Para seguidores do Candomblé, Mãe Stella seguiu para o mundo dos ancestrais

Enterro da ialorixá aconteceu neste sábado; agora começará o axexé

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 29 de dezembro de 2018 às 23:40

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos de Arisson Marinho/CORREIO

A poucos passos do túmulo, ao erguer o caixão e apoiá-lo nos ombros, 12 obás, ojés e ogãs (sacerdotes que não incorporam) caminhavam para a frente e, em seguida, retornavam de costas ao ponto inicial. Fizeram isso por três vezes. Era a forma de dizer, afirmar e reafirmar - sem deixar dúvidas – que a morada eterna havia chegado. Às 11h20 deste sábado, 29, o corpo de Mãe Stella de Oxóssi era colocado na sepultura e seu espírito, segundo a cresça do povo de santo, fazia a passagem para o orum (morada dos ancestrais).   

Não sem antes ter um funeral à altura daquela que se tornou uma das grandes ialorixás da história da Bahia. Os momentos que antecederam a baixa do caixão no túmulo do Cemitério Jardim da Saudade, em Brotas, ganharam o significado que os integrantes do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá imaginaram. Ou seja: uma grande festa. Uma festa cheia de saudade, respeito e tradição, mas uma grande festa.     

Na sexta-feira, 28, o corpo de Mãe Stella foi alvo de uma disputa. Estava prestes a ser enterrado na cidade de Nazaré, no Recôncavo Baiano, sem rituais, sem sequer uma coroa de flores, sem festa. A psicológa Graziela Domini Peixoto, a companheira da ialorixá, havia marcado o velório na Câmara de Vereadores e posterior enterro no cemitério da cidade.  Mãe Stella foi sepultada no cemitério Jardim da Saudade, em Brotas Os ilás (gritos) indicavam que os orixás estavam presentes. No cortejo entre a Capela C do Jardim da Saudade, onde o corpo ficou por apenas uma hora, e a sepultura, dezenas de filhos e filhas de santo foram incorporados. “Aí tem Iansã, Oxóssi, Omolu, Ogum, quase todos os orixás. É uma energia muito forte”, disse um filho de santo. Os que não “viravam” saudavam a morte em iorubá. “Iku o! Eku o!”, algo como “ó morte, nós a saudamos”, era uma das convocações.    Dessa forma, o corpo da ialorixá havia finalmente passado por todos os rituais litúrgicos previstos pela tradição do candomblé. Agora sim, a cerimônia podia ter a presença de religiosos, artistas e autoridades. De Vovô do Ilê ao poeta Capinam, do ator Jorge Washington ao reitor da Universidade Federal da Bahia, João Sales. Na sua despedida, Mãe Estela estava cercada de gente para reverencia-la. “É muito bonito perceber que, para o candomblé, a morte é uma festa”, confirmou Vovô. Filhas e filhos de santo falaram da forte energia presente na cerimônia Axexé

O fato é que, agora, o chamado axexê, ritual fúnebre que dura sete dias, pode se iniciar. Além de tudo, o enterro simbolizava não só o fim da vida física de Mãe Stella, mas também o desfecho da pendenga entre os integrantes do terreiro e da sua companheira, Graziela, que preferiu não comparecer à cerimônia. 

Durante a nova cerimônia organizada, com a primeira possibilidade desfeita, integrantes do terreiro denunciaram descaso com o corpo da ialorixá. Criticaram, inclusive, o caixão onde Mãe Stella, sem roupa e enrolada em um lençol, foi colocada. “Sem nenhuma roupa, enrolada apenas em um lençol branco e em um caixão de madeira de baixa qualidade”, descreveu o ogã Antônio Carlos Santos. “Agora, sim, ela tem um fim merecido, com todas as honrarias", comemorou. 

A festa de despedida só foi possível depois que a juíza Caroline Rosa Vieira, da Comarca de Nazaré, determinou a transferência do corpo de Mãe Stella de Oxóssi da cidade de Nazaré para o Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador. 

“Até o semblante de minha tia mudou dentro do caixão quando veio para cá”, observou o sobrinho mais novo da ialorixá, Adriano Azevedo, no início da manhã, na porta do barracão de Xangô, orixá da Justiça. 

Ali, o corpo de Stella passou a madrugada e continuou a ser velado depois de enfrentar um dia inteiro em outro velório, esse extremamente conturbado, em Nazaré. “Ela merecia tudo que está acontecendo aqui hoje. É a resposta do orixá. Xangô fez Justiça”, repetiu Adriano.

Segundo Maria Aparecida Santos, Otum Dagã do terreiro, além da troca do caixão, o lençol que envolvia Mãe Stella foi substituído por um morim branco, tecido de algodão cru em referência a Oxalá, pai da vida e da morte. O corpo foi envolto também com flores brancas. Cortejo fúnebre seguiu em carro vermelho do Corpo de Bombeiros; vermelho é a cor de Xangô Bombeiros

Às 9h20, o caixão foi retirado do barracão e, carregado por sacerdotes, saiu em cortejo pelas ruas de São Gonçalo, onde fica a roça do Axé Opô Afonjá. Cânticos e pétalas de rosas brancas homenagearam a ialorixá. Um carro - vermelho de Xangô - do Corpo de Bombeiros esperava o cortejo na Avenida Silveira Martins. O caixão foi colocado no veículo, com a sirene ligada, e atravessou a cidade pelas avenidas Paralela e ACM, subindo a Ladeira da Cruz da Redenção. No caminho, palmas, saudações, fotos, vídeos e selfies.  

Às 10h11, o cortejo seguido por uma carreata chegou no Jardim da Saudade. Após uma hora de cânticos e rituais que envolvem o corpo, os sacerdotes tomaram novamente as alças do caixão e o levaram até a sepultura. De volta ao terreiro, o axexê começou no mesmo dia. A partir de então serão mais seis dias e noites de obrigações internas e secretas, onde não são permitidos fotografias e filmagens. Finda as obrigações para a matéria, agora acontecem as voltadas para o espírito.