Olha o trem

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  • Nelson Cadena

Publicado em 26 de maio de 2022 às 05:00

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“Ói, ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem/Ói, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do velho éon”. (Raul Seixas). Na Bahia, trouxe de longe um grande contingente de engenheiros e trabalhadores estrangeiros que somados aos negros libertos e escravos formaram a massa operária que o presidente da província, José Augusto Chaves descreveu como “móvel e anormal”.

“Móvel, porque se compõe dos trabalhadores e agregados às obras da estrada, que não têm domicílio certo, anoitecendo em um ponto, amanhecendo em outro, segundo as exigências do trabalho a que se entregam; anormal, porque compõem-se estes grupos de raças heterogêneas, de costumes, de índoles e caracteres diversos, que por si só ocasionam as rixas e desavenças que são inevitáveis”.

De longe veio também o foógrafo encarregado de documentar para a posteridade as etapas das obras, do início ao fim, o inglês Benjamin Mulock que na sua estadia na Bahia produziu excelentes panorâmicas da cidade e registros de suas praças e logradouros. A linha Salvador-Alagoinhas foi inaugurada em janeiro de 1863 e até o final do século, outros trechos e outras linhas. As obras da primeira linha férrea causaram inúmeros acidentes, mortes e feridos, provocados por explosões, desabamentos e desatenção. O garoto inglês Guilherme Short, de 14 anos, morreu após uma carga de madeira desabar sobre seu corpo.

O trem foi o primeiro veículo de massa e seguindo a lógica do establishment social vigente adequou seu espaço interno às classes sociais. Na primeira classe os passageiros abancavam os glúteos em confortáveis cadeiras acolchoadas, na segunda em cadeiras de madeira leve, na terceira de madeira dura, os bancos na lateral. Os navios e os dirigíveis mantiveram a divisão social. No Titanic a primeira classe foi privilegiada no esforço de salvamento, tendo prioridade nos botes cujo número não atendia todo o contingente. E os aviões, do mesmo jeito, logo que o tamanho das aeronaves permitiu adequar o espaço para grande número de passageiros. O avião estendeu a divisão social às salas vips dos aeroportos.

O trem encurtou as distâncias, escoou parte da produção agrícola, impactou os Correios e a imprensa e atiçou a censura. No interior da Bahia, capangas dos chefes políticos, avisados de uma denúncia em destaque, sequestravam o reparte de jornais destinado àquele município. Os jornais do interior cobriam áreas geográficas além da sede e o trem era o meio de distribuição e tirar o jornal da circulação passava por essa vigília nas estações. O agente dos Correios e Telégrafos agia também como censor, instruído pelo seu chefe político.

O lado positivo é que o trem atualizou os jornais com notícias de fora de seu território de circulação. Não é coincidência que a grande imprensa, com exceção do Diário da Bahia, tenha surgido e se expandido a partir da década de 1860, mais noticiosa e menos opinativa. O telégrafo atualizava os jornais, a partir de notícias de periódicos de outras cidades que o trem e os vapores distribuíam. O cabo submarino, intercontinental, inaugurado na Bahia, em 1879, atualizou as notícias do exterior. No “tempo real” de 24 horas. A agência Havas de notícias, chegou a ter um jornal diário em Salvador: O Telegrapho.  O trem o distribuía no interior.