Peladatona: cantor de arrocha quer fazer corrida na Barra com todo mundo pelado

Valter das Virgens, que também é motorista de aplicativo e frequenta festas liberais, busca autorização para evento

  • Foto do(a) author(a) Alexandre Lyrio
  • Alexandre Lyrio

Publicado em 21 de julho de 2019 às 06:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Betto Jr

Valter das Virgens marcou corrida para 6 de setembro (Foto: Betto Jr/CORREIO) A expressão “corre nu”, por vezes designada para festas em que os participantes tiram a roupa, agora pode ter o seu significado literal colocado em prática. Marcada para o dia 6 de setembro, a 1ª Peladatona de Salvador promete encher as ruas da Barra com atletas completamente pelados. A “maratona nudista” é invenção do cantor de arrocha, motorista de aplicativo, roadie de bandas e frequentador de festas liberais, Valter das Virgens, 34 anos, que já pretende pedir liberação da Prefeitura.

A “corrida que todos correrão pelados” teria largada à meia-noite, com concentração às 23h. “As crianças já vão estar dormindo. Não tem problema algum!”, diz Valter.  O percurso, de pouco mais de 2 Km, seria do Morro do Cristo ao Farol da Barra. A ideia do evento surgiu como uma brincadeira. Recente frequentador de festas liberais, Valter começou a ser cobrado em um grupo de WhattsApp para organizar algo diferente. Afinal de contas, tinha experiência em realizar eventos. “De uns tempos pra cá, quando fiquei solteiro, passei a frequentar festas liberais, onde todo mundo fica nu. Aí pensei em fazer um evento diferente, com todo mundo nu, mas sem sexo”, explica Valter.

Foi quando anunciou que um dia faria uma corrida com todo mundo como veio ao mundo. “Daí em diante o pessoal ficava me cobrando. ‘Cadê a corrida?’”. Na sexta-feira (12), ele criou o flyer que se espalhou por todo o Brasil através do aplicativo de mensagens. “Eu postei no grupo de WhatsApp mais como uma brincadeira. A coisa se espalhou tanto, apareceram tantos interessados, que decidi fazer esse evento de qualquer jeito”. Valter conta que um amigo de Alagoas foi quem desenhou o banner, usando informações passadas por ele e uma imagem retirada da Internet. Banner eletrônico se espalhou pelo Brasil (Foto: Reprodução) O detalhe é que esse amigo cometeu um grave erro de grafia no flyer. Escreveu a palavra “expressão” com “s”: “venha viver a liberdade de ‘espressão’ corporal”. “Eu nem corrigi nada. Ele me mandou e eu já fui compartilhando”, conta. Com erro e tudo, o banner chegou em todos os cantos desse país. Ao perceber que a coisa bombou, Valter fez um vídeo improvisado dentro do carro, sem camisa, e postou no Youtube. Recebeu mensagens de quase todos os estados e até de fora. “Um grupo de argentinos me procurou. Vem gente de todo o Brasil. Tem um pessoal querendo fazer excursão para participar da corrida”.

O arrocheiro calcula que pelo menos 600 pessoas estão dispostas a se inscrever. Inicialmente, ele cobraria valores simbólicos: R$ 20 para homens e R$ 10 para mulheres. Agora, anunciou que a inscrição será gratuita. Aí é que está. Ainda não é possível fazer a inscrição. É que, quando espalhou sua ideia, Valter sequer havia pedido autorização à Prefeitura, o que começou a fazer a partir de segunda-feira, quando o evento ganhou notoriedade.

Se necessário, Valter disse que vai ao prefeito ACM Neto. Já enviou, garante, ofício ao comando da Polícia Militar. “Eu não pedi a licença municipal ainda. Mas pretendo passar por todos os trâmites burocráticos. Quero falar com o prefeito e com o coronel Anselmo Brandão (comandante-geral da PM)”. O idealizador do evento também pretende buscar interessados em patrocinar o evento. “Penso em empresas de protetores solares, de água mineral ou cervejarias”, afirma Valter, que diz não ter qualquer interesse em lucrar com a corrida. “A intenção é só se divertir mesmo”. A premiação anunciada prevê um total de R$ 10 mil distribuídos entre os vencedores.

Liberdade   Apesar de a ideia ter surgido em um grupo formado por pessoas que frequentam festas liberais, a Peladatona, diz ele, tem a essência voltada para o naturismo. O evento seria um ato em favor da liberdade. Não será permitido sexo ou qualquer tipo de ato pornográfico. “Eu sou apenas uma pessoa a favor da liberdade! Fui criado na roça, tomando banho de rio nu. Quando o Brasil foi descoberto os índios estavam todos nus aqui. Ou não?”.

Há outras regras: os corredores usam apenas um par de meias e tênis. Também é permitido máscaras. E nas genitálias? Alguma proteção? “No máximo um tapa-sexo ou pinturas”. A estrutura da corrida, diz ele, é mínima. Seguranças particulares, alguns praticáveis e água para os atletas. “Coisas como banheiro e iluminação é com a prefeitura. A PM dá um apoio. O restante já tenho as empresas que fazem”, garante Valter, que tem experiência em produção de bailes funks e festas de partido alto. 

Na verdade, Valter já fez de tudo. Foi roadie de bandas como Levada Louca, Beijo, Mel e Patchanka. Quando terminou o último relacionamento amoroso, gravou um disco de arrocha romântico. Leia-se: com letras que priorizam a dor de cotovelo. O CD tem como título “Valter das Virgens Apaixonado por Você”. Hoje, sua fixação amorosa é fazer a corrida. 

Tal missão está até atrapalhando suas outras corridas, no caso, do aplicativo 99 Pop, com o qual roda na praça desde novembro. Antes, ele gerenciava um bar. “A rotina da vida noturna não estava me fazendo muito bem. Mas eu não fico parado não, irmão”. Até em política Valter já se meteu. “Fui candidato a deputado federal”. A candidatura não teve muito sucesso, apesar de ele se dizer “bastante conhecido em alguns meios sociais”. “É difícil eu chegar em um bar ou uma boate e não encontrar alguém que eu não conheça”.    

Reações O celular de Valter não para. São centenas de ligações e milhares de mensagens todos os dias. As reações à Peladatona são as mais diversas. “Teve uma mulher que ligou me xingando todo!”. Alguns ligam por curiosidade, outros para elogiar a atitude “revolucionária”. Valter garante que as manifestações de apoio são muito mais numerosas. “Tem tanta gente apoiando que você não imagina”.

Na Barra, os moradores estão divididos. Ouve-se desde o clássico “que pouca vergonha!” até o “que top” ou “lacração”. Valter tem mil argumentos para defender o evento. “Não vou dizer para a pessoa ir para o trabalho nua, ir ao banco nua, mas fazer uma brincadeira para se divertir meia-noite? Qual é o problema? As pessoas que vão pra lá são as que estão a fim de se divertir. Se você não está, paciência”. 

Pedalada Pelada Valter das Virgens diz que se inspirou na Pedalada Pelada de São Paulo, um evento/manifestação em que, há dez anos, ciclistas protestam contra a invisibilidade deles no trânsito da maior capital do país. “A Pedalada Pelada acontece há mais de dez anos e as pessoas pedalam nuas pelas ruas da cidade. Por que eu não posso fazer uma corrida semelhante em Salvador?". A ideia da Pedalada é mostrar que, diariamente, os ciclistas estão “despidos” contra a violência do trânsito.  Pedalada Pelada de São Paulo (Foto: Divulgação) Já a Peladatona pretende fazer com que as pessoas estejam despidas de moralismos e pudores. “A questão de vestir roupa é uma questão cristã. Um corpo nu é só um corpo”, diz Valter, que em outros aspectos não consegue esconder o seu lado cristão. “Meu sonho é casar e ter filhos.Sou filho único. Minha mãe quer um neto. Só preciso encontrar a pessoa certa”, diz. 

Valter sabe que o crime de ato obsceno é previsto no artigo 233 do Código Penal Brasileiro. Mas, no caso de um evento feito para que todos estejam sem roupa’, ele acredita que a lei perde a validade. “É algo marcado e avisado com antecedência. Tanto que existe a Pedalada Pelada e outros eventos pelo mundo afora”, observa o cantor. 

Participantes Bom, gente disposta a participar da Peladatona já existe. E como existe! Conversamos com pelo menos quatro delas. O desempregado Érico dos Santos Malaquias, 26 anos, diz que sempre teve vontade de ser naturista. Mas, como a praia de nudismo é muito longe, fica um pouco difícil. Dessa vez, o naturismo virá até ele. “Massarandupió (paraíso do naturismo na Linha Verde) nunca fui. É bastante distante. E só é permitida a presença de casais. Solteiro como eu, não há chance”. Como vai ser uma corrida na Orla, Érico tá empolgado com o que pode rolar no final da prova. “Depois dá até para tomar um banho de mar pelado”.    

