Os sem-matrícula: menos de 20% dos pais e mães confirmaram a matrícula para o 2021

Atraso preocupa as escolas particulares, sobretudo, as de Educação Infantil; segundo o Sinepe-BA, 17 instituições de ensino baianas já comunicaram o fechamento

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  • Priscila Natividade

Publicado em 21 de novembro de 2020 às 11:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Nara Gentil/ CORREIO

“Nos anos anteriores, as matrículas sempre foram feitas logo no primeiro momento disponibilizado pela escola. Costumo me organizar durante o ano para pagar a anuidade e garantir um desconto maior. Porém, eu só vou matricular meus filhos, quando as aulas voltarem a ser presenciais”.  A decisão da servidora pública Higina Amoedo - Mãe de Bruna, de 8 anos, e Rafael de 5 anos - de não efetivar a matrícula para o ano que vem, tem a ver com as incertezas causadas pela pandemia:  

“A pressão está no apelo do desconto para os pais que matricularem até o dia 10. Porém, vou reavaliar outras opções, como matricular em uma escola mais em conta e complementar os estudos com aulas individuais”, completa. Ela não nega que havia cogitado, esse ano, matricular as crianças no ensino público, mas acabou permanecendo na rede privada.

“Conversando com alguns amigos de fora da Bahia que fizeram isso, vi que estava sendo uma prática comum, em São Paulo, para cumprir a obrigatoriedade. Como eu tenho a perspectiva de que as coisas voltem ao normal ano que vem, eu não penso mais nessa possibilidade”.   

Assim como Higina, outros pais estão retardando esse processo, o que preocupa as instituições privadas de ensino baianas. No período em que a rede particular caminharia para a confirmação de 40% das matrículas de 2021, a média está em 15% a 20% — ou seja, menos da metade do esperado — quando comparado ao mês de novembro do ano passado.  

A estimativa é do Sindicato das Escolas Particulares do Estado da Bahia (Sinepe-BA) que está apreensivo com a demora dos pais em confirmar as matrículas.“É a partir disso que as escolas abrem as turmas ou demitem os professores. Neste ano, há um agravante que é a garantia do emprego por conta do acordo de redução de salários, que encarece as demissões absurdamente”, destaca o diretor da entidade, Jorge Tadeu.  Para ele, a falta de uma posição do poder público sobre a liberação das aulas presenciais é a principal razão do atraso no movimento tanto de novas matrículas como de renovações. “Só na semana passada, 17 escolas comunicaram o encerramento. Já é difícil dizer aos professores que não haverá 13º e ainda chegar agora no fim do ano e dizer que a escola vai fechar? O retorno, em novembro, para todos os níveis, é fundamental”.  

As escolas estão fechadas, pela pandemia, desde o mês de março. Tadeu acrescenta que a demora na reabertura vai custar muitos empregos. “A expectativa é que com o retorno facultativo e alternado para os alunos, tenhamos uma grande oportunidade de ‘ensaiar’ o funcionamento em fevereiro de 2021”, defende.  

O cenário também chama a atenção das instituições que integram o Grupo de Valorização da Educação (GVE), que reúne 80 escolas da capital e Região Metropolitana. De acordo com representante do coletivo, Wilson Abdon, as matrículas na educação infantil são as mais afetadas.

“A indefinição sobre a volta às aulas atrapalha muito as matrículas de educação infantil, principalmente. Mesmo nas séries maiores, os pais querem ter certeza de como serão essas aulas em 2021”, afirma.  Motivos  Segundo os resultados mais recentes levantados pela Sinopse Estatística da Educação Básica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a Bahia tem, hoje, quase 3,5 milhões de estudantes matriculados na Educação Básica. Destes, 353,4 mil estão na Pré-Escola, 1,1 milhão nos Anos Iniciais e 892,8 mil nos Anos Finais. 198,8 mil são os matriculados em creches, com idade inferior a 4 anos.   

