Os 'sem seção': como o rezoneamento deixou muitos eleitores sem saber para onde ir

Teve gente que só conseguiu votar mais de sete horas após ter saído de casa

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 7 de outubro de 2018 às 16:09

- Atualizado há um ano

. Crédito: Roberto Abreu/CORREIO

Às 11h, dona Doralice Ferreira, 69 anos, já tinha passado em três escolas. Ela sempre votou em um dos principais locais de votação de Cajazeiras, o Colégio Estadual Edvaldo Brandão, mas, no ano passado, quando foi fazer a biometria, relata que os servidores do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-BA) insistiram para que mudasse para um colégio mais perto de onde mora. “Me disseram que era um lá, mas fui e, quando cheguei, falaram que essa seção não existia”, explicava, sem saber para onde ir.Àquela altura, Doralice, a um ano de não ter mais obrigação de votar, chegara no Colégio Dona Mora Guimarães, também em Cajazeiras. A missão – encontrar a tal seção 209, na zona 8 – parecia impossível. 

O TRE-BA indicava três caminhos para os perdidos: baixar o aplicativo E-Título, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ligar para um número institucional ou ir até a sede do órgão, no Centro Administrativo da Bahia (CAB). Dona Doralice, com o tal telefone institucional anotado a caneta na mão direita, indicou: já tinha feito várias ligações para o número. Ninguém atendeu em nenhuma das vezes. 

Vizinho de Doralice, o motorista Ivan Manoel, 61, também estava no mesmo dilema da seção perdida. Era a mesma, inclusive: a 209. Quando encontrou o CORREIO, também já tinha passado por três colégios. “Eu votava no Ulisses Guimarães, mas mudaram. Disseram que era para procurar no site, mas eu não acho”, contou. 

Dona Doralice só conseguiu descobrir a seção perto de 12h – era naquele mesmo colégio, o Dona Mora. Mas a seção 209, de fato, não existia. Tinha sido relocada para a seção 492. “Uma moça na coordenação olhou na internet e conseguiu ver para mim. Só que a fila estava andando tão devagar que, quando eu fui votar, já era quase 13h”, contou. Quando ela descobriu a sala, aproveitou para indicar ao vizinho. 

Fora do sistema O policial militar José Marcos Soares, 49, estava na mesma situação. Tendo feito a biometria em maio de 2017, achou que estaria tudo certo em sua seção. Chegou ao Colégio Dona Mora Guimarães em busca da 263, mas era outra que parecia ter ido parar no limbo. “Estou aqui desde antes de abrir. Já rodei não sei quantas escolas, mas não informam nada. Está a maior confusão e ninguém sabe de nada”, criticou. 

Tentava ligar para o número de telefone e ninguém atendia. Na consulta pelo site, seu nome aparecia como "inexistente". Depois de algumas horas e após muitas tentativas, com ajuda da chefe, conseguiu consultar no TRE-BA. Descobriu, no fim, que a zona sequer era 8. Sua zona agora atendia pelo número 19 e a seção por 500. Só que continuavam no mesmo lugar. “O problema é que ninguém disse nada. Muita gente desistiu”, contou ele, que ainda passou mais uma hora na fila, até conseguir votar, por volta de 13h35. 

A dona de casa Eliene de Jesus, 56, era uma das que quase desistiram. O Dona Mora era o quinto colégio por onde passara. “Eu não aguento mais. Vou-me embora sem votar”, gritou, já sem paciência. Depois de conversar com o CORREIO, ela voltou ao colégio para mais uma tentativa. Ao fim do dia, dona Eliene não atendeu às ligações da reportagem para contar se tinha conseguido encontrar sua seção. 

A costureira Nilzete Santos, 63, também estava perdida. Achou que, com a biometria, tinha sido transferida para o Colégio Municipal de Cajazeiras XI. No entanto, ao chegar lá, deu de cara com uma negativa.“Acho que ficou uma confusão. Ninguém se encontra direito, a gente fica sem saber para onde ir. Agora, eu tenho que ir para uma escola em Cajazeiras X, sendo que estou com duas crianças”, contou ela, que fez o cadastramento biométrico em janeiro do ano passado. A amiga dela, a montadora Elma Cândido, 67, teve mais sorte. É a primeira vez que vota em Cajazeiras – antes, tinha o título de São Paulo (SP). “Antes, eu só vinha justificar. Mas pelo menos deu tudo certo”.  Marcos Ferreira, a filha Elisabete e a neta Ana Sophia tiveram dificuldade para encontrar o local onde votavam (Foto: Roberto Abreu/CORREIO) O pedreiro Marcos Ferreira, 45, também ficou confuso na Escola Municipal de Cajazeiras XI. Ele e a filha, Elisabete, 20, levaram quase uma hora para descobrir qual era o novo número das seções em que votavam. “Achei tudo muito cheio. Ficou horrível, um sufoco. A gente teve que passar por todas as salas para descobrir qual era a certa”, contou Marcos, que ainda estava acompanhado da neta Ana Sophia, de 1 ano e 11 meses. 

Resposta do TRE-BA O presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), José Rotondano, afirmou que nenhum título foi emitido com alteração do endereço sem o conhecimento do eleitor. 

"Certamente, as pessoas estavam acostumadas a votar num determinado local. Com a biometria, quando foi feita a atualização dos dados - foi direcionado a outro local, mais perto do endereço informado. Muitos eleitores tiveram o local de votação alterado, mas foram avisados - não prestaram atenção", disse Rotondano.