Orçamento secreto: STF forma maioria e suspende repasses a deputados

Supremo apontou falta de transparência no dinheiro enviado pelo executivo a parlamentares

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  • Da Redação

Publicado em 9 de novembro de 2021 às 17:46

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: STF / Divulgação

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou definitivamente nesta terça-feira, 9, os repasses do orçamento secreto - esquema de sustentação do governo Jair Bolsonaro no Congresso -, revelado em maio pelo Estadão. Com placar parcial de 6 votos a 0, a Corte manteve a decisão liminar (provisória) expedida pela ministra Rosa Weber na sexta-feira, 5.

O julgamento foi permeado por pressões de parlamentares beneficiados pelo esquema. O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), tido como principal operador da distribuição de emendas de relator-geral do orçamento (RP-9), o dispositivo utilizado no orçamento secreto, chegou a ir ao Supremo na segunda-feira, 8, para conversar com o presidente da Corte, Luiz Fux, na tentativa de derrubar a liminar da ministra. A decisão do colegiado mina seu poder de controle e negociação no Congresso.

No despacho, Rosa determinou a suspensão integral e imediata da distribuição de emendas de relator até o final de 2021 - a falta de transparência do dispositivo foi a brecha encontrada pelo Palácio do Planalto para utilizá-lo na compra de votos. A ministra também ordenou que o governo dê "ampla publicidade" aos ofícios encaminhados por parlamentares para alocação dos recursos em seus redutos eleitorais. Para isso, ela exigiu a publicação de todos os pedidos "em plataforma centralizada de acesso público".

"Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos conforme seus interesses pessoais, sem a observância de critérios objetivos", escreveu a ministra em sua decisão de 49 páginas.

O julgamento no plenário virtual (plataforma em que os ministros depositam seus votos à distância) teve início na madrugada desta terça. A ministra Rosa Weber seguiu o tom adotado no despacho e proferiu um voto contundente, com recados aos responsáveis pelo esquema.

"Tenho para mim que o modelo vigente de execução financeira e orçamentária das despesas decorrentes de emendas do relator viola o princípio republicano e transgride os postulados informadores do regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado", afirmou.

Logo nas primeiras horas de julgamento, Rosa foi acompanhada pelos ministros Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia, que também se incumbiu de responder com firmeza à falta de transparência do orçamento secreto. Ao Estadão, Barroso disse não ter apresentado seu voto por escrito por acreditar que "os argumentos estavam bem postos" na manifestação da relatora da ação. Na manhã desta terça, o ministro Edson Fachin juntou seu voto à maioria, seguido pelos colegas Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes.

"A utilização de emendas orçamentárias como forma de cooptação de apoio político pelo Poder Executivo, além de afrontar o princípio da igualdade, na medida em que privilegia certos congressistas em detrimento de outros, põe em risco o sistema democrático mesmo", afirmou Cármen Lúcia. "Esse comportamento compromete a representação legítima, escorreita e digna, desvirtua os processos e os fins da escolha democrática dos eleitos, afasta do público o interesse buscado e cega ao olhar escrutinador do povo o gasto dos recursos que deveriam ser dirigidos ao atendimento das carências e aspirações legítimas da nação".

Parlamentares discutem manobras para manter repasses Diante do freio imposto pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), nos pagamentos do orçamento secreto, parlamentares discutem uma manobra para manter o controle sobre o cofre do Executivo, definindo como e onde bilhões de reais das verbas federais devem ser aplicados.

Uma alternativa defendida por integrantes da Comissão Mista de Orçamento (CMO) é abandonar as emendas de relator-geral, foco da decisão da ministra, para turbinar outro tipo de repasse, as chamadas emendas de comissão, que hoje são pouco utilizadas, mas pelas quais também não é possível identificar os responsáveis pelas indicações. Neste novo modelo, contudo, o Palácio do Planalto poderia continuar a distribuir dinheiro a deputados e senadores em troca de votos no Congresso.

Rosa mandou suspender na sexta-feira todos os pagamentos feitos pelo governo, por meio das emendas de relator, e se disse "perplexa" com o fato de o dinheiro público ser "ofertado" a um grupo de parlamentares sem critérios mínimos de transparência. A decisão foi uma resposta a ações de partidos que questionaram o Supremo após o Estadão revelar o esquema de "toma lá, da cá" montado pelo governo de Jair Bolsonaro. A liminar da ministra foi submetida a julgamento no plenário virtual, onde os demais integrantes da Corte têm até amanhã para decidir se mantêm ou não o veto.

Na CMO, colegiado responsável por definir as regras de como o dinheiro público deve ser aplicado a cada ano, o discurso é o de que é preciso dar visibilidade aos repasses do Orçamento. A solução de acabar com as emendas de relator para privilegiar as de comissão divide o grupo. "Aquilo que está fora do eixo normal de funcionamento da Casa vai ter de ser debatido. Nós temos de ver as correções a fazer, independentemente do que o STF decidir", afirmou ao Estadão a presidente do grupo, senadora Rose de Freitas (MDB-ES).

Comissões As emendas de comissão são indicações feitas pelos relatores dos 39 colegiados temáticos da Câmara e do Senado, como de educação ou urbanismo. Essas emendas são coletivas e não exigem a identificação do autor da proposta. A compra de tratores por meio de uma emenda de comissão, por exemplo, seria atribuída a todo o grupo, e não a um parlamentar específico.

Para Rose de Freitas, no entanto, é possível dar transparência a essas indicações com as emendas de comissão. "É só os autores serem signatários das emendas que estão fazendo", disse ela. A regra atual, porém, não obriga que o deputado ou o senador se identifique.

Diferentemente de outras modalidades, como as emendas individuais ou de bancadas, as indicações de comissões não são impositivas, ou seja, o governo não é obrigado a pagar e por isso há pouco interesse de parlamentares. No Orçamento do ano passado foram liberados R$ 582 milhões a municípios e governos estaduais neste formato. Neste ano, nada.

O vice-presidente da CMO, senador Izalci Lucas (PSDB-DF), é um dos que defendem acabar com as emendas de relator para privilegiar as de comissão. Ele aponta como vantagem o fato de que esta modalidade esvazia o poder do relator-geral do Orçamento, a quem cabe concentrar as demandas de parlamentares por verbas para redutos eleitorais. "Democratizar, descentralizar e dar mais transparência. Essa é a solução que a CMO deve trabalhar", disse ele.

Bolsonaro critica Bolsonaro também defendeu ontem a distribuição de recursos a parlamentares via orçamento secreto e disse que Rosa "não foi justa" ao suspender os pagamentos. Para o presidente, não é possível se falar em "barganha" se quem decide como e onde o dinheiro público deve ser enviado é o relator-geral do Orçamento, ou seja, um parlamentar.

"Dizer que nós estamos barganhando... Como eu posso barganhar se quem é o dono da caneta é o relator, o parlamentar?", questionou o presidente, em entrevista à rádio Jovem Pan Curitiba. "O parlamentar é quem sabe onde precisa de recursos. Não vou discutir a legalidade porque é legal", acrescentou.

O mecanismo criado no governo Bolsonaro, porém, permite que parlamentares imponham aos ministérios o que fazer com recursos da emenda de relator. A decisão de liberar a verba é do Executivo.