O engenheiro e pai de Catarina, de 2 anos, Pedro Monteiro Filho, é mais um dos que optaram por aguardar a liberação da Prefeitura de Salvador e do Governo do Estado até que a filha vá para a escola novamente. “Retiramos ela da escola em julho. Eu e minha esposa optamos por aguardar a liberação oficial para termos certeza da efetividade do protocolo e das adaptações”, diz.  

No caso da administradora e mãe de George Gael, de 3 anos, Viviane Sousa, escola novamente, só mesmo quando houver vacina.“Vou tentar procurar alguém de confiança que dê aula em domicílio. Para a escola presencial, ele só retorna após a vacina chegar”.  A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) determina que todos os brasileiros estejam matriculados na educação básica a partir dos 4 e até 17 anos, o que impede de manter fora da escola uma criança ou adolescente, em idade escolar.   Somente na Educação Infantil, até os 3 anos, é que a permanência não é obrigatória.  

Já sobre a educação domiciliar, o país não tem nenhuma regulamentação para o homeschooling. De acordo com as informações do Ministério da Educação (MEC), existe um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional, apoiado pelo MEC, para possibilitar a adoção da educação em casa.  

“No artigo 246, o Código Penal define como abandono intelectual do menor de idade, deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária de filho em idade escolar, com previsão de pena de detenção, de 15 dias a um mês, ou multa”, explica a especialista em direito de Família e do consumidor, do escritório Cândido Sá & Advogados Associados, Renata Quadros.  

As escolas devem comunicar ao conselho tutelar os abandonos e a evasão escolar, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).Até o momento, não foi publicada nenhuma lei flexibilizando essa obrigação, então ela permanece. Os pais também podem até perder a guarda dos filhos caso eles não estejam matriculados”, pontua. Migração O coordenador de projetos da organização sem fins lucrativos Todos Pela Educação, Ivan Gontijo, sinaliza que os efeitos da pandemia podem aumentar o volume de transferências de alunos da rede particular para o ensino público. O receio do retorno às aulas presenciais, na tentativa de cumprir essa obrigatoriedade da matrícula - além do impacto na renda e fechamento das escolas que não conseguiram se sustentar diante da crise -, são alguns dos fatores que preocupam.  “Se essa for uma elevação de até 10%, é um movimento possível de ser contornado. Agora, se esse aumento chegar a 50%, por exemplo, teremos aí um problema sério”, avalia.Na Educação Infantil, a procura por vagas no ensino público tende a ser maior. “Vai ser muito desafiador, para os novos prefeitos, essa situação, diante do crescimento da fila de vagas por creche”. 

Tanto a Secretaria Municipal de Educação de Salvador (Smed), quanto a Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC) disseram que ainda não há data definida para o início das matrículas de 2021.    Respostas A contadora e mãe de Marcos Vinicius, 3 anos, Karla Mello, recebeu, na última semana, o comunicado de matrícula, mas antes de confirmar ou não a permanência de Marcos, ela quer respostas da escola onde ele estuda.  “Meu filho só vai voltar com a com a garantia de que a escola estará preparada para os novos modelos e formatos que serão adotados”, ressalta.  

Frente às transformações impostas pela pandemia, na hora de escolher uma escola vai ser fundamental considerar não somente a sua concepção pedagógica, mensalidade ou a estrutura física. É o que orienta a doutora e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Leila Soares.“É importante procurar propostas que não sejam apenas a importação do presencial para online. É necessário que haja um modo específico de funcionar no online. Desde o tempo, planejamento, propostas pedagógicas e avaliações”.   A presidente da Avante Educação e Mobilização Social, Maria Thereza Marcilio, concorda: “a solução para os pais é buscar a escola e ela precisa fazer um trabalho muito sério de formação, acolhimento e proteção. Se, mesmo assim, alguma família achar que não pode voltar, a instituição tem que apoiá-la à distância”.    

