Páscoa na quarentena: conheça as estratégias das famílias para diminuir a distância

Tem quem faça chamada de vídeo ou até organize o mesmo almoço em casas diferentes

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  • Thais Borges

Publicado em 12 de abril de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Os feriados na família de Maiana costumam reunir a família toda. Na Páscoa, não é diferente. Mas, esse ano, eles vão fazer videochamada (Fotos: Acervo pessoal)

Quando viu que o isolamento social contra o coronavírus não tinha prazo para acabar, a professora Maiana Fonseca, 43 anos, logo percebeu que a Páscoa desse ano não seria igual. A reunião da família, sempre na casa de sua mãe e sua tia, na Liberdade, não poderia acontecer. Pelo menos, não da forma como estava acostumada. 

Pois, para garantir que a família não perdesse a comunhão, a tia - uma das responsáveis por quitutes como o caruru e o vatapá - decidiu cozinhar para todos. Preparou a surpresa e só decidiu contar no meio da semana. “Ela disse que ia botar nas quentinhas, a gente pegava de carro e levava para casa. Assim, a gente comeria a comida depois e entraria no Whatsapp para videoconferência”, conta. 

A proposta era para a Sexta-feira Santa (10), que é quando normalmente o grupo se reúne. Mas até o domingo de Páscoa (12), famílias em toda a Bahia estão desenvolvendo estratégias para diminuir a distância no primeiro feriado do tipo no ano. Entre as estratégias, vale fazer uma oração junto ou quem já tenha agendado a videochamada coletiva. 

Pode parecer pouco convencional, mas até Jesus e os apóstolos já deram o exemplo. Pelo menos, na releitura que a internet fez de A Última Ceia, quadro clássico de Leonardo Da Vinci. Enquanto a pintura renascentista mostra Cristo compartilhando o pão e o vinho com os 12 apóstolos, a versão que viralizou nas redes sociais nos últimos dias é diferente. Na Santa Ceia da Quarentena, a comunhão aconteceu online - possivelmente, numa sala de reuniões do aplicativo Zoom.

Mas a Páscoa cristã não é a única que teve que ser comemorada de outras formas. Para garantir que a Pessach, a tradicional Páscoa judaica, não deixasse de ser celebrada pela comunidade em Salvador, a Sociedade Israelita da Bahia distribuiu o pão ázimo (ou matzá), o pão sem fermento consumido no Seder, o jantar das famílias que dá início à festividade. 

Compartilhando

No caso da professora Maiana, as 12 pessoas que passariam o dia juntas vão ficar divididas em quatro casas: ela e o filho em Sussuarana, a irmã no Cabula, uma prima na Liberdade e a mãe e a tia também na Liberdade. “Minha mãe mora na casa de baixo, minha tia na de cima. Elas estão aquarteladas, mas cada uma em sua casa. As duas gostam de cozinhar, mas o vatapá e o caruru são de minha tia, enquanto as moquecas são de minha mãe. Por isso, a reunião sempre era lá, mas sem cerimônia”, diz.  Os feriados na família de Maiana costumam reunir a família toda. Na Páscoa, não é diferente. Mas, esse ano, eles vão fazer videochamada (Fotos: Acervo pessoal) A caça aos ovos, organizada pela mãe dela para as crianças, também foi suspensa.“Aqui somos só eu e meu filho de 16 anos. Pegamos a quentinha, sentamos com a Coca-Cola e depois a gente dá risada pelo WhatsApp. Assim, não falta ninguém”, brinca. Já neste domingo, será a vez da família da pedagoga Conceição Mesquita, 61. É sempre no domingo de Páscoa que todos se encontram, numa espécie de Natal fora de época. Todo ano, há pelo menos 17 presentes - fora os agregados. O problema é que parte deles está em grupos de risco para o coronavírus. 

“Minha mãe tem 93 anos. Eu já tenho 61, minha irmã tem 60. Tenho uma filha diabética, outra que trabalha em hospital. Tenho irmã enfermeira, sobrinha enfermeira”, enumera. 

Assim, a ideia foi fazer um momento de oração em casa, através de uma videochamada. “A gente tem feito muito isso, principalmente nos aniversários. Esse é um momento que a gente deve rever as coisas, porque as pessoas estavam com muita pressa, muito preocupadas consigo”.

