Óleo no Nordeste: Ufba aponta presença da substância em peixes e mariscos

Pesquisadores já avaliaram mais de 30 peixes; estudo deve ser concluído nesta sexta (25)

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  • Thais Borges

Publicado em 24 de outubro de 2019 às 17:19

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO

Não foi uma surpresa: o óleo que atinge as praias baianas continua causando estrago. Agora, em caranguejos, mariscos e peixes. Um estudo do Instituto de Biologia (Ibio) da Universidade Federal da Bahia (Ufba) já analisou mais de 30 animais do pescado e encontrou uma situação alarmante. “Todos eles têm óleo dentro do corpo”, adiantou o professor e pesquisador Francisco Kelmo, diretor do Ibio e que está à frente do estudo, nesta quinta-feira (24).A análise deve ser totalmente concluída nesta sexta-feira (25). 

Os animais foram coletados nas praias de Itacimirim e Guarajuba, em Camaçari, e na Praia do Forte, todas na Região Metropolitana de Salvador (RMS). “É um trabalho delicado. Temos que procurar os órgãos respiratórios para ver se tem óleo dentro”, explicou o professor. 

Desde a última quarta-feira (23), a Bahiapesca também está conduzindo uma análise. O levantamento, que já passou pelo Conde, deve coletar peixes e mariscos ainda nas cidades de Jandaíra, Entre Rios, Camaçari e na praia de Itapuã, em Salvador. 

Outros serão coletados em Santiago do Iguape, em Cachoeira, para servir como grupo de controle. Segundo a assessoria da Bahiapesca, cerca de 60 indivíduos serão selecionados em cada uma das praias até o dia 1º de novembro. Depois, a empresa deve enviar um relatório para a Diretoria de Vigilância Sanitária e Ambiental, que deve avaliar se o pescado é próprio para consumo. 

Vendas No Conde, a situação dos pescadores e marisqueiras é preocupante. Há pouco mais de uma semana, praticamente não há vendas.“É zero. Ninguém está vendendo nada”, desabafou o presidente da colônia de pescadores do município, Givaldo Batista. Entre os clientes dos produtos locais, há desde donos de restaurante e de barracas da cidade até gente que compra para comer em casa, com a família. Desde que o óleo atingiu as praias do município, porém, as vendas vinham minguando. Agora, quase não existem. 

Ao todo, Batista estima ter cerca de duas toneladas de peixes e mariscos acumuladas nas geladeiras e freezers da colônia e das casas dos pescadores. Tem de tudo: peixe vermelho, dourado, olho de boi, cavala, além de siris, caranguejos, ostras, camarões e aratus. 

Os pescadores, segundo ele, são os únicos que têm consumido os produtos. “E nós vamos comer o quê? A gente não tem comida, não tem outra coisa para comer. Vou morrer de fome?”.

Enquanto isso, os integrantes da colônia tentam ajudar a limpar as praias e a encontrar uma saída para o problema. “Estamos tentando resolver um problema que a gente não tem capacidade de resolver”.

Em Camaçari, também já dá para notar uma queda nas vendas, segundo o presidente da colônia de pescadores do município, Manoel de Brito.“Já vi alguns crustáceos, que ficam na areia ou nas pedras, melados de óleo. Peixe não vimos. Mas desde que se descobriu que o óleo é tóxico, as vendas têm sido prejudicadas. O pessoal normalmente se esquiva”, disse. É mais um baque para os pescadores do município. Em julho, muitos chegaram a perder barcos devido à forte ressaca que atingiu as praias de Camaçari.  Para evitar que o prejuízo atingisse a todos, já tinham criado um esquema para dividir os barcos restantes – uma parte dos pescadores usava no início da semana, outra parte nos dias restantes. “Ou seja, os pescadores já estavam com uma defasagem de trabalho. Agora piorou”. 

Águas profundas Dono da peixaria Jota Matheus em Arembepe há 19 anos, o empresário Marcos Campos está vendo quase 300 quilos de pescado parados nas prateleiras de seus refrigeradores. O peixe foi de quase duas semanas atrás, mas apenas 30% foi vendido. Entre os clientes, donos de restaurantes e barracas e consumidores que levam para comer em casa. 

Só quem continua comprando são nativos. “Quem ainda compra é quem sabe que peixe não come óleo. Eu mesmo acabei de comer uma moqueca”, diz ele, que vende guaricema, vermelho, dourado, olho de boi, cavala, cabeçudo e guarajuba. 

