Olha para o céu...

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  • Nelson Cadena

Publicado em 23 de junho de 2022 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Os baianos nunca dispensaram a boa e santa fogueira de São João, a despeito de constantes restrições, em nome da preservação do meio ambiente, da segurança e do escambau. Fogueiras e fogos de artifício coexistem nas festas juninas. No século XIX Maragogipe foi o principal fornecedor de fogos, fabricação caseira de boa procedência, mais baratos que os importados da China, vendidos nas lojas dos Arcos de Santa Bárbara, e mais seguros do que os vendidos nas feiras livres e na rua do Comércio.

Castro Neves, em Brotas, Sangradouro, Itapagipe e Santo Antônio eram os redutos onde fogueteiros experientes fizeram nome pela sua habilidade pirotécnica. Todo mudo conhecia de ouvir falar o Antônio Tito, Pedrinho das Carroças, Pedro Colchoeiro, Érico Armador, os mais badalados. A municipalidade já se preocupava com as guerras de espadas, em Itapagipe, a beira mar, e sem ter como reprimir recomendava que fosse distante do percurso dos bondes.

Uma portaria da prefeitura determinava que, após as 17 horas da véspera do São João, nenhuma fogueira fosse armada nos trilhos do bonde, ou nas proximidades; no dia seguinte os jornais relatavam os abusos, o povo não dava a mínima para essas portarias e penso eu não era corretamente informado. A mídia era o jornal - jornais eram lidos apenas pela elite - e a maioria da população não sabia ler. O povo sempre desafiou essas e outras portarias; a do Carnaval, que proibia as cadeiras enfileiradas na rua, foi reeditada por mais de trinta anos e nunca cumprida. Acabou quando os trios elétricos e os ambulantes encurtaram o espaço das calçadas.

Fogos e fogueiras se complementavam com os balões, movidos a azeite de peixe e sebo que subiam aos céus da capital, a molecada tentando derrubar com um espelho refletindo o balão. O folclorista Antônio Vianna contou que fabricar balões era coisa de pobres e remediados, os ricos os adquiriam nas lojas chiques do comércio. Eram importados, formatos variados de peixes, porcos, elefantes, camelos, gatos, ursos... No início do século XX apareceu no comércio um formato de balão imitando o dirigível de Santos Dumont, em Paris. O povo, na sua irreverência, o batizou de “camelo dentro de um cacau”. Itapagipe, reduto dos espadeiros, foi também o reduto dos baloeiros: Edson Freis, Juca Pinheiro, Jobart, Odail, Francisco Paim. Cecy Ramos, sobrinha de Paim, contou ter visto um grande balão fabricado por ele que contava no seu interior com 36 lanternas.

O menino pobre de Santo Amaro, Assis Valente, firmou na memória a imagem lúdica dos balões e já adulto e compositor nos legou belos versos musicados: “O céu fica todo iluminado/Fica o céu todo estrelado/pintadinho de balão”. E como os moleques de seu tempo olhava para o céu e pedia: “Cai cai balão/Aqui na minha mão/Não deixe o vento te levar/numa noite de São João”. E os balões caíram. Não nas mãos de crianças sonhadoras, mas em fábricas, fazendas e residências e causaram muitos estragos, forçando o poder público a intervir e mais tarde criminalizar a prática.

O São João nasceu em volta do fogo como elemento agregador. Fogo em todo o ciclo festeiro: nas fogueiras; nos balões singrando os céus; nos estalos pirotécnicos para acordar o santo; no fogão de lenha para cozinhar a canjica; nas velas dos nichos do santo, das igrejas, ao lado da caixa de esmolas e na vela vermelha do altar caseiro - na cera escrito o nome do pretendente a paquerar -, simpatia que se não dava certo pelo menos mantinha o fogo aceso.

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras