'Os homens precisam deixar o preconceito e o desleixo para cuidar da saúde', diz urologista

Augusto Modesto foi o convidado do programa Saúde & Bem-Estar do CORREIO

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  • Da Redação

Publicado em 10 de novembro de 2020 às 20:29

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução

Os homens precisam deixar os preconceitos e desleixo de lado e fazer consultas médicas regularmente. Cânceres detectados em fase inicial têm chance alta de cura e doenças crônicas têm que ser controladas para evitar agravamentos. Protocolos de prevenção para homens de todas as idades existem e devem ser seguidos. Estas são algumas das recomendações do médico Augusto Modesto, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) da Bahia, convidado desta terça-feira (10) do programa Saúde & Bem-Estar apresentado pelo jornalista Jorge Gauthier no Instagram do jornal CORREIO. 

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De acordo com Modesto, os homens não se cuidam como deveriam por falta de entendimento e até por vivermos em uma sociedade machista. “O homem, culturalmente, vai menos ao médico. Negligencia problemas de saúde por medo, desleixo, ou porque acha que não precisa se preocupar porque é o ‘machão’ e não entende o que é a prevenção e o controle de doenças crônicas”.

Uma das especialidades mais evitadas por homens por causa de preconceitos é a urologia. A urologia é uma especialidade cirúrgica da medicina que cuida desde a criança recém-nascida até o idoso, desde a parte sexual do homem à parte urinária de todas as pessoas.

Consultar um urologista, porém, é importante para manter-se saudável e evitar doenças graves, como câncer de próstata. “A maioria dos cânceres na fase inicial são assintomáticos. 85% dos cânceres de próstata são iniciais, localizados, sem nenhum sintoma. Então se você não entra no protocolo de prevenção, não tem um urologista, fica negligenciando e espera os sintomas aparecerem, perdeu o “time”, faz parte dos 15% improváveis de serem curados”, adverte o médico urologista. Ele informa que, para evitar esse tipo de problema, existem protocolos para todas as idades de prevenção, que devem ser seguidos.

Modesto explica que com o aumento da expectativa de vida, a chance de ter câncer é maior e que, para evitá-lo, é importante ter hábitos saudáveis. “A expectativa de vida do homem está crescendo e, quanto maior tempo de vida, maior a chance de ter câncer. Mais de 70% das pessoas que vivem até os 100 anos têm câncer de próstata. Por conta disso, a qualidade de vida passou a ter mais importância”. 

Segundo o médico, hoje, as chances de cura são altas se o câncer for detectado em fase inicial. “Há 40/50 anos, quem tinha câncer era fadado à morte. Com estudos, avanços e protocolos de prevenção, começamos a ver que se qualquer câncer for precocemente detectado, geralmente, há chances altas de cura”. 

O médico explica que o câncer é multifatorial: tem, além da genética, outras causas e que há alguns pilares para evitar o câncer: “cortar drogas, diminuir hábitos ruins, se alimentar bem e se exercitar, além de controlar estresse e ansiedade”, cita. Segundo Modesto, drogas, alimentação ruim, sedentarismo e ansiedade podem ser gatilhos para iniciar algum tipo de câncer e afirma que controle de risco é a melhor maneira para evitar esse tipo de doença.

O médico recomenda que todo homem faça uma avaliação geral todo ano. E adverte que quem tem histórico familiar de doenças tem que procurar médico mais cedo. “É muito particularizado, não há receita de bolo” diz. “ O homem precisa de um clínico geral, que vai fazer uma triagem e pedir principais exames. A depender do resultado desses exames, ele vai encaminhar você para especialistas”.

A Sociedade Brasileira de Urologia do Brasil recomenda que a partir de 40 anos, é preciso procurar um urologista.  Homens negros com histórico familiar, aos 45 anos, e sem histórico, aos 50. O rastreamento do câncer de próstata é feito com o exame PSA (Antígeno Prostático Específico), que possui orientações a seguir para se fazer o exame, e o de toque, que é feito com um urologista, que é o especialista. “Esses dois exames têm 90% de chance de diagnóstico. Caso haja suspeita, é pedida uma biópsia para ter 100% de certeza. E antes da biópsia, pode ser pedida uma ressonância multiparamétrica da próstata”, explica o especialista.

Depois do resultado, há análises a serem feitas e escolha de um tratamento, diz Modesto. “Tem que saber classificação, grau, comorbidades, idade, etc. para desenvolver um arsenal terapêutico. Os tratamentos geralmente são feitos por radioterapia ou cirurgia. Mas, hoje, há casos diagnosticados de baixo risco, que pode não ser feito nada, só vigilância ativa”. O médico afirma que a vigilância, em pacientes com câncer de baixo e baixíssimo risco em países de primeiro mundo, é a primeira opção, mas “estamos longe de sermos iguais no Brasil por vários fatores”, lamenta. 