Em uma semana normal, o estoque já teria acabado há dias. De acordo com Marcos, a aparência dos peixes é normal. “Clientes comentam que o peixe está contaminado, que está misturado com óleo. Mas nós pescamos em alto mar. Nosso barco pesca com 130 metros de profundidade. Essas notícias têm prejudicado uma cadeia: pescador, peixaria, restaurante, barraca, aquela pessoa que só pode comer peixe. Todo mundo é prejudicado”, argumentou. As barracas das praias de Camaçari, porém, não deixaram de vender pratos com peixes e mariscos no cardápio. Muitos compram de pescadores de Camaçari, além da Feira de São Joaquim, em Salvador, segundo o presidente da Associação dos Barraqueiros da Orla de Camaçari, Valmir Menezes. 

“São peixes pescados em alto mar. Por isso não afetou a frequência de clientes aqui. O pessoal continua comprando igual, porque todo mundo já tem fregueses certo. Mas temos muita fé nas águas e vai ficar tudo bem”, opinou Menezes. 

De fato, segundo o professor Francisco Kelmo, do Instituto de Biologia da Ufba é possível que peixes em alto mar tenham escapado da área da mancha. “É verdade. Mas não temos como saber sem imagens de satélite”.

Da mesma forma, ainda que praias sem manchas de óleo na areia, boiando ou incrustadas em pedras possam estar limpas, existe a possibilidade de a substância estar aterrada. “Esse óleo tem uma densidade alta. Ele afunda, então pode estar lá embaixo”, alertou. 

O Grupo BIG, dos mercados Walmart, Bompreço, Maxxi Atacado, Sam's Club e TodoDia, informou que comercializa apenas itens de peixaria congelados nas lojas do Nordeste.Todos os fornecedores de pescados, mariscos e frutos do mar da empresa são das regiões Sul e Sudeste do país.

Restaurantes da capital compram pescado e mariscos de fora da Bahia No restaurante Don Papito, em Piatã, o proprietário Adolfo Ventin Júnior tem escutado dos clientes uma mesma pergunta com frequência: o que estão fazendo, nesse cenário? O estabelecimento é conhecido pela culinária com frutos do mar. No entanto, ele explica que acabou não sendo afetado pela situação. “O polvo que eu trabalho vem do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. O mexilhão que trabalho vem de Santa Catarina. O (peixe) vermelho vem do Pará. A lambreta, que é nosso carro-chefe, vem de uma faixa de mangue que é um pedacinho do Extremo-Sul da Bahia e o Espírito Santo”, explicou Júnior. Pouca coisa, segundo ele, vem da Bahia. É o caso do aratu e da almêijoa, que são compradas do Recôncavo baiano. Mesmo esses produtos, no entanto, não correm risco. De acordo com o empresário, o estoque congelado do restaurante deve durar pelo menos dois meses. “O camarão é o que todo mundo consome. Dele, 90% do mercado que abastece Salvador é de cativeiro”. 

O medo agora é de que os fornecedores de locais que não foram afetados comecem a fazer especulação de preços, aumentando muito o custo dos produtos. “Infelizmente, pode acabar acontecendo. Mas a gente vai esperar pelos próximos passos e ver o que os órgãos ambientais vão dizer”, completou.

No restaurante Boca de Galinha, em Plataforma, o proprietário Nilton Souza também diz que os clientes não têm motivos para se preocupar. De acordo com ele, os peixes que são consumidos no estabelecimento vêm de viveiros, assim como o camarão. “Muitos são criados em viveiros de Maceió, outros vêm da Bahia Pesca. A casquinha de siri mesmo eu compro de Mapele (em Simões Filho)”, afirmou.Ele também acredita que os preços dos fornecedores podem aumentar. “Eu praticamente não trabalho com estoque, por isso posso ter algum prejuízo. A gente absorve esse custo, não repassa para os clientes”. 

Entre os principais mercados da cidade, também não há previsão de que sejam afetados. O GBarbosa e o Mercantil Rodrigues, por exemplo, ofertam pescado que vem do Sul do Brasil. 

Camarão baiano O camarão cultivado na Bahia é uma exceção. Mesmo os grandes restaurantes da capital costumam comprar o crustáceo produzido no estado, ao contrário do pescado que vem de fora. De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Aquicultura da Bahia, Marcelo Palma, nenhuma das 129 fazendas de camarão foi afetada. 

Há fazendas em cidades como Salinas, Canavieiras e Jandaíra – essa última uma das afetadas pelo óleo.“As fazendas ficam em terra, em tanques escavados e utilizam água do estuário. Não tivemos nenhum problema com elas”, explicou. Segundo ele, o camarão produzido na Bahia atende apenas o mercado interno. Por ano, são produzidas três mil toneladas. Estados como Rio Grande do Norte e Ceará, os líderes no país, produzem 55 mil toneladas e 40 mil toneladas por ano, respectivamente. 

“A maioria das fazendas hoje opera por liminar, porque o Inema exige estudos de impacto ambiental. Era para estarmos na frente desses estados por termos um litoral muito maior, com mais potencial”.