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Paulo Sales
Publicado em 30 de março de 2020 às 11:17
- Atualizado há um ano
O trecho a seguir é do escritor espanhol Javier Cercas, no livro O Impostor: “Meu pai e minha mãe viveram sob uma guerra. Meu avô e minha avó também. E também meu bisavô e minha bisavó. E assim por diante. Mas eu não. Sempre se diz que o esporte europeu por excelência é o futebol, mas isso é mentira. O esporte europeu por excelência é a guerra. Durante mil anos, na Europa, não fizemos outra coisa além de matar uns aos outros. E aí chego eu, e sou o primeiro, a primeira geração de europeus que não vive sob guerra. Não consigo acreditar. Há quem diga que tudo isso já passou, que uma guerra é agora impossível de acontecer entre nós, mas eu não acredito nisso... Veja este lugar aqui... eram pessoas como você e eu, morrendo aos milhares, feito cães, da forma mais asquerosa e mais indigna possível.”
Não deixa de ser curioso que os europeus – mas não só eles – estejam novamente morrendo aos milhares, desta vez sem que uma guerra esteja em curso. Ou ao menos uma guerra tradicional, entre exércitos inimigos e artilharias pesadas. É justamente o oposto: todos os países se irmanam e se compadecem na tragédia coletiva que parou o mundo, sem qualquer prognóstico de que se encerre em um curto prazo. Voltamos 100 anos no tempo: vivemos um surto pandêmico semelhante ao da gripe espanhola, que dizimou 50 milhões de pessoas e infectou um quarto da população mundial entre 1918 e 1920.
A Europa sabe o que é sofrimento. Sabe o que duas guerras mundiais fizeram por lá. Daí o fato de os principais líderes do continente, bem ou mal, não fugirem à própria responsabilidade. É isso ou os caixões vão ser incinerados num ritmo ainda mais assustador. A alemã Angela Merkel e o francês Emmanuel Macron são exemplos de líderes que se comportam como o que de fato são: estadistas. Pessoas que possuem plena consciência dos cargos que ocupam e do que deles se espera. Daí a prudência, a lucidez e o comprometimento com decisões extremas, mas eficazes.
O Brasil não conta com a sorte de ter no comando um líder com a altivez de Merkel ou Macron. A cada dia que passa, a cada pronunciamento patético, a cada medida tresloucada, nos damos conta do estado demencial do atual presidente. Um homem despido de integridade moral e dotado de nanismo intelectual agudo, cercado por uma prole de patetas feitos à sua imagem e semelhança. Um indivíduo cuja única obstinação consiste, na prática, em elevar o país ao posto de primeiro do ranking de letalidade da nova pandemia. Como se não bastassem nossa miséria endêmica e nossa permanente convulsão social, como se não bastassem nossa brutalidade, ignorância e desigualdade.
Para nossa salvação, governadores e prefeitos dos mais diversos matizes ideológicos estão tocando o barco, atendo-se ao necessário, evitando que os arroubos de insanidade do presidente tenham alcance devastador. Mas uma coisa é certa. Quando as águas desse dilúvio chamado coronavírus baixarem e pudermos voltar a pôr os pés em terra firme, não podemos nos esquecer: há homens que não têm estatura moral para liderar nações, seja em tempos de penúria, seja em tempos de bonança. Que retornem, portanto, à insignificância.