'Os juristas não enxergam raça como o cerne dos problemas no nosso país', diz promotora

Lívia Vaz conversou com o CORREIO sobre racismo institucional e o sistema judiciário brasileiro

Publicado em 18 de setembro de 2020 às 20:23

- Atualizado há um ano

. Crédito: Imagem: Reprodução/Instagram

Terceira convidada do programa de lives Conexões Negras, do CORREIO, a promotora de Justiça e coordenadora do grupo de atuação especial de proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis/MP-BA), Lívia Vaz conversou, nesta sexta-feira (18), com a colunista Midiã Noelle sobre racismo institucional e o sistema judiciário brasileiro.

No bate-papo, a promotora relembrou como foi inspirada a entrar na carreira jurídica e debateu sobre temas como há impunidade para os crimes de racismo, política de encarceramento massivo, formação do estereótipo do bandido e necropolítica estatal.

Atuando há quase 16 anos no Ministério Público da Bahia, Lívia conta que sempre foi uma criança de perfil contestador e desde muito cedo se deparou com a questão racial. 

“E foi aquela coisa em que eu não me percebi negra, eu fui acusada de ser negra. Uma vez uma pesquisadora estava colhendo dados sobre violência racial e me perguntou qual foi a forma mais violenta que eu tinha sofrido e eu respondi que foi quando apanhei, uma memória de infância. Eu não levava isso para casa talvez por culpa, por não querer preocupar os meus pais, já tinha isso de me defender muito, então eu trouxe essa essência para a vida e isso pauta minha vivência”, disse. 

Mestra em Direito Público, ela conta que era uma das poucas pessoas negras na faculdade e decidiu que seria promotora depois da experiência como estagiária do MP-BA, onde se deparou mais fortemente com as questões de Direitos Humanos. Lívia relatou que, após ingressar no órgão, passou 12 anos da carreira tentando provar para as pessoas que era promotora.

“Perguntavam para mim: Cadê a promotora? A gente está falando de Salvador, Bahia, onde deveria ser natural a presença de pessoas negras nos espaços públicos”, disse, pontuando ainda que a capital baiana nunca teve um prefeito ou prefeita negros.

Mesmo após 132 anos da Lei Áurea, que decretou a proibição da escravidão no Brasil, Lívia enxerga que a questão racial se mantém como fator responsável pela desigualdade social no país, que pode ser vista principalmente aqui no estado, onde as vítimas de homicídios e feminicídios são, em sua maioria, pessoas negras. O mais recente Atlas da Violência, com dados de 2018, trouxe a Bahia como o estado com o maior número de mortes por homicídio no país, pelo quarto ano consecutivo, e 90% das vítimas foram negros.

“Os juristas e as juristas do nosso país, que são majoritariamente brancos não enxergam a raça como o cerne dos problemas no Brasil. Vivemos uma pseudodemocracia quando 56% da nossa população é excluída de acesso a direitos fundamentais e espaços. O Conselho Nacional de Justiça fez uma pesquisa em 2018 e as mulheres negras representam só 6% da magistratura brasileira. Isso tem um impacto direto no serviço prestado à população”, afirmou.

ANOTE NA AGENDA

O programa Conexões Negras com Midiã Noelle acontece todas às sextas-feiras, às 18h, no Instagram @correio24horas. A próxima live será com Nazaré Mota de Lima, professora da Uneb, doutora em Letras e Linguística pela Ufba, que falará sobre educação para a promoção da igualdade racial. Não perca.