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  • Foto do(a) author(a) Kátia Borges
  • Kátia Borges

Publicado em 27 de fevereiro de 2022 às 07:02

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

No estacionamento do trabalho, depois de mais uma jornada de oito horas, ela entrou no automóvel e deu a partida, decidida a deixar para trás a vida antiga, na qual já não cabiam sonhos. Lentamente, o veículo se afastou das avenidas movimentadas e, como se fosse um bicho que foge, alcançou a rodovia que leva às praias. Antes de pegar a estrada, parou num posto de gasolina. Pretendia ir embora só com a roupa do corpo. Enquanto aguardava o frentista encher o tanque, observou distraída um casal de crianças no carro ao lado. Com narizes grudados no vidro, faziam caretas esquisitas para ela, buscando um contato, talvez arrancar um riso.

Por uns minutos, riu de volta mecanicamente, tentando adivinhar as idades deles. O menino aparentava uns oito anos, embora fosse bastante franzino. Os cabelos finos e castanhos caiam sobre os olhos e eram afastados da testa com umas mãozinhas de dedos miúdos em um gesto que se transformaria num tique de adulto. A menina o esticava pela camiseta e o cutucava o tempo todo. Cinco anos, no máximo seis. O rostinho gordo se escondia e surgia de repente, como se fosse um fantoche num incansável teatro de bonecos. Presos com fitas, seus cachos lembravam desenhos de princesas. Dessas que, quando crescem, sofrem muito.

No banco do carona, a Mãe. Nada a singularizava além de um vinco pronunciado na parte superior dos lábios. O Pai estava na lojinha comprando algo e, no lugar vago ao volante, um simpático cachorro arfante assomava vez ou outra na janela aberta com a língua para fora e, assim como as crianças, tentava contato com ela. Mimado, resumiu mentalmente. Onde se viu esperar afagos de uma desconhecida? Certamente, aprendeu com os donos a se reconhecer como o centro do mundo. O seu pequeno mundo. Desviou os olhos dele, não sem antes tentar adivinhar a raça. Orelhas caídas, focinho manchado e redondo... inútil exercício de adivinhação.

Talvez, assim como ela, aquele cão não possuísse um atestado de origem. Entregou o cartão de crédito ao funcionário e o acompanhou com os olhos no curto percurso até a máquina de registro, conectada a uma tomada. Teria que descer do automóvel e se aproximar para conseguir digitar a senha de quatro dígitos. Quando se voltou outra vez na direção da família, já acomodada na cabine, todos haviam desaparecido. A mãe, o Pai, o cachorro, os meninos. Mesmo o frentista já não se importava com a motorista solitária, envolvido que estava em encher o tanque de outro carro.

Ela estava tão cansada. Ela estava em fuga. Girou a chave na ignição, conferindo a oscilação no medidor de combustível. Cuidadosamente, cruzando a rodovia, pegou a direção contrária. Aos poucos a máquina já seguia novo rumo, deixando para trás a rota da estrada. No horizonte surgiam os primeiros sinais da noite na cidade. Uma corrente de luzes, e de lágrimas, iluminava o caminho de volta.