Uma corredora de rua de São Paulo diz que vai fazer de tudo para estar aqui no dia da corrida. Sem se identificar, ela achou a ideia fantástica. “Iniciativa maravilhosa para quebrar paradigmas e combater o falso moralismo”, disse. 

Um outro rapaz chegou a considerar a ideia “revolucionária” e disse que vai treinar para conquistar os R$ 10 mil. “Já participei de algumas corridas. Como sei que os melhores atletas não terão coragem de participar, tenho chances. Até lá vou treinar bastante!”. 

Cozinheiro  Valter das Virgens nasceu em Irará, centro-norte da Bahia, mas há 21 anos veio morar em Salvador. Tem o segundo grau completo e largou os estudos depois que começou a trabalhar na noite. “Assim consegui comprar minha casa e meu carro. Essas coisinhas que a gente consegue na vida”. 

Quando comprou a casa, trouxe a mãe do interior para morar com ele. “Minha mãe é parceira. Entende todas as minhas loucuras”. A última delas foi montar um esquema de entrega de comida por aplicativo. O ”Rango Pesadão” funciona pelo IFood e prepara feijoada, sarapatel e tudo quanto é rango pesado ou não. Além de tudo, Valter é cozinheiro.  

“Eu sei cozinhar. Eu mesmo preparo. Faço de comida oriental a comida baiana”. No final das contas, quem diria, o homem que quer organizar uma corrida com todo mundo pelado termina a entrevista dando uma lição para o momento atual do país: “A crise está em você. Perceba o que você sabe fazer melhor e faça. Eu nunca fiquei sem dinheiro!”. Então, se você acha que pode fazer bem um corre nu entre o Cristo e o Farol, inscreva-se na Peladatona.

20 vereadores fazem moção de repúdio, outros apoiam

A ideia de fazer uma corrida de rua com todos os atletas pelados deu origem a uma série de brincadeiras e piadas. Mas, no caso da Câmara de Vereadores, a coisa ficou séria. O objetivo do cantor de arrocha Valter das Virgens foi alvo de uma moção de repúdio protocolada pela vereadora Lorena Brandão (PSC) e assinada por outros 19 vereadores.

No texto, a vereadora critica o evento como "um total desrespeito à população soteropolitana e os turistas". Um dos argumentos da edil é de que a Peladatona "consiste no crime de ato obsceno, previsto no artigo 233 do Código Penal Brasileiro". 

“É uma aberração. Agimos rápido na Câmara Municipal e colhemos 20 assinaturas de vereadores. Não podemos permitir que as licenças sejam dadas e que haja patrocínio desta corrida. Não vamos permitir que tal aberração aconteça em nossa cidade”, reclamou Lorena. Nos comentários de um site que noticiou a moção, um leitor rebateu a vereadora: “Atentado ao pudor é o que os políticos fazem. Incluindo, vossa excelência”.

O vereador Marcos Mendes (Psol), por outro lado, não só saiu em defesa da Peladatona como garantiu, em plena sessão da Câmara, que ele próprio vai participar se o evento ocorrer. "Primeiro fizeram uma moção contra uma brincadeira de um artista, um evento que sequer está confirmado. Eu fico imaginando a inversão de prioridades da Câmara de Vereadores", criticou Mendes.

"Se acontecer eu pretendo participar. Somos contra a proibição de qualquer tipo de atividade lúdica. Claro, se tiver regulamentação e fiscalização, não vejo problema. Temos uma sociedade extremamente pudorosa. O que temos que proibir são as manifestações de ódio, racistas, machistas e LGBT fóbicas", opina Mendes. 

Corridas nuas pelo mundo Há alguns exemplares de eventos ao redor do mundo que se assemelha muito à ideia do nosso cantor de arrocha liberal. Na Espanha, a disputa rola na praia de Sopelana, no litoral norte do país, próximo a Bilbao, na região do País Basco. Todos os anos, dezenas de naturistas reúnem-se durante a maré baixa vestindo apenas meias e tênis – também é permitido o uso de chapéus, bonés e óculos de sol.  Cross nudista na Argentina (Foto: Reprodução) O percurso total da corrida, iniciada em 1999, é de 5 Km e os participantes são divididos em quatro categorias: masculina, feminina, veteranos (homens acima de 40 anos) e até infantil (crianças abaixo de 14). Na Argentina, durante o chamado Cross Nudista, os corredores usam apenas um par de tênis, um relógio e um par de meias. A competição acontece há 13 anos e é feita na reserva Yatana Rumi, na cidade de Tant.