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Waldeck Ornelas
Publicado em 26 de agosto de 2021 às 05:52
- Atualizado há um ano
A pandemia está fazendo despertar as gestões públicas locais para a necessidade de modificar o funcionamento das cidades, mundo afora. As inovações se baseiam no escalonamento das atividades e têm reflexos em relação ao transporte coletivo mas, sobretudo, têm como beneficiária final a população.
A pergunta é: por que todas as atividades têm que funcionar das 8:00 às 12:00 e das 14:00 às 18:00 horas, religiosamente, de segunda a sexta? A pandemia veio demonstrar – e convencer – do que já era dito tecnicamente, mas não sensibilizava as autoridades.
Desde há muito as pesquisas de origem-destino mostram que nas cidades atuais, inclusive as brasileiras, os longos deslocamentos casa-trabalho não apenas consomem grande período de tempo diário dos trabalhadores como provocam picos indesejáveis de transporte nos horários de início e fim das jornadas. Ora, isto causa graves transtornos às cidades – com os famigerados engarrafamentos – ao mesmo tempo em que onera as empresas de transporte coletivo, especialmente as de ônibus, face à necessidade de manterem uma frota cerca de 25% maior para atender apenas a estes momentos.
Com a melhor distribuição das atividades, por horários distintos de abertura e encerramento diário, consegue-se promover o achatamento dos picos. Isto desonera as empresas de transporte e, simultaneamente, melhora a qualidade de vida nas cidades para todas as pessoas. Para as empresas de transporte muda o critério. O olhar anterior era o dimensionamento das frotas para os horários de pico. Agora, inverte-se a equação: a normalidade é que passa a ser a referência; os momentos de pico são a distorção. Com isto, diminui o capital imobilizado, facilitando a equação tarifária sem prejuízo para a sustentabilidade das empresas. A digitalização das operações e as novas fontes de energia cabem fazer o resto do trabalho de redução de custos. O que não deve haver é subsídio.
O número de passageiros não volta mais aos patamares anteriores: trabalho remoto, compras on-line e mobilidade ativa vieram para ficar. No Brasil a venda de bicicletas cresceu 50% em 2020, apesar da escassez do produto pela falta de componentes importados. E o nosso não é bem o país que tem sido mais efetivo nessas novas políticas.
Mas não é no âmbito do transporte que esta equação se resolve. Ao contrário, quem faz a transformação é o comércio, os serviços, as escolas, o setor público, as indústrias, ou seja, todo o conjunto das atividades urbanas. As federações empresariais e de trabalhadores precisam entrar em campo e dialogar, para construírem juntos este “novo normal”. O setor público deve coordenar as ações e, não por acaso, dar o exemplo.
Todos os estabelecimentos precisam adotar como prática priorizar trabalhadores que morem nas redondezas de suas unidades. As redes de estabelecimentos – privados e públicos – precisam, imediatamente, oferecer aos seus empregados a opção de transferirem-se para a unidade mais próxima de sua moradia. Reduzir o tempo de viagem casa-trabalho proporciona mais tempo de convivência com a família, menor exposição a riscos nos deslocamentos, menos desgaste físico e equivale a melhor qualidade de vida.
Adequada a demanda pelo transporte coletivo, isto não dispensa os ajustes que precisam ser feitos na legislação de uso e ocupação do solo nas cidades, para estimular a diversidade de atividades em cada bairro, possibilitando que as pessoas possam morar, trabalhar, consumir e distrair-se nas proximidades de suas casas. Afinal, nem tudo precisa ser negativo depois dessa pandemia. É preciso aproveitar as lições positivas que ela nos impôs. As cidades vão poder melhorar!
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.