Para federalizar Caso Cabula, parentes usarão vídeo, cartas e visitas a ministros

Estratégias, que preveem campanha internacional, foram discutidas entre familiares de mortos e organizações sociais em encontro com representante do MPF

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  • Bruno Wendel

Publicado em 31 de agosto de 2017 às 17:39

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Ailton Pinheiro/Divulgação

Familiares dos 12 mortos na denominada Chacina do Cabula, com apoio de representantes de organizações ligadas à causa dos Direitos Humanos e de representantes do Ministério Público Federal (MPF), começaram a traçar estratégias a fim de agilizar o processo de federalização do caso. A ideia é que o julgamento saia da esfera estadual - onde o caso foi arquivado e os nove policiais militares acusados da execução de 12 pessoas, em fevereiro de 2015, foram absolvidos -, e passe a ser avaliado pela Justiça Federal.

Na última quarta-feira (29), a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, esteve em Salvador para discutir o andamento do processo com parentes dos mortos e organizações políticas e sociais, a exemplo do grupo Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta, que propôs táticas para sensibilizar o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a aceitar o Incidente de Deslocamento de Competência (IDC). A decisão faria com que o julgamento da ação penal deixasse de ser responsabilidade do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).

Entre os mecanismos para pressionar a federalização do caso estão a divulgação de um vídeo nas redes sociais, o envio de cartas e visitas aos ministros do STJ. Em março deste ano, uma audiência pública foi realizada para discutir o assunto na Defensoria Pública. 

Pressão internacional Segundo o militante do Reaja, Hamilton Borges, o vídeo trará falas de autoridades, personalidades, grupos e organizações. Ainda segundo ele, a ideia é que essa pressão pela federalização também venha de fora do país. “Faremos uma campanha internacional com pessoas engajadas aos Direitos Humanos, que enviarão cartas aos ministros. Essa pressão partirá de alguns países da Europa, por exemplo”, comentou.A ação já é prática da Anistia Internacional, movimento global com mais de 7 milhões de apoiadores, que realiza ações e campanhas para que os Direitos Humanos internacionalmente reconhecidos sejam respeitados e protegidos. 

Outra estratégia é o encontro com os próprios ministros. “Eles (ministros) sentirão de perto as dores dos familiares das vítimas”, prevê Hamilton.

Ameaças Na ocasião, será abordada as ameaças feitas aos integrantes do Reaja. “A todo o tempo somos ameados por policiais militares. Já tivemos de tudo. De viaturas rondando as nossas casas a invasões e agressões nas comunidades. Inclusive, os sobreviventes e os parentes dos mortos na chacina, que agora são membros do Reaja, também já foram ameaçados”, declarou ele.

O encontro, realizado no último dia 29, também teve como objetivo esclarecer dúvidas sobre o andamento do IDC, solicitado para o caso pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot.

Encontro e processo Ao CORREIO, a procuradora Deborah Duprat fez um balanço positivo do encontro na capital baiana. “Tivemos dois momentos. O primeiro, um formato mais próximo de seminário para entender um pouco esse processo de extermínio da juventude negra na Bahia e o Caso Cabula, além de falar um pouco sobre a federalização. Na sequência, uma reunião com familiares das vítimas”, relatou.

Além da representante do MPF, o encontro também contou com lideranças políticas e sociais, como a Reaja, o grupo Ideias Assessoria Jurídica e o professor de Direito da Ufba e Ucsal Samuel Vida.

A procuradora explicou que o processo foi distribuído para o ministro Reynaldo Soares, do STJ, que determinou o processamento e mandou ouvir todos os réus - os nove PMs. “As respostas dos réus já chegaram, assim como as manifestações da Procuradoria Geral do Estado (PGE) e do Ministério Público Estadual (MP-BA). Agora, o processo voltou para o gabinete do procurador-geral, que vai elaborar parecer mostrando a necessidade do deslocamento de competência, antes de seguir para julgamento em colegiado”, explicou ela. Ainda não há prazo para o julgamento. 

