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Gabriel Galo
Publicado em 23 de julho de 2021 às 05:14
- Atualizado há 2 anos
Incontáveis são os momentos em que os Jogos Olímpicos se traduzem em palco ideal, porque gigante, de protestos e de batalhas geopolíticas entre poderosos. Em 1968, o gesto dos americanos Tommie Smith e John Carlos no pódio dos 200 metros rasos se tornou mais lembrado que os próprios Jogos Olímpicos em si. Muhammad Ali perdeu as medalhas de campeão olímpico em 1960 e em 1964, ainda como Cassius Clay, ao recusar o chamado à Guerra do Vietnã. Anos antes, em 1936, Jesse Owens arrebatou medalhas e foi uma ofensa particular a Hitler e à estupidez do ideal da raça ariana.>
Em todas estas instâncias, o levante em protesto de quem teve a audácia de insurgir-se acarretou represálias. Mas a pauta avançou. A luta pelo bem coletivo havia de superar eventuais prejuízos momentâneos.>
Com o tempo, a organização dos Jogos procurou cercear a liberdade dos subversivos. Os atletas agora também são acompanhados por resiliente media training, que martela o que se pode perder e como essa história de ser voz e liderança de uma causa não é fardo que alguém queira carregar. Para romper este ciclo, são necessários muita segurança nos ideais, muita compreensão de responsabilidade individual e topar pagar a conta que potencialmente virá.>
Em Tóquio, veremos eclodir aqui e ali manifestações mais efusivas de um ou outro. Faz parte- e é, de certo modo, bem-vindo. Mas o caminho até o Japão também conta.>
Apesar dos Jogos terem sua abertura acontecendo hoje, a competição se iniciou com partidas de softbol e de futebol. E não há maior ou mais abrangente palco esportivo para o brasileiro que o futebol.>
Marta, há tempos, se vale da condição de melhor do mundo para lutar por equalização de direitos para o futebol feminino. Richarlison, ao seu jeito, brada contra o governo de extrema-direita que se instalou no Brasil. Douglas Souza, do vôlei, também marca seu território como minoria, bem como Paulinho, atacante da seleção olímpica de futebol.>
Desde 2013 vimos as cores verde e amarela sendo apossadas por este mesmo grupo que estes visam combater. O apoderamento indevido causa repulsa aos uniformes, gerando na sociedade um afastamento na torcida pelo Brasil.>
Mas não há de se ceder sem luta. Porque o novo sempre vem, e com ele um respeito diminuído por normas que oprimem e tolhem a liberdade individual.>
Muitos escolhem o caminho mais fácil. Se é para o bem do bolso, diga ao povo platitudes. Bater foto com quem está no poder é subserviência. Difícil é desejar publicamente que Exu ilumine o Brasil ou assumir-se homossexual num país a um passo da teocracia. Difícil e custoso é abraçar a luta como algo maior que si, lutando pela e com a voz das minorias. Num país que busca a ditadura da maioria, manter-se calado carrega implícito um aceite pela ameaça direta.>
A estes, minha mais profunda admiração.>
E quando vemos se destacarem exatamente estes que gritam chega!, percebemos todos de cá um realinhamento de mantras. Nas entrelinhas, um desabafo para que não nos entreguemos ao ódio. É possível lutar e vencer.>
Nunca fui um torcedor assim tão apaixonado. Torcer, mesmo, só para o meu time de futebol. O resto acompanho com um certo distanciamento sentimental, deixando me levar pelo arrebatamento do belo, me encantar com o ineditismo. Torço, porém, por boas histórias, que cativem, comovam, e levem à identificação. Assim, eventualmente, encampo torcida por times ou pessoas.>
No que se percebe que ainda dá pra torcer pela seleção brasileira. Pela masculina, por causa de alguns nomes; pela feminina, porque impossível não; e nos outros esportes do time Brasil, pelo improvável que pede passagem. É possível recuperar o apreço pelo verde e amarelo. Mas ele virá pela voz dos marginalizados inconformados. Já está vindo.>
Gabriel Galo é escritor e não cai no conto de que Jogos Olímpicos não é lugar de protesto.>