O almoço sempre foi na casa dela, mas não tinha a obrigação de ser comida baiana. Assim, cada um fará o que quiser comer no dia.“A gente vai ter que comer no mesmo horário. Vamos desejar uma feliz Páscoa e colocar nosso coração à disposição, para que essa pandemia passe”, afirma. Já a professora de Química Andréia Dantas, 41, vai se aventurar no almoço de Páscoa pela primeira vez. Normalmente, é a mãe quem comanda o preparo da comida baiana. Dessa vez, porém, a família ficará separada: ela no Horto Bela Vista com a família, a mãe com dois sobrinhos em Brotas e a irmã também em Brotas. 

A mãe, aos 65 anos de idade, já está no grupo de risco. Além disso, um dos sobrinhos tem uma anemia, que pode configurar uma comorbidade. Para garantir o almoço para o paladar afetivo, porém, a mãe dela passou as receitas para a filha. Desde segunda-feira, Andréia começou o preparo: o primeiro passo foi cortar os quiabos e colocar para congelar.  Andreia (na ponta à esquerda) costuma passar a Páscoa com a família reunida, como nesse registro de 2019. Esse ano, cada um ficará em sua casa (Foto: Acervo pessoal) “Estamos cumprindo, de fato, o isolamento. Tem um mês que a gente não se vê. Não está sendo fácil, mas a tecnologia tem integrado muito. A gente sempre está fazendo aquelas ligações de vídeo pelo WhatsApp, se falando sempre”, explica. Apesar de já ter ajudado a mãe, será a primeira vez completamente sozinha. “No dia, a gente vai fazer a chamada de vídeo com uma oração para almoçar e um vai apresentar a mesa do outro. Depois, cada um come o seu. A alegria é porque encontramos uma forma de fazer. Vamos estar afastados, mas depois a gente se encontra”, reforça.

Seder

Já a Páscoa judaica começou na quarta-feira (8). Em 2020, a chamada Pessach que celebra a libertação dos judeus da escravidão no Egito vai até quinta-feira (16). Todos os anos, a Sociedade Israelita da Bahia promove o Seder comunitário, que é o jantar que dá início à Festa da Libertação. 

Em 2019, mais de 100 pessoas participaram da cerimônia. No entanto, este ano, o evento foi cancelado. A recomendação, porém, é que cada família faça seu próprio Seder em casa, de acordo com o rabino da entidade, Mariano Del Prado. O restante da programação, que seguiria pelos outros dias, também foi suspenso. 

Por isso, na última quarta-feira, às 17h30, após acender duas velas, o jantar começou na casa das damílias."Tem uma ordem, um procedimento. Cada pessoa vai celebrar na sua casa e, de algum jeito, isso vai nos permitir vivenciar o que viveram aqueles que estavam confinados em suas tendas enquanto esperavam que a praga da noite não entrasse em suas casas", explica o rabino. A entidade providenciou os pães sem levedura e organizou para que os mais jovens da comunidade levassem para os mais velhos. Assim, quem estava no grupo de risco não precisou sair de casa. Além disso, o rabino enviou, por email, o relato da ceia, com os passos que devem ser desenvolvidos antes do jantar. 

"Desse jeito, estamos providenciando para que ninguém se sinta de fora. Não queremos que as pessoas se coloquem em risco. Estamos sempre ligando e vendo se precisam de algo, sendo assessorados constantemente". 

Como diminuir a distância na Páscoa, em tempos de coronavírus? 

Em um momento de isolamento social, que pode gerar sofrimento e solidão, uma das recomendações da psicóloga Maria Eugênia Glustak, da Clínica Holiste, é usar das ferramentas digitais para ficar em contato com a rede de apoio, como a família e os amigos. 

“Nesse momento atual, estou percebendo que existe uma sensação de união mais forte. É como se todo mundo sentisse que está no mesmo barco, não só sua família ou o Brasil, mas o mundo”, destaca a psicóloga. 

A pedido do CORREIO, a psicóloga deu algumas dicas para passar a Páscoa mais perto, mesmo estando fisicamente longe. Confira:Fazer videochamadas tem sido uma das alternativas preferidas das pessoas, justamente pela facilidade para conversar com mais pessoas ao mesmo tempo  Assim como a família que vai comer o mesmo prato em casas separadas, é possível pensar em estratégias como, por exemplo, todos fazerem a mesma comida em casa.  Que tal trazer um pouco das antigas cartas para o WhatsApp? Uma forma de estar perto é escrever textos de conforto para quem está longe.  Trazer dinâmicas, brincadeiras e até jogos de tabuleiro para as videochamadas em família.  Para os religiosos, separar um momento para fazer uma comunhão em conjunto - uma oração, uma prece ou uma meditação -, que pode ser por vídeo.