso lhe dizer que alguma coisa não deveria estar agradando a ele. (O afastamento dele é) Um agravamento da crise. A crise se agrava a todo. A crise é financeira. Eles causaram um grande prejuízo ao Vitória quando interferiram na negociação de Pedrinho e Pablo (Siles). Eu tinha um negócio montado, fechado, de R$ 10 milhões, documentado, com o carimbo do Athletico-PR, assinado, dia 10 de agosto, portanto praticamente há mais de dois meses e só agora o Vitória recebeu uma fração dos recursos, quando o Vitória já deveria ter recebido pelo menos R$ 7,5 milhões. Recebeu R$ 1,5 milhão, me parece, e não vai receber mais do que R$ 3,5 milhões, porque houve uma intervenção do ex-presidente Alexi Portela, conforme confessado pelo presidente do Athletico-PR, em áudio, pra não dizer que eu estou inventando, e o próprio Alexi Portela já confessou, disse que não queria que o dinheiro chegasse às minhas mãos, porque ele queria definir o que eu iria fazer com o dinheiro. Conclusão: O Athletico-PR, conhecendo a documentação, passou a fazer um jogo e envolveu um crédito que o Athletico-PR tem, buscando na Justiça, o seu direito de um negócio envolvendo o lateral Léo em 2012, que nunca esteve na nossa negociação, e eles agora estão abatendo R$ 4 milhões do dinheiro que o Vitoria precisaria de forma urgente. Veja a situação como está. Um ex-presidente ligar para o presidente de outro clube, sem poderes para isso, autorizado por ninguém e articular de que o presidente iria ser afastado, no caso eu, e que ele iria fazer um negócio em outras bases para o Athletico-PR. Tanto que fez, está tudo provado. Esse é um negócio que deveria ir a Conselho e esse conselheiro deveria ser julgado pelo seu ato, pelo tamanho que ele causou ao Vitória, fora o prejuízo midiático. Como um patrocinador ou um investidor podem se aproximar do Vitória hoje? Se o clube hoje vive em eterna compulsão política. Esse é um processo político. Gestão temerária é só um mote que eles estão usando para me afastar.

A negociação do lateral esquerdo Pedrinho ocorreu num período de mudança, naquele momento do seu primeiro afastamento. Por que o Vitória assinou a rescisão do jogador antes de estar com o contrato definido com o Athletico-PR?

Essa é uma questão operacional que as pessoas que estão fora não entendem. Você não pode liberar um jogador sem rescindir o contrato com ele e no futebol o dinheiro não chega primeiro, o dinheiro chega depois. Você libera o atleta para depois receber. Todo mundo faz assim. O contrato estava definido. Tanto estava que foi o Athletico-PR que procurou o Vitória depois da minha saída para tentar um acordo. Você acha que se o Athletico estivesse com o jogador livre, sem ônus, depois do Vitória ter feito o que fez anos atrás, ele iria procurar para um acordo?

O adiantamento de remunerações feitas durante a pandemia e a ausência de contrato entre o clube e a empresa Magnum são supostas irregularidades da gestão temerária registrada no relatório do Conselho de Ética contra você. Você teve salários adiantados durante a pandemia?

A Comissão de Ética, se tivesse realmente certeza disso tudo teria recomendado o meu afastamento, mas ela sugeriu um afastamento temporário, porque ela não tinha as documentações necessárias. Segundo, nunca houve adiantamento nenhum. Houve um acordo feito com alguns dirigentes que hoje me traíram, e eu tenho testemunha, acordos feitos na presença de Fábio Mota, Ademar Lemos, Alexi Portela, pra gente atuar no Vitória S.A. e foi negociado uma remuneração profissional comigo. Só isso. Só eles podem explicar, porque eu tenho testemunha até do próprio presidente em exercício que agora se afastou, que participou da reunião, e eles depois negaram. Eu era cercado de traíras, um deles era o advogado Dílson Pereira, que fez uma ata de reunião tratando desse assunto e, de propósito, ele colocou na ata que esses recursos só poderiam ter acesso a nós assim que o Vitória S.A. estivesse funcionando plenamente. Óbvio que ele fez isso de propósito, para que a gente pudesse ficar numa posição defensiva e as mesmas pessoas que me autorizaram a fazer as retiradas, porque eu estava a trabalho, essas pessoas negaram depois, a exceção, pra ser justo, de Fábio Mota e de Luiz Henrique, que esses dois foram firmes na defesa de que tudo que foi feito foi combinado. Portanto, eu não fiz adiantamento nenhum que não tivesse sido combinado com as pessoas que nos apoiavam, embora pra mim, desde que a gente pague os adiantamentos, você como executivo de uma organização fazer um adiantamento e depois repor por qualquer motivo é uma coisa mais do que natural, mas nesse caso não foi isso. Nesse caso foi um acerto prévio e que foi descumprido por essas pessoas que se diziam meus apoiadores.

Como era a relação entre o Vitória e a empresa Magnum? Não há contrato entre as partes apesar da empresa ter recebido mais de R$ 3 milhões do clube?   

Tudo da Magnum tem contrato. Não tenho conhecimento que exista nada sem contrato. A única coisa que teve sem contrato é que entrou em confiança ao presidente e o Vitória não deu um documento a eles. Depois eles regularizaram, porque a urgência era muito grande, devido à necessidade que o Vitória tinha diariamente, mas não existe nada sem contrato.

Atual presidente do Conselho Deliberativo, Fábio Mota, assumirá a presidência do Vitória na quinta-feira (28), data que inicia o afastamento de Luiz Henrique Vianna. Como você enxerga isso?

Primeiro que ele não vai assumir nada, porque ele é secretário de Turismo da Prefeitura e ele não vai conseguir estar em dois lugares ao mesmo tempo, ele vai assinar papel. Executivamente, ele não vai assumir nada. Segundo, mostra que o Vitória virou uma baderna. Ninguém sabe quem manda no Vitória. Eu só me manifesto formalmente sobre isso quando eu ver a ata publicada. Eu quero ver a ata pra ver que decisão tomou o Conselho com relação a isso. Eu só posso dizer que isso é uma baderna. O Vitória virou casa de Noca. Um clube que tinha um presidente eleito funcionando, administrando o clube, história única de vitórias, de construção de patrimônio, elevação da marca e, de repente, aparece um presidente do Conselho Fiscal, que eu elegi, porque não era conhecido, ninguém nem sabia quem era ele, cria essa onda toda e depois é apoiado por conselheiros que queriam o poder no Vitória. Isso é uma briga de poder e Fábio Mota hoje lidera esse processo. Essa baderna hoje no Vitória é liderada por Fábio Mota, como foi dito no comunicado oficial do clube. Hoje, a baderna tem dono. Chama-se Fábio Mota, secretário do município.

Você mantém contato com alguém do clube atualmente? Funcionários? Jogadores?

Claro, óbvio. Acha que não? Todos os dias.

O que você está achando do momento do Vitória na temporada?

