Os oito carnavais de um prefeito folião

Nos últimos oito anos, a festa popular foi reinventada e atraiu multidões de volta para as ruas

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 26 de fevereiro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto? Valter Pontes/Secom
ACM Neto acompanha desfiles no Campo Grande por Foto: Valter Pontes

Fevereiro de 2013. A escolha de Ziriguidum como música do carnaval naquele ano era a prova de que a Axé Music reinava absoluta numa festa que carecia de renovação. O então novo prefeito de Salvador, ACM Neto, entregava pela primeira vez as chaves da cidade ao Rei Momo, na passarela do Campo Grande, animados pela música de Bell Marques, ainda no Chiclete com Banana. 

Oito anos depois e tendo tido a oportunidade de organizar sete carnavais – uma vez que aquele primeiro foi planejado na gestão anterior – Neto diz sem hesitar o que considera ser o grande legado que ele deixa para festa que ele tanto ama. “O que eu acho que fica muito claro é o crescimento do Carnaval de Salvador, a explosão de gente nas ruas da cidade”, disse.

Parafraseando o jogador Bruno Henrique, do Flamengo, sobre o futebol do seu time, o Carnaval de Salvador está em outro patamar. 

Este ano, a festa atraiu uma média de 3 milhões de pessoas por dia nas ruas, segundo estimativa da Prefeitura, espalhadas por sete circuitos oficiais e em dez bairros da cidade. Em todos os dias de festa, os números do serviço de transporte público indicaram aumentos de dois dígitos na quantidade de pessoas que se deslocaram. Mas não se trata apenas de volume, o Axé hoje divide espaço harmonicamente com o pagode, o samba, música sertaneja, rock e o que mais aparecer. E o carnaval soteropolitano movimenta atualmente R$ 2,2 bilhões. 

Nos últimos dias, o prefeito falou muito na “sensação do dever cumprido”, no “legado” que deixou para a cidade e na “alegria” que sente por ter trabalhado para melhorar Salvador e, como consequência, o carnaval da cidade. Tudo isso esteve presente em suas respostas nos quase 20 minutos de entrevista ontem, quando teve que responder a questões áridas, como as declarações de Igor Kannário, ou questionamentos sobre a estrutura da festa.  Haja perguntas sobre segurança, mobilidade, atrações e o futuro dos circuitos da festa. 

“Pronto, por hoje é só”, tentou encerrar o prefeito antes de ser puxado para mais algumas perguntas.  Coisa de dez minutos após finalmente deixar a sala de imprensa, o zap da redação dá o aviso: “Neto tá na pipoca no Campo Grande”. Verdade! Tava lá o homem pulando em plena Terça-feira de Carnaval como se tivesse acabado de acordar no primeiro dia da festa. 

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E na realidade, dormir nestes últimos dias foi coisa rara na rotina do prefeito – quatro horas por dia. Era aquela coisa básica na rotina do gestor que é também folião, trabalho até meia-noite para poder brincar um pouco até a madrugada. “Às vezes estou passando pelo circuito, ou em um camarote, às 5h da manhã, e vejo algo que dá para melhorar na festa”, confidenciou Neto no último domingo. Isto foi algo que fez desde seu primeiro carnaval como prefeito, garante. 

Na sexta-feira, parou alguns minutos para homenagear a equipe da Limpurb, que garantiu a limpeza dos circuitos durante a festa. “Aqui é assim, a gente se diverte trabalhando e trabalha se divertindo”, disse em trecho de um vídeo postado no Intagram. 

Em outra postagem, surge ao lado do amigo Márcio Vitor, a quem sempre fez questão de prestigiar, ou de Ivete Sangalo, de quem é fã declarado. Na foto com Bell, que estava com ele em sua primeira entrega de chaves, faz questão de registrar: “Foram oito carnavais como prefeito. Muita coisa mudou, mas tem uma que não muda nunca: a energia e a força desse símbolo da nossa música. Valeu, @bellmarques, pelo seu amor à nossa cidade e ao nosso carnaval”.

Na postagem em que ele aparece pulando ao som do Mudei de Nome, uma seguidora deixa a pergunta: “Em qual cidade o Prefeito pula no meio do povo?!! Ahhhhhhhhh Só se ver em Salvador!!”.“A gente passa o carnaval inteiro sempre com muita atenção. Não é a toa que a gente fica até a madrugada nas ruas, em contato com a equipe, passando as questões e definindo as prioridades. É prontidão total, mas o carnaval é um grande sucesso”, conta. E é assim nos mínimos detalhes. Mesmo no trânsito, elogiado pelos foliões, o prefeito vê possibilidade de melhorar. “Na média, a mobilidade está muito melhor que no ano passado, mas teve alguns pontos de congestionamentos que ainda podem ser trabalhados”, exemplifica. 