Modesto recomenda sempre procurar uma segunda opinião feita por um médico da sua confiança, em qualquer diagnóstico de câncer. “Há um leque de opções que devem ser avaliadas e a decisão deve ser compartilhada entre o paciente e médico”, finaliza.

Pesquisa

Se so homens já evitavam ir ao médico, o isolamento social o afastou ainda mais dos serviços de saúde. Pesquisa inédita realizada pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) mostra que 55% dos homens acima de 40 anos deixaram de fazer alguma consulta ou tratamento médico em função do surto da Covid-19.  Com a pandemia em curso, 57% desse grupo acima dos 40 anos afirmaram ter percebido um impacto negativo na saúde, incluindo 9% que consideravam que a sua saúde estaria pior do que antes. Sobre o impacto do novo coronavírus na vida de uma forma geral, 88% desses homens afirmaram terem sido afetados, sendo que 37% relataram ter afetado muito. 

A pesquisa on-line abrangeu 22 estados da federação, inclusive a Bahia, e teve 499 participantes. Acadêmicos de medicina de diversas cidades do país auxiliaram para a coleta de dados. Dos entrevistados, 75% tinham mais de 40 anos, 77% eram do sexo masculino, 2,18% já tiveram um diagnóstico de câncer de próstata e apenas 6% admitiram que, habitualmente, não cuidavam ou não se importavam com a sua saúde. 

Sobre a impressão individual de que as pessoas estariam indo menos ao médico ou fazendo menos os tratamentos, 81% de todos os entrevistados consideraram que sim. Vinte e três porcento dos participantes da pesquisa relataram ter encontrado dificuldade de acesso ao procurar por consultas ou tratamentos médicos durante a pandemia e 40% disseram que não procuraram.  

Dos pacientes masculinos (de todas as idades), 33% relataram ir regularmente ao urologista e 3% afirmaram que nunca consultariam esse especialista, demonstrando que ainda existe resistência em relação aos cuidados com a saúde urogenital. Para 92% de todos os entrevistados, no entanto, a campanha Novembro Azul de conscientização sobre o câncer de próstata é útil ou importante. 

De acordo dados levantados pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) e Sociedade Brasileira de Patologia (SBP) junto aos principais serviços de referência do país, nas redes pública e privada entre março e maio, no Brasil houve uma queda de 70% das cirurgias oncológicas e de até 90% das análises de biópsias, estimando-se que 50 mil brasileiros deixaram de receber diagnóstico de câncer nesse período.  

Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), somente para 2020 são esperados 65.840 novos casos, com 15.576 mortes relacionadas (Atlas de Mortalidade por Câncer, 2018).  Na Bahia são estimados 6.130 novos casos para este ano, porém podem não ser diagnosticados a tempo por conta do isolamento social.  Pensando nessa realidade que envolve a importância da obtenção do diagnóstico precoce e da continuidade do tratamento, mesmo em tempos pandêmicos, a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) realiza no mês de novembro mais uma edição do Novembro Azul, que visa conscientizar os homens sobre a sua saúde. 

Desleixo Uma preocupação que surgiu na pandemia foi o aumento no índice de homens que deixaram de fazer consultas médicas nesse período. “Na pandemia, aumentou muito o número de doenças crônicas, reumáticas, neurológicas e câncer. Os pacientes interromperam seus tratamentos e estas doenças evoluíram”, diz o médico. Modesto destaca que há uma “janela terapêutica”, ou seja, um tempo desde o diagnóstico precoce, onde ainda há chance de cura. Os pacientes que não são diagnosticados precocemente, não iniciaram o tratamento com rapidez ou o interromperam, perdem essa janela.

As doenças crônicas mais comuns entre os homens brasileiros são pressão alta e o diabetes, que são relacionados com a obesidade, que está crescendo no Brasil. “São duas doenças crônicas que não têm cura, têm controle”, explica o urologista. Se não controladas, essas doenças podem causar uma série de agravantes: “são as maiores causas de insuficiência renal, aí tem que fazer hemodiálise e talvez entrar em fila de transplante. Se não tem controle, dão problemas em vários órgãos. As principais causas da disfunção erétil ou impotência são diabetes ou pressão alta descontrolados. Derrame, AVC, infarto e ruptura de aneurisma podem acontecer em picos de pressão, que podem levar à morte.”. Para evitar que isso aconteça, Modesto sugere ir ao endócrino e cardiologista com regularidade, pois são doenças silenciosas e por isso precisam de exames regulares e ser controladas. 

Essas doenças têm como causa, além do desleixo em relação à consultas, com a rotina na quarentena: “os homens deixaram de fazer exercício físico, passaram a ter uma alimentação pior, ficam em casa com tédio e estresse, depressão. É um conjunto de fatores que levaram à descompensação dessas doenças e agora teremos as repercussões disso”, avisa o especialista.    *com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier