'Ou você sabe o que quer ser ou as pessoas te carregam para os planos delas'

Marcelo Arantes, da Braskem, explica como ter autonomia no trabalho

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  • Fernanda Santana

Publicado em 12 de novembro de 2018 às 05:20

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

A mulher vê a vida como uma ramificação de figos sem conseguir tomar uma decisão. Na ponta de cada galho, um caminho completamente diferente. Tantas eram as possibilidades a ponto de imobilizá-la. Assim, murcharam os figos, despencados, um a um, a seus pés, como narra Sylvia Plath, em 'A Redoma de Vidro'. Numa sessão de coach, o administrador Marcelo Arantes ouviu algo parecido e certamente tão impactante quanto: “Ou você sabe o que quer ser ou as pessoas te carregam para planos que não são seus”. Foi quando percebeu que, também no ambiente de trabalho, era necessário transferir autonomia. 

Marcelo Arantes tinha apenas poucos meses no cargo de vice-presidente Global de Pessoas, Comunicação e Marketing da Braskem, em 2010, quando ouviu o conselho. Ponderou até ter certeza de que, sem autonomia, os figos tendem a estragar sem terem sido desfrutados. Numa época de confronto e convivência das pessoas com a tecnologia, está aí o segredo e a essência das novas relações de trabalho. No seminário Humanize[se]. no encerramento do Fórum Agenda Bahia 2018, o executivo explicou como essa transformação poderia acontecer.

Nesse caminho, torna-se necessário se desprender de alguns conceitos, como os chamados planos de carreira. “Começamos a perceber que não cabia mais isso. As pessoas trilham seus próprios caminhos e às empresas cabe oferecer as oportunidades. Na Braskem, nos perguntamos: é mesmo necessário diploma para ocupar aquele cargo? Ou é mais importante a vontade de aprender”, provocou Marcelo durante o painel 'Pessoas e Tecnologias: criando novas relações de trabalho'.

Segundo Marcelo, a questão é entender de que forma as empresas podem ser mudadas se nem todos os profissionais pensam igual. As novas relações de trabalho, explica, são conformadas no contexto da diversidade e no plural.“Quem ainda ouve essa ideia de que ‘manda quem pode e obedece quem tem juízo? Acreditamos que precisamos descentralizar. Precisamos mais de lideranças e menos de líderes” (Marcelo Arantes)A nova forma de relacionamento corporativo ainda aponta para uma flexibilização dos espaços de trabalho. Se são livres os profissionais, devem ser livres também os locais onde o trabalho é realizado. De chinelo em casa ou de terno no escritório, o que deve contar é o comprometimento com o trabalho. Numa fábrica em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, Marcelo apontou o estranhamento de um senhor ao ver um colega de bermuda. Um estranhamento que é contornado pelo incentivo às individualidades. “São gerações diferentes e entendemos isso. Com o passar do tempo, todos também começam a perceber".

As mudanças apontam para um momento de completa autonomia dos funcionários. Claro, uma autonomia supervisionada. “Não é nada largado, é uma delegação planejada”, acrescenta Marcelo Arantes.

Conrado Schlochauer, embaixador da Singularity University, mediador do painel de Marcelo Arantes, ajuda a dimensionar o novo momento trazendo um exemplo dos Estados Unidos:  “Lá, até 2022, metade da população será freelancer”. 

Olhar para o futuro

Quando decidiu investir nas histórias individuais dos profissionais, a Braskem começou a elaborar medidas efetivas para realizar a mudança. Em 2016, a empresa foi a primeira companhia brasileira a assinar um termo de comprometimento com o Fórum Empresas e Direitos LGBT+. O telefone de Marcelo, então, tocou. Era um dos diretores da corporação: “Por que esse pioneirismo todo? É uma linha de mercado?”, perguntou. E o administrador respondeu: “É uma questão de olhar para o futuro”.

Livres para escolher o que querem ser, os funcionários não mais toleram um ambiente de repressão, por menor que ela seja. É o que as empresas precisam enxergar, acredita Marcelo. O recrutamento de novos profissionais, por exemplo, desde o ano passado começou a ser às cegas. “No final da seleção, a gente não sabe quem vai aparecer na cadeira na nossa frente. E o que conta é o que essa pessoa tem a oferecer”. No final, conta o figo escolhido por cada um. 

Mas, perguntar os planos de cada um para, assim, traçar as próprias estratégias, pode mesmo causar estranhamento. Os números, na verdade, não mostram qualquer impacto direto nos lucros financeiros dos negócios inclusivos. “A questão é ver o quanto isso agrega em imagem e a imagem com certeza impacta”, segue Marcelo, após deixar clara a ausência de qualquer estudo que comprove a relação entre abrir-se para a diversidade e aumentar a margem de lucros.

O fato é que a Braskem passou a entender essa dinâmica. E, meses depois, o diretor desconfiado ligou novamente. Dessa vez, parabenizando a iniciativa 

O plano, agora, é tornar-se, até 2025, uma das companhias mais inclusivas do mercado. “É um momento de flexibilização do que significa o trabalho e as relações de trabalho tradicionais”, define Marcelo. A relação com a tecnologia é apenas uma das chaves do processo. “Essa conexão sempre existiu. Por trás da máquina, sempre há uma pessoa. Essa noção está muito clara”, diz.

Por isso, na era das máquinas, o poder ainda está nas individualidades.

O Fórum Agenda Bahia 2018 é uma realização do jornal CORREIO, com patrocínio da Braskem, Sotero Ambiental e Oi, apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador, Consulado-Geral dos EUA no Rio de Janeiro, Federação das Indústrias da Bahia (Fieb) e Rede Bahia; e apoio do Sebrae e da VINCI Airports.

*Com supervisão do editor Flávio Oliveira