A publicitária Kira Perdigão é mãe de Arik, de 3 anos. Ela é mais uma que optou por não matricular o filho até que encontre uma instituição com um projeto bem definido para as aulas online, condição que não abre mão.  

“Quero uma escola onde a gente possa dialogar e onde meu filho não seja prejudicado se eu não quiser mandar ele para o presencial até que essa questão da pandemia esteja controlada e que eu tenha mais segurança”. 

REAJUSTE NAS MENSALIDADES DEVE CHEGAR A 7%

As mensalidades escolares devem sofrer um reajuste de até 7% para o ano que vem, conforme adianta o Sindicato das Escolas Particulares da Bahia (Sinepe-BA). No entanto, segundo diretor da entidade, Jorge Tadeu, existem escolas que decidiram não aplicar nenhum aumento.  

“Os dados da planilha de custos para formação de preços são de 2019, portanto, precisam ser revisados. Estamos indo para o orçamento de 2021. Cada escola analisará sua situação e de sua comunidade e decidirá”, afirma.  

A Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) divulgou uma nota, na última semana, sobre o reajuste para 2021. A entidade defendeu que houve o aumento de custos das escolas para adequação ao ensino remoto e, também, quanto aos investimentos necessários para cumprimento dos protocolos de segurança devido à pandemia.

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“Neste ano, em todo o país, a inadimplência dobrou. Mesmo com todas as dificuldades, a escola particular está trabalhando duro, não parou, só mudou de lugar e nossos estudantes aprenderam. Cada instituição de ensino tem a autonomia de estabelecer a adequação de acordo com suas planilhas de custo. A escola não pode errar na sua precificação”, comenta o presidente da Fenep, Ademar Batista Pereira.  

O Governo do Estado e a Prefeitura de Salvador ainda não sinalizaram a data do retorno das escolas. Só o ensino superior foi autorizado a retomar as aulas presenciais, desde 3 de novembro.

TIRE SUAS DÚVIDAS SOBRE AS MATRÍCULAS PARA 2021  O que é direito dos pais neste momento em que as escolas iniciam a campanha de matrícula e rematrícula? Segundo a especialista em Direito de Família e do Consumidor do escritório Cândido Sá & Advogados Associados, Renata Quadros, o primeiro ponto importante está no direito dos pais de terem acesso à planilha de custos da escola, antes de confirmar a matrícula para o ano que vem. “Pela lei, o valor das mensalidades deve estar embasado na planilha de custos da escola”, garante.   Os pais que preferem aguardar as decisões do poder público quanto à retomada das aulas presenciais podem perder a vaga, caso não confirmem, agora, a matrícula?   

 Os pais podem perder a vaga sim, como explica a especialista. “As escolas têm calendário específico para matrícula, sendo que mesmo que não haja o retorno das atividades presenciais, as aulas estão sendo prestadas no formato remoto, respaldado pelas legislações educacionais”.   As escolas estão obrigadas a manter a redução de mensalidade de até 30%, como a exige a lei aprovada em julho pela Assembleia Legislativa (ALBA)?  Vai depender de quando a reabertura das escolas for autorizada pelo poder público. Isto porque a redução mínima, de até 30% das mensalidades na rede particular de ensino é válida só até a volta das aulas presenciais. “A Lei determina a manutenção do desconto enquanto durar a suspensão das atividades presenciais”, ressalta a advogada.As escolas também vão poder reajustar o valor das mensalidades na pandemia?    Esse é mais um critério que está ligado a planilha de custos para 2021 apresentada pelas escolas. “Qualquer reajuste aplicado depende dessas informações”, reforça.   Quanto aos alunos bolsistas, os pais deverão ter esse benefício mantido ou as instituições de ensino podem suspendê-los no ano que vem?  As condições para obtenção de bolsa geralmente são revistas a cada ano letivo. “Ou seja, em 2021, essas condições devem ser reavaliadas pelas escolas para decidir se o benefício será mantido ou não”.