Até mesmo a política, outra paixão do prefeito, acaba ficando em segundo plano nos dias da festa. Apesar de algumas conversas, “entre um trio e outro”, ele diz que prefere deixar o assunto para outros momentos. “Entre um trio e outro, a gente acaba de vez em quando trocando ideias, é normal. Mas o foco não é política. Vocês sabem de minha parte o quanto eu fico mergulhado no acompanhamento da estrutura da festa”, lembra. “Nós tratamos de uma dezena de questões que aconteceram ontem na cidade e muitas eu vi de perto, porque eu estou nas ruas, para cima e para baixo. Se não for assim, não vamos conseguir fazer um evento na dimensão que fazemos. A política fica em um segundo plano, para depois da quarta-feira de Cinzas”, disse.  Se no Carnaval que se encerrou oficialmente ontem, uma multidão sem precedentes tomou as ruas da capital, há oito anos, o aperto tinha outra explicação, lembra Neto. “Quando a gente chegava aqui (no Campo Grande) em 2013, não via espaços nas ruas para o folião. Era tudo corda e as pessoas ficavam numa linha marginal à festa. Hoje a festa está nas ruas e é do folião. Essa é uma conquista nossa”, destacou. 

O crescimento da festa foi tão grande nos últimos oito anos que trará um novo desafio para as próximas gestões, acredita o prefeito. “Eu tentei andar no circuito Barra-Ondina ontem (no domingo), vi de perto uma quantidade de gente que eu nunca tinha visto, repetindo o que já havia acontecido no sábado. A próxima gestão terá que pensar nos caminhos que o carnaval precisa ter para evitar essa pressão tão grande no circuito, que é algo que é desejado pelas pessoas”, diz. 

Patrocínios Entre as inovações que trouxe para a folia, Neto acredita que o modelo de patrocínios adotado pela Prefeitura está entre as suas iniciativas mais bem sucedidas. “É um sucesso absoluto, não há uma prefeitura no país que consiga arcar com mais da metade de todos os seus custos relacionados à festa com recursos privados, como nós conseguimos”, disse. Este ano, as empresas Skol, Veloe e Hapvida investiram mais de R$ 40 milhões na festa. 

O prefeito destacou a relevância do acordo de patrocínio com a marca de cervejas Skol, da Ambev. “Em contrapartida, a Skol tem a zona de exclusividade para a venda de bebidas”, disse. Neto lembrou que o assunto chegou a despertar polêmica no passado, mas a “concordância da população” fez o assunto ser superado. 

“A população é favorável sim que a Prefeitura busque recursos para bancar a festa e para garantir que no restante do ano tenhamos condições de fazer investimentos em infraestrutura, saúde e educação”, respondeu. “Se tem uma coisa que eu acho um grande êxito e que é até paradigmático é o nosso modelo de patrocínio”, destacou. 

Legado ACM Neto diz considera a transformação do carnaval como um reflexo de um processo maior, verificado na cidade.  “Eu acho que a mudança do carnaval, a dimensão que ele alcançou, é fruto da mudança da cidade, que é o palco do carnaval. Se não estivess bem, se não tivesse melhorado muito, o carnaval não teria a dimensão que tem”, acredita. 

Ele lembrou que isso trouxe reflexos positivos para toda a economia soteropolitana. “Hoje, registramos 95% de ocupação na rede hoteleira, é o carnaval mais procurado de todos os tempos. Tivemos um crescimento de 11% na movimentação do aeroporto em números de passageiros. Tudo isso mostra o bom momento vivido, não apenas no carnaval, mas durante todo o ano”, acredita.“Eu confesso que em 2013 eu não imaginava que a gente iria conseguir fazer tanto quanto fizemos, dar essa dimensão que demos à festa, reoxigenar o carnaval, trazer novidades, incrementar este produto que é tão importante para a cidade de Salvador. Com toda a franqueza, eu acho que a gente mudou o patamar do carnaval”, avalia. “Qualquer um que me suceda no próximo ano vai ter um desafio grande, porque terá que vir com boas ideias, criatividade, como nós viemos há sete anos atrás, completando o nosso oitavo carnaval”, diz. Quem chegar vai encontrar um planejamento pronto, diz o prefeito, lembrando em seguida que, naturalmente, a nova gestão terá a possibilidade de decidir manter ou não. 

Um dos poucos pontos ainda em aberto em relação ao próximo carnaval é o futuro do folião ACM Neto. “Aí eu vou deixar nas mãos de Deus”, ri.