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Da Redação
Publicado em 26 de agosto de 2019 às 09:54
- Atualizado há 2 anos
Com manifestações expressivas nas universidades de Harvard e Yale, nos Estados Unidos, um fenômeno que tem chamado atenção de estudiosos e do público em geral é a busca por cursos que ensinam felicidade. Essa busca tem sido maior do que para cursos que oferecem a possibilidade de uma carreira profissional de reconhecimento e sucesso financeiro.>
Não por acaso, um dos temas marcantes de toda a história da filosofia é o da felicidade. Desde o surgimento da filosofia no ocidente e mesmo antes disso, pensadores de todos os tempos dedicaram-se a essa questão em algum momento ou ao longo de sua trajetória de vida. Pela sua relevância histórica e social e ao mesmo tempo por sua importância subjetiva, o tema ‘felicidade’ desperta interesse ontem e hoje. Mas seria a felicidade um comportamento ou estado de espírito passível de ser ensinado?>
Filosoficamente, a felicidade pode ser compreendida como um estado de satisfação e realização. Estar feliz equivale, portanto, a sentir-se satisfeito, realizado. Embora tal satisfação não tenha uma duração permanente, são as experiências de momentos felizes que conduzem ao desenvolvimento de uma vida feliz, ou seja, uma vida realizada. Epicuro (341-270 a.C) inicia a Carta a Meneceu, mais conhecida como Carta sobre a Felicidade, com uma exortação ao exercício da filosofia, atividade que tem como finalidade tornar feliz o homem que a pratica. Assim, se alguém acredita que ainda não chegou ou que já passou o momento de se dedicar à filosofia, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou o momento de ser feliz.>
Para Epicuro o caminho mais adequado para alcançar a felicidade está na satisfação equilibrada dos desejos, sendo o prazer o início e o fim de uma vida feliz. Nesta perspectiva, não existe vida feliz sem prudência. Na sequência da carta, Epicuro apresenta o seu tetrapharkom (4 remédios) ou elementos necessários para uma vida feliz: 1) não atribuir falsos juízos aos deuses; 2) não temer a morte; 3) não há mal que seja eterno; 4) o bem é facilmente alcançável.>
Diferente de Epicuro, nosso tempo é marcado, entre outras características, pelo imediatismo, que traz consigo a potencialização da ansiedade e suas consequências. Assim, quando uma expectativa não é concretizada no menor tempo possível, advém a frustração e com ela a insatisfação e a infelicidade. A própria busca “desesperada” da felicidade, a preocupação demasiada em ser feliz (e, junto com ela, a fuga de qualquer atividade), sentimento ou situação que leve à frustração, inclusive com o uso de medicamentos, pode provocar frustrações e converter-se no seu oposto, ou seja, produzir ainda mais insatisfação e infelicidade.>
Considerando essa problemática, que caminho seguir? Como ensinar e aprender a felicidade ou o caminho para ela? Se estar feliz é sentir-se satisfeito, realizado, a dimensão da autoconsciência precisa ser considerada, ou seja, como me sinto, me compreendo, me considero? Quais são minhas prioridades? O que eu compreendo que pode me fazer mais feliz e por quê?>
Não raro, existe uma discrepância entre o modo de compreender a si mesmo e o mundo no qual se vive com a realidade concreta da vida. Por exemplo, podemos considerar que para sermos mais felizes é necessário ficar mais tempo com a família e amigos, mas quanto isso se torna possível? De um modo geral, quando estamos reunidos preferimos ficar no celular ou absorvidos nas próprias preocupações com pouco ou nenhum envolvimento.>
Uma solução simplista poderia indicar que é apenas necessário começar a pensar como se vive ou começar a viver como se pensa a fim de superar a discrepância e encontrar-se. Contudo, não somos seres totalmente programáveis respondendo a estímulos que produzem efeitos previamente estabelecidos. Podem existir tantas receitas para ser feliz quantas sejam as vidas que habitam no planeta. Ainda que bons exemplos e comportamentos possam ser ensinados, é necessário que cada ser humano e cada comunidade humana encontre os caminhos para sua realização e felicidade.>
Luís Fernando Lopes é professor do curso de Filosofia e da Área de Humanidades e atua no setor de inovação da Escola Superior de Educação do Centro Universitário Internacional Uninter.>
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores>