Parque Pedra de Xangô é inaugurado em Salvador

Espaço tombado pelo município serviu de aldeia indígena, quilombo e atualmente é espaço sagrado para o povo de santo

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  • Gil Santos

Publicado em 4 de maio de 2022 às 13:12

. Crédito: Foto: Marina Silva/ CORREIO

O dia ainda estava nascendo quando os primeiros religiosos de candomblé começaram a chegar ao Parque da Pedra de Xangô, em Cajazeiras, nesta quarta-feira (4). Por volta das 8h, um grupo de mulheres vestidas de branco fez uma roda ao lado do monumento e começou a entoar cânticos africanos. Logo o som dos atabaques e agogôs quebrou o silêncio e os movimentos dos corpos deram ritmo a inauguração do novo espaço.

O parque é um dos principais locais de fé do povo de santo baiano e estava passando por reforma. O principal monumento é a Pedra de Xangô, um rochedo que tem oito metros de altura e 30 de perímetro, considerado um patrimônio geológico reverenciado pelas nações de Ketu, Angola e Jeje, além de outros segmentos do candomblé. Ontem, completou cinco anos que ela foi tombada pelo município como Patrimônio Cultural de Salvador.

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Com 67 mil m², o parque teve investimento de R$ 8 milhões, mas para Maria Alice Pereira, candomblecista, pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufba e representante do grupo de trabalho de implantação do Parque Pedra de Xangô, a requalificação dessa área da cidade não tem tamanho e nem preço.

“A Pedra de Xangô é muito importante porque as religiões de matriz africana a consideram um altar sagrado, um lugar onde são realizados os rituais. A maioria dos terreiros não possui espaço para a realização dos seus rituais e é aqui, nos parques, que eles vêm conectar com os sagrados e realizar os atos litúrgicos”, afirmou. Maria Alice é pesquisadora sobre o Parque de Xangô e acompanhou a reforma (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Ela é autora do livro “Pedra de Xangô: um lugar sagrado afro-brasileiro na cidade de Salvador” e contou que o povo de santo participou de todo o processo de concepção e construção. O acesso já está aberto ao público. A prefeitura informou que um dos objetivos do projeto foi valorizar a área ambiental e sagrada. O prefeito Bruno Reis começou o discurso fazendo uma saudação a Xangô, destacou a sustentabilidade do local e citou outras ações adotadas para a preservação das religiões de matriz africana.

“As religiões de matriz africana nunca tiveram tanto respeito nessa cidade como têm agora e esse parque é o símbolo maior disso. Ele vem coroar tudo o que fizemos nos últimos anos, como o reconhecimento dos terreiros como templos religiosos, as isenções fiscais, os cadastramentos, tombamentos e parcerias para preservação da história”, disse.

O gestor recebeu uma escultura de representantes do povo de santo como agradecimento. Por lá, existe um espaço de convivência para relações culturais, sociais e religiosas que foi usado pelas Matriarcas de Cajazeiras para uma apresentação na inauguração. Há também sala multiuso, sanitários, memorial, anfiteatro, bancos e um espaço destinado à comercialização de comidas e artesanatos, além de paisagismo integrado às espécies de Mata Atlântica existentes. Bruno Reis recebeu esculturas de presente do povo de santo (Foto: Valter Pontes/ Secom) Orixá da justiça

Antes, o local era conhecido como Pedra do Buraco da Onça, ficava escondido por um matagal e servia de esconderijo para negros escravizados que fugiam das fazendas que existiam na região. A Área de Proteção Ambiental (APA) onde fica o monumento é de remanescentes de quilombos, do bioma Mata Atlântica e antigo aldeamento dos indígenas tupinambás.

Com o tempo, o rochedo passou a ser considerado sagrado para as religiões de matriz africana, com referência a Xangô, orixá da justiça. Em 2005, a mata que ficava no entorno da pedra foi derrubada e ela seria implodida para dar passagem a uma avenida. Houve protesto e, em 2016, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU/2016) garantiu a criação do parque com a finalidade de preservar o espaço.

A construção começou em 2020, com um projeto da Fundação Mário Leal Ferreira, mas foi atrasada por conta da pandemia. A presidente da instituição, Tânia Scofield, falou sobre a reforma.

“Tivemos que adotar alguns cuidados, pois queríamos fazer um projeto sustentável. Trabalhamos com materiais como tijolo de barro, pedra natural, madeira e usamos nas paredes a taipa de pilão, que é uma técnica milenar que usa apenas o barro. Cerca de 90% dos materiais usados no parque são naturais e sustentáveis”, contou.

Já o vereador André Fraga (PV), responsável pelo início do projeto, destacou que a construção do equipamento foi uma demanda da comunidade. “Na primeira visita que fizemos aqui, a gente ainda não fazia ideia que ele poderia ficar tão bonito. Esse é o primeiro parque em homenagem a um orixá e é um absurdo que não tenha acontecido antes em uma cidade como Salvador, com essa herança e essa cultura”, disse.

Apesar dos esforços para a preservação do local, o povo de santo lembrou que a Pedra de Xangô foi alvo de ataques e vandalismo praticados por outros religiosos, como em dezembro de 2018, quando 100 kg de sal foram jogados no local por fieis pentecostais.

A Avenida Assis Valente, que dá acesso ao parque, também estava passando por reforma e foi entregue no mesmo evento. Ela recebeu asfalto novo, sinalização e meio-fio, entre outras interferências.