É reflexo de toda essa balbúrdia, baderna, que virou o Vitória. Não tem como não refletir no time. Foi construído no Vitória um passivo de R$ 180 milhões, que as pessoas fingem que não ouvem, que é a razão de tudo isso. Eu entreguei o Vitória em 2005 com dinheiro em caixa. O Vitória estava na terceira divisão, é verdade, houve um fracasso técnico que eu assumo integralmente a responsabilidade como presidente na época, mas só que eu deixei o Vitória rico e as pessoas não lembram. Primeiro com dinheiro em caixa. Eram R$ 8 milhões da venda da sede de praia, R$ 5 milhões do dinheiro de Obina que veio da Fifa e mais R$ 2 milhões de Leandro Domingues. Eu sei de cor. Eram R$ 15 milhões no caixa. E o Vitória deixou um plantel de atletas milionário. Hulk, Marcelo Moreno, David Luiz, Jardel, Edílson, Wallace, Elkeson, Anderson Martins, Gilmar, Xavier e por aí vai. Esse era um plantel milionário, em que o Vitória era detentor de praticamente 100% desses jogadores. O que fizeram com esse ativo? Por que esse ativo não deixou o Vitória rico? Eu deixei o Vitória rico, trabalhei pra cacete 17 anos, construí a instituição toda, centro de treinamento, hotéis, campos, equipamentos. A partir de 2006 o Vitória passou a mudar sua política de formação, não usava mais os jogadores da base e sim de aluguel, a dívida foi aumentando e, em 2012, seu Falcão que era o financeiro de Alexi deu uma entrevista dizendo que a dívida já estava em R$ 100 milhões. Só que na época não se perdia as receitas de televisão, então mesmo quando o Vitória caiu e ficou com Alexi dois anos na Série B, ele tinha o dinheiro preservado da televisão, então era fácil controlar e rodar a bicicleta de dívida e receita. Só que a partir de 2018, quando o Vitória caiu com Ricardo (David), a receita de televisão desapareceu. Então a receita caiu, em números redondos, de R$ 40 milhões para R$ 6 milhões, e a dívida do Vitória já estava em R$ 170 milhões. Aí como é que administra? Esse é o grande problema do Vitória. Endividaram o clube, destruíram o clube financeiramente e administrativamente também, porque perderam toda a política que foi implementada na década de 1990 por nós. Veja quantos jogadores da base estão jogando nesse time aí que tá colhendo até bons resultados. Na hora que eu faço o negócio de Pedrinho de R$ 10 milhões e um desses destruidores vai até o presidente do Athletico-PR e diz pra não mandar o dinheiro para o Vitória, o que se pode esperar desse clube?

O Vitória pagou algo por Jordy Caicedo? Há alguma dívida com o clube equatoriano?

Sim, deve. Deve 400 e poucos mil dólares. Quando você faz um negócio no futebol, ele pode dar certo e pode não dar. Eu estou pagando dívida do Vitória desde que eu entrei. Eu não estou vendo ninguém acusar o Vitória que deve R$ 1,5 milhão a Mancini, R$ 1,3 milhão a Willian Farias, deve R$ 4 milhões de Cleyton Xavier. O Vitória deve só no CNRT mais de R$ 7 milhões. Essa dívida não foi construída por nós. Jordy é uma dívida pequeníssima e infelizmente a pandemia que causou tudo isso. Nós descontamos por lei brasileira 25% dos salários dos funcionários, inclusive atletas, estava na lei, a Fifa não reconheceu, nós tivemos que fazer um acordo com Jordy e perdemos o federativo dele, pois esse jogador era pra estar valendo hoje milhões ao Vitória, muito mais que os 400 ou 500 que deve. Só na Bulgária hoje ele já fez mais de 20 gols na temporada. O Vitória perdeu por causa da pandemia. A Fifa não reconheceu o desconto e deu a ele a rescisão indireta. Tudo tem que contextualizar, mas tem que cobrar das pessoas o endividamento do Vitória. Foram tantas dívidas que nós encontramos e eu não vejo ninguém falar delas.

O que você achou da decisão de afastar alguns jogadores nessa reta final da temporada?

Não comento. Isso não é problema meu.

Você acha que seguirá afastado ou ainda acredita num retorno à presidência do Vitória?

De repente, quando nada restar, se derrubarem o Vitória para a terceira divisão, de repente eles me devolvam o clube, mas se depender deles, não. É um golpe. Na política chama-se golpe de estado. Tem o golpe, tem aqueles que votam cegamente no que eles falam. O Conselho do Vitória está fazendo um péssimo papel para o clube, porque não está ouvindo os dois lados. E o Conselho é para deliberar, não é para ter lado. O Conselho está sabendo que é um golpe, mas politicamente é o que eles querem. Eles querem assumir o clube. Já tem aí quatro ou cinco candidatos para presidente, que eu vejo falar, cada um pior que o outro. Tem até cupincha de cronista. O Vitória virou uma baderna, um clube sem dono e de futuro indefinido. Não sabemos o que vai acontecer com o Vitória nos próximos dias, pra não dizer que vai muito longe não, porque eu sei a situação do Vitória como ninguém, sei que o Vitória não tem fluxo de caixa e já, já os processos vão estourar. Eu já imagino o que deve estar acontecendo dentro do clube.