Arquivamento prematuro Segundo a procuradora Deborah Duprat, o arquivamento prematuro da ação penal, sem investigação, é o que fundamenta o IDC.“Havia denúncia que demonstrava responsabilidades e essas responsabilidades não foram investigadas. O IDC exige a investigação. O estado da Bahia não conseguiu investigar adequadamente. Esta é uma prioridade do procurador-geral e também da que virá”, declarou Deborah Duprat.  Na solicitação de federalização feita ao STJ, o procurador-geral Rodrigo Janot esclareceu que não houve tempo nem espaço, no âmbito do Judiciário estadual, para instrução adequada dos autos, oitiva de testemunhas, contradição às conclusões da reprodução simulada e a diversos pontos e questões pendentes de melhor apuração e esclarecimento.

O PGR destacou que o caso traz fortes indícios de grave violação de direitos fundamentais e que pode gerar a responsabilização do Brasil nos foros internacionais que tratam do caso. 

Em um dos trechos sobre a decisão do TJ-BA, o documento destaca o seguinte: “Em 24 de julho de 2015, houve sentença de absolvição sumária dos policiais militares, prolatada pela juíza substituta Marivalda Almeida Moutinho, especialmente designada para o exercício na Vara por uma semana, no período de 21 a 25 de julho”. 

“A sentença desconsiderou absolutamente todos os elementos sobre os quais jogou luz o órgão acusatório e, fixando-se unicamente no que extraiu o inquérito, com vícios já apontados, e, muito claramente, na ‘qualificação’ das vítimas, entendeu dispensável produção de provas, desrespeitando decisão do juiz titular da Vara, que a havia deferido, e interrompendo o caminho natural do processo que poderia levar o caso ao julgamento pelo Tribunal do Júri”, diz outro trecho, em relação à decisão do TJ-BA.

Fora dos moldes Ainda segundo a procuradora federal, o IDC traz dados (a partir da denúncia do MP-BA) que mostram que não houve investigação nos moldes exigidos pela Corte Interamericana. “O IDC surge como emenda constitucional 45, que mostra deficiência do dever do país de investigar profundamente graves violações dos Direitos Humanos”, declarou Deborah Duprat. 

O CORREIO procurou o TJ-BA para saber se a corte tem acompanhado o IDC, se há alguma revisão em curso da iniciativa da juíza ou da decisão no âmbito estadual e se a conduta da juíza é alvo de algum procedimento interno. Até a publicação da reportagem, o TJ-BA não havia se manifestado. 

Uniformes Um dos pontos apontados no IDC está relacionado aos uniformes de Exército que, segundo investigação da Polícia Civil, eram usados pelos mortos no alegado confronto. “Roupas camufladas não apresentavam vestígios de tiros, nem de sangue, além de não trazerem perfurações que os tiros que atingiram as vítimas teriam causado nas vestes”, diz trecho do documento. 

Outro trecho que chama a atenção é o fato de que “das 18 vítimas, nas mãos de 4 (quatro) foram encontradas partículas determinantes de disparo de arma de fogo, sendo que em 2 (duas) das vítimas os vestígios foram encontrados na mão esquerda, sem que haja confirmação de que tais vítimas fossem, de fato, canhotas”. 

Além disso, o IDC aponta que no inquérito policial os projéteis que atingiram as residências próximas seriam provenientes das armas das vítimas, como forma de sustentação do alegando confronto. No entanto, o que causou estranheza é que nenhum dos projéteis foi recuperado e periciado. 

Polícia Militar Em resposta ao CORREIO, sobre os pontos apontados no IDC em relação ao inquérito policial, o departamento de comunicação da Polícia Militar encaminhou a seguinte nota: “Toda a apuração sobre o fato cumpriu os ritos legais vigentes no nosso ordenamento jurídico. Inclusive houve o julgamento formal através da autoridade judiciária competente, logo, tudo o que competia a atuação da PMBA foi providenciado e apresentado no momento oportuno”.

Questionado pelo CORREIO se os PMs estão trabalhando, a assessoria da corporação apenas informou que "os policiais militares envolvidos na ação foram absolvidos no processo penal proposto". 

Chacina Em operação realizada na noite de 5 de fevereiro e madrugada de 6 de fevereiro de 2015, nove policiais militares integrantes da Rondas Especiais (Rondesp) entraram na Vila Moisés, comunidade do bairro do Cabula, e atiraram contra um grupo de pessoas concentrado no local, fazendo 18 vítimas - 12 mortos e seis feridos. De acordo com a Procuradoria-Geral da República, foram 143 disparos, 88 deles certeiros.